Modalidade de entrega expressa pode contrariar a chamada Lei Habib´s, legislação federal que proíbe incentivos para motoboys acelerarem entregas, avalia MPT; iFood afirma cumprir ‘rigorosamente as leis e normas brasileiras’
A ENTREGA EXPRESSA do iFood, que garante a chegada de produtos pedidos pelo aplicativo em um prazo “tão curto quanto 15 minutos”, descumpre leis federais e expõe entregadores a acidentes para o cumprimento de metas, afirmam fontes ouvidas pela Repórter Brasil.
“Qualquer medida que aumente a velocidade dos entregadores, que os faça trabalhar mais preocupados com o tempo de entrega do que com a própria segurança, aumenta também os riscos”, afirma Renan Kalil, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT).
“Isso vai na contramão das estatísticas de acidentes, colocando o trabalhador para correr no trânsito, sem preparo nenhum”, critica Gilberto Almeida dos Santos, presidente do Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxista Intermunicipal do Estado de São Paulo (SindimotoSP).
Lei Habib’s
Desde 2011, a lei federal nº 12.436 proíbe o uso de práticas que estimulem os entregadores a acelerarem suas motos. A medida ficou conhecida como “Lei Habib’s”, uma referência a uma promoção de meados dos anos 2000 da rede de fast-food que isentava os clientes do pagamento de pedidos não recebidos em até 28 minutos.
Premiações de qualquer tipo, criadas para incentivar os entregadores a concluírem suas corridas mais rapidamente, também não são permitidas pela legislação federal. Empresas que usam desses artifícios estão inclusive sujeitas a multas.
“Elas descumprem também a lei 12.997 [de 2014], que garante o adicional de periculosidade a trabalhadores em motocicleta [com carteira assinada]”, complementa o presidente do SindimotoSP .
Para o procurador do MPT, os aplicativos desrespeitam ainda a lei federal 12.009/2009, que regulamenta os serviços de mototáxi e de motofrete. O texto prevê uma série de medidas, como a instalação de equipamentos de segurança nas motocicletas usadas pelos entregadores, que não são seguidas por aplicativos como o iFood. “Nós precisamos fazer com que essas empresas cumpram a legislação que nós já temos no país”, defende Kalil.
O que diz o iFood
Em nota à Repórter Brasil, o iFood afirma que “o serviço de intermediação oferecido por plataformas de delivery é distinto do serviço de motofrete” de que trata a legislação federal. Por essa razão, a empresa não estaria desrespeitando as regras. “Todos os serviços e produtos oferecidos pelo iFood cumprem rigorosamente as leis e normas brasileiras”, prossegue o texto.
O iFood sustenta ainda que “o tempo de entrega é calculado de forma que os parceiros possam concluir os pedidos de maneira segura”. Questionada, a empresa não informou, entretanto, se estabelece limites máximos de distância e velocidade na modalidade expressa. “Para o entregador, este é um pedido como outro qualquer”, finaliza a nota. Leia aqui a íntegra da resposta.
A reportagem conversou com alguns entregadores, que preferiram não se identificar. “A gente trabalha no automático, aceitando tudo, porque é o único jeito”, relata um motoboy que trabalha há dez anos com o iFood.
“Se você ficar escolhendo corrida, eles te dão um castigo. E te deixam sem corrida por meia hora ou até mais. Isso também acontece se um pedido atrasa ou se um cliente faz uma reclamação de você”, conta outro.
Nova York já debateu proibição de entregas ultrarrápidas
Na maior metrópole dos Estados Unidos, um projeto de lei apresentado ao órgão equivalente à Câmara dos Vereadores da cidade, em março de 2022, propunha uma regulamentação das entregas ultrarrápidas.
“Tais serviços seriam proibidos de penalizar os trabalhadores que não entregassem no prazo de 15 minutos, e precisariam divulgar a esses trabalhadores que eles não são obrigados a entregar no prazo de 15 minutos”, diz o texto do projeto de lei, disponível no site do The New York City Council.
A proposta tinha como justificativa a proteção de pedestres e dos próprios entregadores que, para concluir as corridas no tempo mais curto possível, frequentemente desrespeitam as leis de trânsito. O projeto de lei, no entanto, foi arquivado em dezembro de 2023.
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