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/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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‘País tem Constituição garantidora de direitos, mas déficit em sua aplicabilidade’

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Segundo Ayres Britto, ‘não padecemos de déficit de qualidade normativa-constitucional, mas sim de déficit de interpretação e aplicabilidade’

“Podemos dizer que somos, no Brasil, um povo juridicamente primeiro-mundista. Não padecemos de déficit de qualidade normativa-constitucional, mas sim de déficit de interpretação e aplicabilidade.” A afirmação foi feita pelo ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, que participou do webinar sobre 200 anos de constitucionalismo brasileiro, promovido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) no último dia 21. O encontro celebrou o aniversário de dois séculos desde a promulgação da primeira Constituição, em 1824.

Ayres Britto destacou que o texto constitucional vigente representa um salto qualitativo nas normas do país: “Ela é a lei das leis, a Carta Magna dos direitos e garantias fundamentais da nossa identidade e da nossa personalidade individual e coletiva”.

O tema da efetivação dos direitos sociais também foi comentado pela doutora em Direito do Estado pela PUC-SP Marina Faraco, que participou do painel Direitos fundamentais e jurisdição brasileira. Ela apontou que o Poder Judiciário pode, aos olhos da Constituição de 1988, se manifestar sobre questões que envolvam políticas públicas. Faraco explicou que o texto constitucional prevê que garantias sociais sejam desenvolvidas por meio de leis criadas pelo Legislativo e concretizadas pelo Executivo, mas muitas vezes tais normas não são postas em prática por falta de verba.

No entanto, a palestrante afirmou que o Poder Judiciário pode intervir para garantir a efetivação de direitos sociais previstos na Constituição: “A criação de políticas públicas e a escolha das questões que devem ser contempladas pelo orçamento público na realização desses direitos são de responsabilidade original do Legislativo e do Executivo. Mas o Judiciário, no que diz respeito a políticas públicas, tem um papel fiscalizador e deve se manifestar e realizar esse controle, para que as diretrizes constitucionais sejam seguidas”.

Em sua fala, o juiz do TJ-RJ Rubens Casara sublinhou que a efetivação dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente pode acabar encontrando obstáculo na tentativa de obtenção de vantagens ou no estabelecimento de outras prioridades. “São esses cálculos de interesse que acabam gerando uma escolha trágica”, comentou o magistrado. Segundo ele, um exemplo desse cenário é o impacto de eventos climáticos no Rio Grande do Sul: “O governador disse que foi avisado dos riscos das chuvas, mas que tinham outras pautas que eram também importantes para o estado. Ou seja, o que ele fez foram cálculos de interesse e essas escolhas não necessariamente seguem os critérios constitucionais”.

Na abertura do evento, o presidente nacional do IAB, Sydney Sanches, destacou que a trajetória político-jurídica do Brasil se relaciona diretamente com o instituto: “Estamos discutindo os 200 anos do nosso constitucionalismo em uma instituição que tem 180 anos. Isso significa dizer que todo o debate envolvendo a organização do Estado brasileiro passou pelo IAB”. O presidente da Comissão de Direito Constitucional do Instituto, Miro Teixeira, deputado federal constituinte, ressaltou que o norte da cidadania de uma nação é pautado em sua Carta Magna. “Vivemos esses 200 anos de constitucionalismo e começamos desse ponto a cidadania brasileira. Esse é um trabalho que não acaba, porque a construção democrática não acaba”, disse o advogado.

O Brasil já teve seis versões diferentes da Carta Magna antes da Constituição Cidadã em vigor no país. A primeira delas foi outorgada pelo imperador dom Pedro I em 25 de março de 1824 e regeu as leis do país por 65 anos: foi a que vigorou por mais tempo, até a Proclamação da República em 1889.

Oito meses depois do Grito da Independência, a primeira Assembleia Constituinte foi instalada em maio de 1823 no Rio de Janeiro. O Parlamento reuniu 84 representantes de 14 províncias para debater as cláusulas da Carta Magna. Seis meses depois, diante da proposta que limitava os poderes do monarca, Pedro I dissolveu a Assembleia e nomeou um Conselho de Estados para elaborar uma Constituição que garantisse plenos poderes a ele.

Com 179 artigos, o texto que passou a valer em 1824 estabeleceu que o Brasil era uma monarquia constitucional, hereditária e representativa. E concedeu ao imperador poderes ilimitados como chefe supremo da nação.

O país adotou como oficial a Religião Católica Apostólica Romana, deixando livres os demais cultos de forma privada. A Constituição assegurou a liberdade de expressão, o direito à propriedade e o fim do foro privilegiado. As eleições seriam indiretas e censitárias. Pessoas pobres, religiosos, mulheres, escravos, indígenas e filhos dependentes economicamente não tinham direito a voto.

Em março de 2017, Ayres Britto disse, em debate sobre o equilíbrio entre os três Poderes, promovido pela Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio-SP), que a crise política pela qual o país passava é um processo de “purgação” e aperfeiçoamento da democracia.

“Essa democracia que, finalmente, não aceita mais escamoteação e que começa a se dar o respeito. Uma democracia que resolveu altivamente sair do armário”, destacou.

“Nesse contexto transicional, a democracia experimenta uma fase de fadiga. Como que por cansaço democrático, a coletividade experimenta uma desagradável sensação de torpor, de desorientação. Uma espécie de desalento, de descrédito”, afirmou. Ele disse que acredita que o processo político atual, com denúncias de corrupção vindo a público constantemente, é um período de transição importante para o amadurecimento político do Brasil.

Um dos principais elementos que catalisam essa mudança é, segundo Ayres Britto, a liberdade de atuação dos veículos de comunicação. “A plenitude de liberdade da imprensa está desaguando nesse tipo ideal turbinado de cidadania. Tudo vem a lume, transparência. Estamos excomungando a cultura do bastidor. É por isso que a crise está sendo tão conhecida, tão estudada, debatida, desnudada”, ressaltou .

Para o ex-ministro, existem ainda resistências dos setores da sociedade que se beneficiavam da corrupção. “A velha ordem, autoritária, corporativa, corrupta, perdulária de recursos públicos… é teimosa, malandra, insidiosa, resistente e não joga a toalha.”

www..brasilpopular.com/Monitor Mercantil com informações da Agência Brasil

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