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/ segunda-feira, novembro 25, 2024
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Artigo – Nenhuma mãe quer seu filho parado pela polícia, nem na escola

Por ora, a Justiça barrou a proposta pela ilegalidade, mas discussão deve ocorrer antes que a ideia volte - Paulo Pinto/Agência Brasil
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A falácia de que as famílias apoiam a militarização não resiste a cinco minutos de conversa

Não é óbvio que nenhuma mãe ou pai quer ver seu filho sendo enquadrado pela polícia e, muito menos, “disciplinado” ao estilo militar? Ainda mais se forem crianças ou adolescentes que deveriam estar à vontade dentro da própria escola. A falácia de que as famílias apoiam a militarização não resiste a cinco minutos de conversa sobre como isso afetará seus próprios filhos.

O governo de São Paulo ia fazendo uma “votação” sem diálogo para ver quais escolas receberiam policiais aposentados para disciplinar os estudantes. Por ora, a Justiça barrou a proposta pela ilegalidade, mas a discussão merece uma reflexão antes que a próxima tentativa chegue. Educadores lamentam que haja “aprovação de boa parte da população”. Vamos pensar que população é esta?

Apesar de sabermos o quão fabricadas são as “opiniões” nas redes sociais, podemos começar pelos “fãs virtuais”. Toda postagem de denúncia à violência da medida recebia comentários de “defensores”. Eu, mãe de estudantes da escola pública, respondi a dois destes comentários, ambos supostamente de mulheres. Entregavam que eram usuárias de escolas particulares quando comentavam algo do tipo “cada um escolhe se quer ou não ir para uma escola militar”.

O sistema público de ensino não permite “escolha” da escola. A matrícula sai conforme o endereço da família e demanda por bairro. Pode – e deve – haver alguma margem para transferência, mas faz parte da vocação da escola pública servir a comunidade do seu entorno. Quase 90% da população sabe muito bem disso, pois é estudante ou familiar de aluno de escola pública. A “militância virtual” é composta ou de robôs de fake news ou da minoria apartada e ignorante da realidade da educação pública que marginaliza quem não está em sua bolha.

Meus colegas educadores, no entanto, garantem que há, sim, mães e pais convencidos de que um policial na escola do seu próprio filho pode resolver algo. Para pensar em como foram convencidos, precisamos pensar no que estes policiais, em tese, resolveriam.

Há tempos que a “falta de disciplina” é a maior reclamação dos professores e apontada como problema por 6 entre 10 educadores (dados da pesquisa Perfil e Desafios dos Professores da Educação Básica no Brasil, do Semesp). Evidentemente, as mães e pais não querem “chamar a polícia” para os próprios filhos, é exatamente o oposto: já que os professores não estão conseguindo dar aulas para seus filhos, eles querem chamar a polícia para os “indisciplinados” que atrapalham, de forma que suas crianças e adolescentes possam aprender.

Percebem a contradição? As mães jamais iam querer o pior para seus filhos. Vem o professor e diz, “o problema é que ninguém se comporta”, vem um governo reacionário, aproveita a deixa, e coloca “a polícia para disciplinar”. Por fim, acham que as famílias é que apoiam os militares.

Nos Estados Unidos, a ligação direta entre a presença policial nas escolas e o maior número de futuros encarcerados tem até uma sigla: SPP (de School-to-Prision Pipeline). O termo poderia ser traduzido como “canalização da escola para a prisão”. É algo que vemos ocorrer nas periferias no Brasil: a população mais exposta à polícia, constantemente abordada e perseguida, acaba por ter mais detidos, judicializados e presos – sem falar dos assassinados.

No Brasil, em que a população negra, periférica e marginalizada só passou a ter direito à educação básica após a Constituição Cidadã, de 1988, vale questionar o que é a “indisciplina” que tanto incomoda. A tal “disciplina” que seria dada em uma escola “cívico-militar” não foi detalhada no projeto do governo Tarcísio de Freitas, mas pode-se imaginar pelas abordagens policiais: crianças enfileiradas em posturas padronizadas, sem boné, sem cabelos diversos, com uniformes usados de forma idêntica, sem rap, funk ou músicas dos jovens nas festas, sem grafites nos muros, sem liberdade de gênero. Quanto esta disciplina atende a um desejo de homogeneidade, para não dizer eugenia?

Sim, é óbvio que nenhuma mãe ou pai quer o seu filho parado pela polícia. Talvez tenham apenas pensado que o “indisciplinado” é o outro sem refletir que, com a polícia na escola, a criança pode ser parada também pela sua arte, pela sua liberdade de ser ela mesma e, no mínimo, pela violência de estar sendo, desde criança, vigiada por um profissional treinado para conter a marginalidade.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente reflete a linha editorial do Brasil de Fato.

www.brasildefato.com.br/Cinthia Rodrigues é mãe de estudantes de escola pública, especialista em Educação Social e mestranda em Educação pela USP, cofundadora da Quero na Escola e coautora do livro “21 histórias de estudantes que mudaram a escola”

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