‘Justiça perfeita seria a minha irmã aqui’, diz ministra Anielle Franco sobre avanço no caso Marielle
Chefe da pasta da Igualdade Racial celebrou prisões, mas ponderou limite que investigações podem chegar
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Nesta semana, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados deu início à escuta dos depoimentos de testemunhas no processo contra o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado pela Polícia Federal de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes, em 2018. Além dele, seu irmão Domingo Brazão, ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, é acusado de estar por trás do crime. Os dois foram presos em 24 de março deste ano.
Em entrevista ao programa Bem Viver desta quarta-feira (10), a ministra da Igualdade Racial Anielle Franco, irmã da vereadora assassinada, comenta que, embora o avanço nas investigações do caso seja considerada uma vitória, não é o caso de se falar em justiça. “É difícil falar se chegou ao final ou não, porque, para mim, a justiça perfeita seria a minha irmã aqui, seria ela no segundo mandato dela”, afirma.
“Mas eu não sei te dizer de verdade se a gente chegou ao fim ou não. Porque, se demoramos seis anos para identificar que uma pessoa que acolheria a minha família estava, na verdade, envolvida com a não investigação e a não elucidação do crime, eu não sei o que te falar”, diz, em referência à Rivaldo Barbosa. O ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro é o terceiro réu do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), ao lado dos irmãos Brazão.
“Eu sei que tem um avanço de um trabalho da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, Estadual… Eu sei que tem um avanço enorme. Eu acho que tem o retorno de um governo democrático também”, diz. “O que eu espero é que a Mari nunca seja esquecida, o que eu espero é que o legado dela permaneça aí por muitos e muitos anos.”
Na Câmara, a escuta das testemunhas pode durar até 60 dias. Nesse tempo, são ouvidas as testemunhas, e o acusado tem 10 dias úteis para apresentar sua defesa por escrito. Depois, a relatora apresenta um parecer que pode sugerir a aplicação ou não da cassação do mandato, e a sugestão é discutida e votada pelos demais membros do colegiado.
Após o trâmite no Conselho de Ética, a decisão dos deputados ainda vai para votação aberta no plenário. A cassação de mandato exige a maioria absoluta dos votos, ou seja, pelo menos 257.
O primeiro depoimento em pauta foi do deputado Tarcísio Motta (Psol-RJ), colega de partido de Marielle Franco. Também está prevista a participação do vice-presidente do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (TCMRio), Thiago Kwiatkowski Ribeiro. O terceiro confirmado é Marcos Rodrigues Martins, assessor da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Dentre os nomes ainda não confirmados está o do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD).
Na entrevista ao Brasil de Fato, a ministra celebrou a decisão do STF que descriminalizou a maconha e ponderou que a efetividade dela depende da postura das polícias.
Anielle Franco comentou também sobre a ação da Polícia Militar no Rio no caso que envolveu filhos de diplomatas, jovens negros, abordados violentamente na capital carioca.
Confira a entrevista na íntegra
Na semana passada você foi convocada para ir à Câmara dos Deputados a pedido dos deputados Kim Kataguiri (União-SP) e Hélio Lopes (PL-RJ). O pedido foi a respeito de gastos em viagens e também o fato de o ministério ter priorizado ações de apoio a comunidades negras e ciganas afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul. Como a senhora recebeu o convite? Acha que foi feito num tom provocativo?
É super importante a gente, quando entra em cargos como esse, acatar e aceitar qualquer convite, convocatória, para falar e se explicar pelo trabalho. Não encaro de forma nenhuma como provocação ou, se foi, passou muito batido por mim.
Tudo o que foi feito do ano passado até agora no ministério, não há nenhuma irregularidade, pelo contrário. A gente encerra 2023, inicia 2024, com tudo dentro das normalidades, tudo regulado, bem direitinho.
Em 2023, 85% do nosso orçamento foi diretamente para políticas públicas e 15% voltado para diárias e passagens, visto que nós estávamos iniciando uma reestruturação de um órgão que era uma secretaria e vem a ser agora, desde 2023, um ministério.
Você como representante do governo, como recebeu essa decisão da Suprema Corte sobre a descriminalização da maconha?
O que de fato sempre me pega é que pautas como essa, assim como o aborto, têm de ser tratadas como questão de saúde pública.
A gente não pode achar que, “ah, pelo meu achismo, eu vou dar uma opinião, dizer que eu sou contrária ou a favor”.
Então, para mim, pensar que, quando você olha o número de pessoas encarceradas hoje no nosso país, que passa de 70% sendo pessoas negras, isso é muito grave.
É algo que precisa, com certeza, ser levado em consideração. É uma decisão importante, é uma decisão histórica.
É uma decisão, sim, que pauta a saúde pública e mental. É uma decisão que eu acho que, pelos próximos meses e anos, estaremos aí, sim, trabalhando, debatendo a respeito. E eu fico, sim, satisfeita com a decisão.
A decisão foi considera histórica porque os ministros reconheceram a existência no racismo estrutural. Você acha que isso pode significar algo sobre a violência estatal contra pessoas negras? O STF já tinha feito algo semelhante na pandemia a respeito de ações em comunidades, mas não foi cumprida à risca.
Eu espero que sim. Eu sou aquela pessoa otimista que espera que as pessoas vão se conscientizando, pouco a pouco, dia a dia.
Você cita aí a ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] das favelas, naquele ano fatídico da pandemia, onde muitas lideranças também estavam na rua pedindo: “não queremos morrer nem de tiro, nem de covid, nem de fome”, e, infelizmente, aquela decisão não tinha sido acatada e descumprida em vários âmbitos.
Falando aqui enquanto carioca, que morava no Rio naquela época, lembro de ter presenciado algumas [das ações].
É uma decisão que traz um questionamento, uma discussão, e pauta o racismo como o centro. Talvez [seja] de uma virada de chave do nosso país.
Mas o fato de a decisão do STF seguir permitindo uma decisão subjetiva do delegado não pode impedir esse avanço?
Infelizmente, a gente pode continuar tendo coisas diferentes do que foi definido pelo STF, mas, em contrapartida, é um avanço.
Em contrapartida, a gente está, hoje, pautando coisas que talvez há anos atrás a gente não conseguiria pautar.
O ministério está acompanhando as investigações a respeito do caso dos jovens filhos de diplomatas abordados violentamente pela polícia?
Sim, com certeza. Desde o momento zero, a gente repudiou, a gente fez uma postagem, a gente entrou em contato também com o MRE [Ministério das Relações Exteriores] e está ali em diálogo conjunto, não somente com o Itamaraty, mas também com o Ministério da Justiça, com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, para acompanhar essas investigações.
Mas é sempre algo que eu fico muito indignada. Porque é sempre a mesma coisa, sabe?
Sempre as mesmas características, a mesma atitude. E é cansativo. Porém, a gente sabe que é uma missão, é uma responsabilidade nossa enorme fazer com que as pessoas tenham um pouco mais de empatia ao olhar.
Eram jovens passeando. E eu super entendo que algumas pessoas podem não se sentir tão confortáveis, mas não apresentavam nenhum tipo de ameaça. A cor da pele não pode significar uma ameaça.
Como você avalia o pronunciamento da deputada Carla Zambelli (PL-SP) chamando Benedita da Silva de Chica da Silva?
Olha, eu te digo que essa deputada, com essa atitude tão pequenina… Prefiro nem comentar sobre ela, porque eu não consigo nem enxergar direito.
Mas a Bené, eu acho que vale. Vale o nosso reconhecimento, vale a nossa referência.
A Bené é aquela mulher que veio abrindo caminhos, e lugares e espaços por onde passou e por onde tem passado, e que merece o nosso respeito e a nossa consideração.
Ato falho ou não, vem seguido de deboche, vem seguido de racismo, de desprezo.
Primeiro que assim, Chica da Silva foi uma mulher de referência estratégica, inteligente, batalhadora, e que passa por inúmeras atrocidades, mas conseguiu, da maneira dela, sobreviver à sua época.
E o problema dessa fala, que foi bem infeliz, não é a comparação de Benedita com Chica da Silva. Não é isso. É o desrespeito, é o deboche de um racismo, de uma escravidão de uma mulher negra.
Você considera que o caso Marielle Franco está encerrado após a prisão de Chiquinho e Domingos Brazão?
Eu vou falar agora uma frase um pouco clichê, mas, para mim, esse caso não deveria nem acontecer, né?
É difícil falar se chegou ao final ou não, porque, para mim, a justiça perfeita seria a minha irmã aqui, seria ela no segundo mandato dela ou eleita como deputada.
Enfim, é difícil opinar sobre isso, porque me atravessa num lugar diferente do que talvez outras pessoas.
Mas eu sempre digo que eu não gosto de trabalhar com suposições sobre nada e sobre esse caso, principalmente. Eu sei que tem um avanço, tá? Não me entenda mal.
Eu sei que tem um avanço de um trabalho da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, Estadual. Eu sei que tem um avanço enorme, eu acho que tem o retorno de um governo democrático também.
Mas eu não sei te dizer de verdade se a gente chegou ao fim ou não. Porque, se demoramos seis anos para identificar que uma pessoa que acolheria a minha família estava, na verdade, envolvida com a não investigação e a não elucidação do crime, eu não sei o que te falar.
O que eu espero é que a Mari nunca seja esquecida, o que eu espero é que o legado dela permaneça aí por muitos e muitos anos.
O governo pretende de alguma maneira atuar para fortalecer e incentivar candidaturas de mulheres e pessoas negras nas eleições deste ano?
Olha, é papel do ministério sempre é transversalizar toda e qualquer luta que envolva mulheres negras, pessoas negras, homens negros como um todo.
As Olimpíadas estão chegando… Como ex-atleta de vôlei, isso mexe com você, ministra?
Eu sou aquela pessoa que acorda de madrugada para assistir todos os jogos de vôlei, masculino, feminino.
Eu sou muito fã da Ana Patrícia [Ramos, do vôlei de praia] e da Duda [Eduarda Santos Lisboa, dupla de Ana Patrícia], e da Carol [Ana Carolina da Silva] e da Bárbara [Seixas, dupla de Ana Carolina], que vão estar representando a gente no vôlei de praia feminino. Eu amo muito, muito, a Carol, porque eu joguei contra quando eu era nova, a Duda porque joga demais, e a Ana Patrícia porque é minha ídola, pitbullzona jogando, eu amo aquela mulher.
Eu espero que elas voltem com medalha, elas têm tudo para voltar com medalha, assim como as meninas da quadra também.
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