Sindicato dos Trabalhadores em Postos de Combustíveis da Bahia
/ quinta-feira, novembro 21, 2024
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A história de Sônia, um caso emblemático de trabalho escravo

Imagem: Allan McDonald | Rel UITA
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Ficamos sabendo da história de Sônia Maria de Jesus por meio de alguns de nossos filiados no Brasil e pelo estreito vínculo que nos une ao Ministério Público do Trabalho (MPT) desse país. A campanha #sonialivre nos chegou de vários lados e, quando começamos a nos aprofundar no caso, a mistura de emoções foi variada: incredulidade, horror, indignação…

Amalia Antúnez

A primeira reação foi saber mais através daqueles que estão em contato direto com o caso, como, por exemplo, os Auditores-Fiscais do Trabalho e a família de Sônia.

Conseguimos entrar em contato com Marta de Jesus, uma de suas irmãs, para conhecer o seu lado da história, como viveram o reencontro e por que decidiram iniciar uma campanha internacional pela liberdade de sua irmã mais velha.

Segundo indicam as investigações realizadas, Sônia Maria foi levada, aos nove anos de idade, de Osasco (SP), para a casa do juiz Jorge Luiz de Borba em Florianópolis (SC), pela psicóloga Maria Leonor Gayotto, sogra do juiz Borba, em 1982.

Deolina Ana de Jesus, mãe de Sônia, havia decidido deixá-la provisoriamente em um abrigo devido à violência doméstica cometida pelo pai contra a criança, confiando temporariamente sua filha à psicóloga.

Deolina acreditava que Sonia estaria segura, já que Maria Leonor fazia parte de um projeto social da PUC na creche frequentada por Sonia em Vila Dalva.

A mãe de Sônia faleceu muitos anos depois, após uma vida procurando por sua filha. Com o passar do tempo, os irmãos deram Sônia como morta, ou, na melhor das hipóteses, pensavam que ela estava nos Estados Unidos, como falsamente lhes informaram.

A família soube que ela estava viva e no Brasil quando os procuradores do MPT informaram que Sônia tinha sido resgatada de condições análogas à escravidão.

Sobre como viveram o reencontro e por que hoje em dia promovem uma campanha pela liberdade de sua irmã, a Rel conversou com Marta de Jesus, irmã gêmea de Marisa, as caçulas da família.

Sonia estava viva e no Brasil

“Ligaram para a gente depois que tiraram a Sônia da casa do juiz Borba. Primeiro, falaram com nosso irmão Marcelo, perguntando se tínhamos uma irmã chamada Sônia, com deficiência auditiva. Como para nós o assunto estava encerrado, foi uma surpresa enorme”, começou dizendo Marta.

“Nossa mãe passou anos procurando por Sônia, seguindo pistas falsas, e vindo a falecer em 2016. Para nossa família a ideia de que Sônia poderia estar nos Estados Unidos levando sua vida lá era um consolo, embora também houvesse a possibilidade de que ela estivesse morta. A questão é que até aquele momento estávamos completamente alheios a tudo que se referia a ela”.

Do estado de choque à raiva

Os De Jesus tomaram conhecimento da história de Sonia assistindo a uma reportagem exibida pelo Fantástico, e foi então que se convenceram de que aquela mulher resgatada após 40 anos vivendo em condições de semiescravidão era  de fato a sua irmã.

Marta comenta: “Foi um choque no início, depois as emoções foram variadas. Primeiro sentimos alegria, mas depois a indignação foi ganhando espaço, porque ela esteve todo esse tempo em condições análogas à escravidão, sem dúvida alguma, pois é evidente que ela foi privada até de direitos mínimos”.

Era inconcebível para a família o que aconteceu depois: que a justiça permitisse que Sônia voltasse para a casa de quem está sendo investigado por mantê-la em condições análogas à escravidão por quatro décadas.

“Quando decidiram que Sônia voltaria para a casa dos Borba, seguimos todos os passos jurídicos necessários, confiando que a justiça agiria a favor dela, pois é absurdo que durante um processo judicial o suposto agressor conviva com a vítima”, disse Marta.

Interferências

No entanto, um ano se passou e tudo permanece parado. “O processo não avança. Por isso, criamos a campanha #sonialivre, para pressionar pela revisão deste caso e para que nossa irmã possa pelo menos sair dessa casa, evidenciando que a justiça deve ser imparcial. Ou será que é diferente porque o suposto agressor é um desembargador?

Desde que descobriram que Sonia estava viva, os irmãos De Jesus se organizaram para o reencontro.

“A primeira visita foi em setembro e bastante complicada, pois Sônia já havia retornado à casa do juiz Borba. Tínhamos combinado dois dias, mas ele a levou por apenas um dia. Estava programado para durar duas horas, mas durou apenas 40 minutos, e o juiz esteve presente durante todo o encontro, ocorrido nas instalações da Polícia Federal”.

“Como todos sabem, Sônia não se comunica bem porque nunca aprendeu a língua de sinais (Libras). Ela tem um código gestual para se comunicar com os Borba e que é o que ela conseguiu aprender ao longo da vida. Então foi o desembargador Borba quem indicou quando ela poderia abraçar os meus irmãos ou não. Foi muito constrangedor e controlado”.

Para as visitas subsequentes, a família conseguiu através de uma medida judicial que os encontros fossem realizados na sede da Associação de Surdos de Florianópolis e que Sônia fosse sozinha, sem a companhia de nenhum Borba.

Nas reuniões na Associação, onde —desde que foi resgatada— ela tem aulas de Libras de segunda a quinta-feira, as coisas ocorreram melhor.

“Sem a interferência dos Borba, temos mais liberdade, podemos sair para passear em um shopping próximo, porque Sônia adora maquiagem, colares, brincos, e podemos interagir mais com a ajuda das suas professoras”.

Uma campanha bem-sucedida

No início, Sônia se manteve reservada e desconfiada, porque, como relata sua irmã Marta, ela não está acostumada a ser o centro das atenções, mas à medida que o tempo passa, tudo flui de forma amena.

“Nas últimas visitas, conseguimos brincar com ela de se maquiar, e é como se o contato nunca tivesse sido interrompido. As visitas são muito lindas», diz com ternura.

Para reconstruir o vínculo com Sônia, os irmãos estão apostando na campanha internacional que lançaram pela sua liberdade.

Segundo relata Marta, inicialmente houve pessoas que os acusaram de estarem interessados em obter uma indenização para sua irmã, mas à medida que a campanha progrediu, mais vozes se posicionaram a favor do que em contra.

“Houve versões de que nos aproximamos porque Sônia teria direito a uma quantia milionária em indenização, mas a verdade é que isso nunca nos passou pela cabeça. O que queremos é reconstruir o vínculo com nossa irmã e, de alguma forma, oferecer respostas ao sofrimento de nossa mãe, que morreu procurando por ela”, emociona-se Marta.

A campanha tem sido um sucesso, com diversas pessoas ao redor do mundo se engajando. No Brasil, vários artistas estão gravando vídeos e diariamente aumentam as demonstrações de solidariedade.

Queremos que Sônia tenha direito a uma vida digna, que possa compartilhar seu tempo conosco se assim desejar, e que as pessoas responsáveis por mantê-la em condições análogas à escravidão paguem por esse crime”, conclui Marta.

A Regional e o Comitê Latino-Americano de Mulheres da UITA (Clamu) estão engajados nesta campanha através de suas redes sociais.

A gente se uniu porque o direito a uma vida livre e digna é um direito humano básico, e Sonia é uma irmã de classe, uma trabalhadora.

Junte-se à campanha, grave um vídeo dizendo “SoniaLivre” e mencione sua cidade e país.

Publique nas redes sociais usando as hashtags #Sonialivre #Sonialivreoficial #Sonialivreglobal

Marque os perfis @Sonialivreoficial @reluita @regionallatinoamericanauita na publicação.

Sua participação é fundamental para que nossa luta tenha resultados. Faça com que este caso chegue ao maior número de pessoas possível.

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Foto: Família de Jesus (arquivo pessoal)
www.rel-uita.org/br/

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