Nos tribunais estaduais, foram identificados 76,6 mil processos relacionados ao tema, sendo que 29,5 mil deles envolvem intolerância religiosa.
Um recente levantamento realizado pela startup JusRacial revelou que a intolerância religiosa representa aproximadamente um terço (33%) dos processos por racismo em tramitação nos tribunais brasileiros. A pesquisa identificou um total de 176 mil processos por racismo em todo o país.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), a intolerância religiosa corresponde a 43% dos 1,9 mil processos de racismo em andamento na corte, segundo o levantamento. Nos tribunais estaduais, foram identificados 76,6 mil processos relacionados ao tema, sendo que 29,5 mil deles envolvem intolerância religiosa.
Destaca-se que o Tribunal de Justiça de São Paulo lidera em número de casos de racismo religioso, com quase 6,5 mil processos. Por outro lado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais lidera em casos gerais de racismo, totalizando 14,1 mil processos, dos quais 6,3 mil envolvem a espiritualidade de matriz africana. Os tribunais regionais do trabalho reúnem 19,7 mil processos relacionados à intolerância religiosa.
O levantamento destaca casos emblemáticos de intolerância religiosa, como o da vendedora Juliana Arcanjo, que perdeu a guarda da filha após levá-la para receber iniciação no candomblé. Mesmo sendo absolvida das acusações, Juliana enfrenta a ausência de visitas à filha há quase três anos. Casos como esse evidenciam a persistência do preconceito, especialmente contra as religiões de matriz africana.
Jurimetria afirmativa
Um recente levantamento conduzido pelo Jusracial revelou um notável aumento de 17.000% no número de processos judiciais relacionados a racismo, incluindo casos de intolerância religiosa, nos últimos 14 anos. Em 2009, apenas mil processos estavam em tramitação na Justiça comum e trabalhista, demonstrando uma significativa mudança no cenário judicial brasileiro.
A trajetória do Jusracial na área da jurimetria teve início em 1997, quando a organização, atuando em nome de uma ONG negra da qual foi um dos fundadores, enviou cartas para os 27 tribunais estaduais do país. O objetivo era obter informações sobre processos relacionados ao “preconceito racial” no período de 1951 a 1988. Naquela época, localizar nove julgados demandou meses de esforço, refletindo a escassez de dados sobre o tema.
A pesquisa mais recente, concluída no último mês, identificou cerca de 176.000 processos em tramitação em todos os ramos da Justiça, inclusive nos tribunais superiores. A base de dados foi prospectada no repositório do Jusbrasil e extraída por meio de pesquisa direta nos sites dos tribunais, abrangendo processos julgados e em andamento em diferentes instâncias.
O levantamento abrange a combinação de palavras-chave relacionadas a ilícitos raciais e religiosos, em conformidade com o regramento civil, trabalhista e criminal. Desde 2003, o STF qualifica a discriminação religiosa como uma espécie do gênero racismo, e desde 2019, homofobia e transfobia foram catalogadas como modalidades de crime de racismo.
Em 2021, a Corte Suprema deliberou que ofensas verbais motivadas por homofobia ou transfobia configuram injúria racial. O Dr. Paulo Lotti, conselheiro do Jusracial, teve a honra de dividir a tribuna do STF nessa ocasião.
O Jusracial destaca que as tabelas divulgadas, ainda em estado bruto, serão exploradas em análises jurimétricas abrangentes para identificar tendências, invariantes e recorrências em processos cíveis, trabalhistas e criminais. O objetivo é fortalecer o trabalho da advocacia e contribuir para o aprimoramento da administração da Justiça.
Apesar de os 176.000 processos representarem apenas uma fração ínfima dos casos de violações de direitos enfrentados diariamente pela população negra e adeptos das religiões afro-brasileiras, o aumento exponencial na judicialização indica uma crescente confiança das vítimas no Poder Judiciário.
A análise também destaca a disparidade entre os registros policiais e os processos judiciais sobre intolerância religiosa. Enquanto a Polícia Civil do Rio de Janeiro registrou cerca de 6.700 crimes associados à intolerância religiosa entre 2015 e 2019, apenas cerca de 1.500 processos sobre o tema estavam em tramitação no Tribunal de Justiça do estado em 2023.
A alta taxa de subnotificação desses crimes levanta questões sobre a “porta de entrada do sistema penal”. Além disso, o elevado número de ações trabalhistas suscita interesse na aplicação das normas da Convenção 111 da OIT, que desoneram o empregado da produção de prova de dolo ou culpa. Essas normativas, em vigor desde os anos 60, têm o potencial de facilitar o acesso à reparação, igualdade e justiça para as vítimas. O Jusracial continuará explorando esses dados para contribuir para um sistema judiciário mais eficiente e igualitário.
www.vermelho.org.br/Cezar Xavier