Para Terceira Turma do TST, medida é abuso do poder diretivo e viola normas de saúde e segurança do trabalho
O controle e a apropriação do tempo do trabalhador está na origem das contradições e da luta de classes entre capital e trabalho. Esta verdade transparece na tentativa de restringir até o tempo que os assalariados usam para ir ao banheiro em função de necessidades fisiológicas inadiáveis, tempo que é subtraído do tempo de trabalho no processo de produção e do que Karl Marx chamou de “tempo de trabalho excedente”, em outras palavras, a famosa mais-valia (ou mais-valor) da qual o capitalista se apropria na forma final de lucro. A prática foi considerada ilegal pelo TST, conforme fica claro na matéria reproduzida abaixo.
Em julgamento realizado na quarta-feira (10), a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reprovou a conduta ilegal de algumas empresas de vincularem a ida de trabalhadores ao banheiro a cálculo do Prêmio de Incentivo Variável (PIV), sistema de remuneração variável vinculado ao atendimento de metas. A discussão ocorreu no julgamento do recurso de uma teleatendente da Telefônica Brasil S.A, de Araucária – PR, indenizada em R$ 10 mil por dano moral. Para o relator, ministro Alberto Balazeiro, a prática representa abuso de poder e ofende a dignidade da trabalhadora.
Pressão
Na ação trabalhista ajuizada em novembro de 2020 contra a Telefônica, a teleatendente disse que seu supervisor controlava “firmemente” as pausas para idas ao banheiro e que elas afetavam o cálculo do prêmio.
Ela argumentou que, pelo fato de o Prêmio de Incentivo Variável ser vinculado à produção dos subordinados, havia constrangimento para manutenção da produtividade. Ainda de acordo com a teleatendente, o sistema da empresa indica, em tempo real, as pausas feitas, também sinalizando, imediatamente, o chamado “estouro de pausa”, informado à equipe por meio de relatórios.
Telefônica
Em contestação, a Telefônica qualificou como inverídicas as alegações da atendente. Disse que sempre tratou a ela e a toda a equipe com profissionalismo e polidez e que “não há controle de tempo na utilização do banheiro, mas, evidentemente, há uma organização mínima do trabalho a fim de garantir o atendimento ao cliente”.
A defesa ainda afirmou que o tempo gasto no banheiro pela empregada jamais foi considerado para fins de pagamento da parcela variável ou como forma de pressão para o atingimento de metas. “O fato de a variável do supervisor receber influência da atuação de sua equipe, por si só, não comprova a ocorrência de dano moral ou que os limites do poder diretivo foram extrapolados”, alegou a empresa.
Sentença
A 16ª Vara do Trabalho de Curitiba (PR) negou o pedido de indenização por danos morais. Para o juízo de 1º grau, pela prova oral, não ficou evidenciado o assédio. “Não havendo comprovação de que havia excessos na cobrança de metas por parte da reclamada, tampouco houvesse praticado assédio moral, não há que se falar em responsabilidade civil da ré”, diz a sentença.
Falta de provas
O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, apesar de acolher a tese de que as idas ao banheiro afetavam “indiretamente” o PIV, manteve a decisão e declarou que não havia repercussão negativa na avaliação funcional da atendente ou no pagamento de salários.
Para o TRT-9, não houve prova de proibição para que a empregada fizesse suas necessidades fisiológicas além das pausas previstas. “A própria autora informou em seu depoimento que podia ir ao banheiro”, ressalta a decisão.
Ilegal
Entretanto, no julgamento do recurso de revista, nessa quarta-feira (10), a Terceira Turma do TST reformou a decisão. Para o relator, ministro Alberto Balazeiro, o acórdão do regional indica que a empregada não era proibida de se ausentar do posto de trabalho fora das pausas pré-determinadas, mas esse período impactava indiretamente o PIV, já que o prêmio considerava o tempo efetivamente despendido na jornada de trabalho.
Conforme o ministro, essa vinculação é considerada abuso do poder diretivo, passível de indenização por danos morais, pois o trabalhador não tem como programar idas ao banheiro. O tema, disse ele, se trata de normas de saúde e segurança do trabalho.
No julgamento, salientou que a conduta reiterada das empresas em relacionar as idas ao banheiro ao cálculo do PIV tem gerado grande quantidade de processos sobre a matéria. “A cláusula é manifestamente ilegal. Não pode haver vinculação da remuneração com a ida ao banheiro”.
O voto do ministro foi seguido por unanimidade pela Turma.
A Telefônica ainda pode recorrer contra a decisão.
Processo: TST-RR-992-38.2020.5.09.0016
www.ctb.org.br /Ricardo Reis/GS, Secretaria de Comunicação Social do Tribunal Superior do Trabalho