Esse contingente foi desligado das empresas, seja involuntariamente, por vontade própria ou término de contrato de trabalho temporário. Para dirigente da CUT, quadro pode se reverter nos próximos anos
O discurso neoliberal de que o brasileiro é empreendedor por natureza e não por necessidade pode ser contestado a partir dos dados de um levantamento divulgado nesta quarta-feira (21) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostra que em 2022, 1,7 milhão de pessoas que se tornaram Micro Empreendedores Individuais (MEIs) tinham sido desligados das empresas, seja involuntariamente, por vontade própria ou término de contrato de trabalho temporário.
Ao analisar especificamente os trabalhadores que foram desligados por vontade do empregador ou justa causa, isto é, demitidos, o IBGE chegou ao quantitativo de 1 milhão de pessoas. Esse contingente representa 60,7% do total de desligados que viraram MEI.
Em 2022, o Brasil tinha 14,6 milhões de MEIs, sendo que 2,6 milhões aderiram à modalidade jurídica no último ano do levantamento. Desses, o IBGE só tinha informações sobre experiências profissionais prévias de 2,1 milhões.
O secretário de Administração e Finanças da CUT Nacional, Ariovaldo de Camargo entende que os dados da pesquisa mostram que é importante salientar que as pessoas quando se veem numa condição de desalento, de procura de emprego, sem perspectiva de retornar ao mercado de trabalho vão buscar alternativas e uma das formas que encontra é o de prestar serviços com fornecimento de nota fiscal e para isso existe a exigência de que a pessoa se transforme em MEI.
“Nós estamos falando de um número muito grande de pessoas que por desalento, por estar desempregado, perder o emprego e tudo mais buscam uma alternativa até mesmo de continuar prestando serviço na mesma empresa, por não ter mais o contrato de serviço regido por normas da relação do trabalho através da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho].
Camargo, no entanto, ressalta que a pesquisa do IBGE reflete um ano (2022) em que havia um número bastante expressivo de desemprego, refletindo uma realidade de momento em que o país passava por muita dificuldade.
“O número de desemprego vem sendo alterado para baixo e talvez as próximas pesquisas demonstrem que muitos desses trabalhadores passaram à condição de contrato de trabalho formal e que, portanto, esse cenário de 2022, não exista da mesma forma, em 2024, pois está havendo uma retomada do crescimento do país, com aumento no número de trabalhadores empregados na formalidade”, afirma.
No entanto, o secretário da CUT, entende que é preciso ir além nas questões trabalhistas para se resolver essa situação.
Enquanto nós não tivermos alterações nas regras da legislação trabalhista que flexibilizou demais a relação do trabalho com a figura do trabalho intermitente e vários outros tipos de contratações precarizadas nós não vamos conseguir resolver o problema que está aí apontado. Ele tende a diminuir, mas não será superado
Para o analista da pesquisa do IBGE, Thiego Gonçalves Ferreira, o dado aponta que o microempreendedorismo individual muitas vezes é uma questão de necessidade. Ele parte da premissa que o empreendedorismo por oportunidade ocorre quando a pessoa planeja bem a decisão antes de montar o próprio negócio.
“A gente identifica que a maioria dos MEIs representariam a espécie de empreendedor por necessidade, uma vez que a causa do desligamento [do emprego anterior] não partiu dele, foi involuntário”, explica.
4,1 milhões de MEIs inscritos em programas sociais
Outro dado da pesquisa mostra que das 14,6 milhões de pessoas vinculadas a cadastros de pequenos empreendedores ativos em 2022, 4,1 milhões – ou seja, 28,4% – estavam também registradas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) mantido pela União.
Sobre este aspecto, o secretário de Administração e Finanças da CUT Nacional. Ariovaldo de Camargo, ressalta que no governo anterior de Jair Bolsonaro (PL), houve uma avalanche de entrada de pessoas no CadÚnico seja por real necessidade, seja por má-fé, já que diversos auxílios para pessoas vulneráveis foram liberados numa tentativa de conquistar o eleitorado.
“O atual governo vem buscando corrigir distorções, pois 2022 foi um ano atípico, em que o Bolsonaro fez utilização da máquina pública para facilitar muito o acesso a determinadas determinados benefícios sociais de pessoas que não deveriam ter direito a eles. Então, o recorte de 2022 é muito ruim de ser usado como parâmetro. Hoje já vem se corrigindo essas distorções”, diz Camargo.
O dirigente, no entanto, observa que há um elemento chave nesse debate, pois se o MEI não consegue desenvolver uma atividade e se ele pertence a uma família onde a renda total não atinge um número superior àquela em que dá direito aos benefícios do CadÚnico não há que se exclui-lo do programa. Para Camargo, o governo federal e as prefeituras que fazem o Cadastro Único não devem penalizar essa família por ter um integrante de seu núcleo aderido ao mecanismo de ser microempreendedor individual.
“Agora, obviamente, que precisa ser muito bem fiscalizado isso, porque nós sabemos que fraudar informações é comum por parte de uma parcela da sociedade brasileira, que busca vantagens pessoais que muitas vezes acabam atrapalhando o próprio desenvolvimento do coletivo”, analisa Camargo.
O CadÚnico
Famílias que têm renda de até meio salário mínimo por pessoa podem se inscrever no CadÚnico. Quem está no cadastro pode participar do Bolsa Família, do Pé de Meia, da Tarifa Social de Energia Elétrica, do Auxílio Gás, do Programa Minha Casa Minha Vida, entre outros.
Segundo o IBGE, metade dos MEIs que estavam do CadÚnico recebia o Auxílio Brasil em 2022 – o programa substituiu o Bolsa Família durante o governo Bolsonaro. Hoje, para ter direito ao Bolsa Família, a principal regra é que a renda de cada pessoa da família seja de, no máximo, R$ 218 por mês.
www.cut.org.br/ Rosely Rocha/Com informações da Agência Brasil e Brasil de Fato