Em 10 anos, disparos de armas de fogo mataram 4 vezes mais negros que brancos no Brasil, diz pesquisa
Instituto analisou 188 mil mortes violentas registradas entre 2012 e 2022; quase 150 mil foram de homens pretos e pardos. Dados de internações e agressões também evidenciam diferença.
Entre 2012 e 2022, quase 150 mil homens negros – pretos e pardos – morreram devido a ferimento por arma de fogo. O número é quatro vezes maior que o de homens brancos mortos no mesmo cenário.
Os dados são do Boletim Saúde da População Negra, projeto do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e do Instituto Çarê. O estudo, obtido com exclusividade pela TV Globo, tem o objetivo de subsidiar pesquisas sobre a saúde da população negra.
“Evidências acadêmicas pautam o reconhecimento das desigualdades estruturais e históricas e revelam uma maior vulnerabilidade da população negra às agressões, manifestando-se em indicadores de saúde desfavoráveis e ressaltando a necessidade premente de políticas públicas e intervenções em saúde direcionadas”, argumentam Rony Coelho e Manuel Mahoche, autores da pesquisa.
“As disparidades enfrentadas pela população negra em contextos de violência e saúde são profundas e multifacetadas, demandando uma resposta que transcende a assistência à saúde e abarca educação, habitação, segurança pública e justiça social, visando à construção de uma sociedade genuinamente equitativa”, afirmam.
O que o estudo concluiu?
O boletim mostra que, de 2012 a 2022, 149,7 mil homens negros morreram por consequência de disparo de arma de fogo em via pública, frente a 38,2 mil homens brancos. A diferença é de quase quatro vezes.
Veja no gráfico, ano a ano:
O estudo aponta que as taxas de mortalidade de homens negros são “significativamente mais altas em comparação as de homens brancos” na faixa etária de 18 a 24 anos.
A partir dos 45 anos, a discrepância se reduz e há um padrão mais homogêneo quando comparadas as duas categorias.
No período, o ano que registrou mais homicídios de negros nessas circunstâncias foi 2017: 17,6 mil mortes, contra 4,1 mil homens brancos assassinados.
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Em 2017, também ocorreu o pico da média mensal de mortes por agressão – que inclui, além de arma de fogo, ferimento por faca, violência física entre outros.
Na média mensal, as vítimas foram 4 mil negros contra 1,1 mil brancos. No último ano da série, 2022, os números são 2,7 mil registros de negros e 747 de homens brancos.
“Analisando as razões das taxas de internações – um indicador para quantas vezes mais um grupo racial sofreu em relação a outro –, Pará, Roraima e Pernambuco são os que têm as maiores razões, o que indica que o número de vezes que negros são internados por agressão a mais do que brancos nesses estados é bastante alto”, diz o estudo.
Segundo o boletim, a média mensal das internações de homens negros por ferimento de arma de fogo, em 2017, foi de 747, o triplo das ocorrências em 2012. Em 2022, a média caiu para 580, indicando mais de uma internação por dia de homens negros.
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Disparidade também entre mulheres
A pesquisa concluiu que, de 2012 a 2022, 13,6 mil mulheres negras morreram em decorrência de disparo de arma de fogo.
No período, o registro foi de 5,5 mil óbitos de mulheres brancas por essa razão.
“No cenário geral, homens e mulheres negras apresentam mais incidência de internações por agressões ao longo da série histórica do que seus congêneres brancos. Destaca-se ainda que homens negros internam mais por disparo de arma de fogo, ao passo que mulheres negras internam mais por agressões envolvendo objetos cortantes, penetrantes ou contundentes”, explica o documento.
Foram documentadas internações de 10,3 mil mulheres negras, nesses onze anos considerados pela pesquisa, devido à agressão por objetos cortantes ou penetrantes, como facas. O total de 4,6 mil mulheres brancas foram internadas pelo mesmo motivo.
Os dados analisados
O levantamento considera os registros médicos de agressão, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID), que levaram à internação ou à morte do paciente.
De 2012 a 2022, o Sistema de Informações Hospitalares (SIH) computou 601 mil internações desse tipo – média de 52 mil por ano.
No mesmo período, o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) registrou 566.642 mortes. Os principais casos são ferimento por arma de fogo, objeto cortante e agressão física.
O boletim é feito com base na razão entre o número de internações ou óbitos e o número de habitantes brancos e negros.
O estudo destaca que, de 2012 a 2022, houve crescimento do número de prontuários que informa raça/cor. De acordo com a pesquisa, a melhora no detalhamento pode impactar no aumento de internações de negros nesses casos.
“No final de 2012, a proporção de dados ‘sem informação’ para o quesito raça/cor era de cerca de 60% na média móvel de 12 meses. No final de 2022, essa proporção caiu para 23%. Assim, é preciso considerar que o aumento das taxas de internações entre a população negra não permite concluir, por si só, que tal crescimento reflete um aumento real das agressões nesse grupo. A melhora na qualidade dos dados coletados e registrados pelo sistema de informação podem estar, ao menos em parte, contribuindo para explicar esse aumento”, explica o boletim.
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