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/ quinta-feira, novembro 21, 2024
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Starbucks: fazendas de café certificadas são flagradas com trabalho escravo e infantil em Minas Gerais

Fazendas no Brasil são origem de parte do café usado pela rede de cafeterias americana, que afirma comprar 3% do grão produzido no mundo.
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Investigação exclusiva revela casos de descontos ilegais em salários e falta de banheiro e equipamentos de proteção em propriedades que ostentam o selo de ‘aquisição ética’ da multinacional. Representantes dos trabalhadores apontam falhas em auditorias

Maior e mais famosa rede de cafeterias do mundo, com 35 mil pontos de venda em 83 países, a Starbucks não é capaz de assegurar que o café vendido em suas lojas não esteja associado a graves delitos trabalhistas e de direitos humanos, como baixos salários, comida fria aos safristas, alojamentos inadequados, insegurança laboral, trabalho infantil e até trabalho escravo.

Ao menos quatro propriedades foram palco de problemas assim enquanto ainda eram fornecedoras da multinacional americana. Os casos são retratados no relatório “Por trás do café da Starbucks”, publicado pela Repórter Brasil (disponível em português e em inglês).

O documento mostra que fazendas de café em Minas Gerais onde a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego flagrou violações trabalhistas possuem – ou possuíram até recentemente – o selo C.A.F.E. Practices, sigla para Coffee and Farmer Equity, o programa de certificação que, segundo a Starbucks, avalia fornecedores em mais de 200 indicadores ligados à transparência, qualidade, responsabilidade social e ambiental. É mais uma situação que expõe as limitações do mercado certificador.

“Independente da certificadora, o modelo é frágil, pouco transparente. Todos os anos mostramos casos de fazendas certificadas com trabalhadores sem registro, que não recebem férias, 13º”, observa o coordenador da Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (Adere), Jorge Ferreira dos Santos Filho.

As irregularidades trabalhistas no setor não se resumem à cadeia de fornecimento da Starbucks. A Repórter Brasil já mostrou problemas semelhantes entre fornecedores da Nestlé, McDonald’s e outras grandes empresas compradoras de grãos.

Em 2022, o cultivo de café foi um dos cinco setores com maior volume de denúncias de exploração de trabalhadores no Brasil. Ao todo, 39 propriedades de café foram fiscalizadas e 159 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão.

Safrista resgatado tinha 15 anos

Um dos casos destacados é o da Fazenda Mesas, em Campos Altos, onde 17 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em agosto de 2022. No grupo havia um adolescente de 15 anos e outros dois jovens de 16 e 17 anos.

O trabalho exposto ao sol ou à chuva e que exige manuseio de cargas pesadas – a saca de café pesa 60 quilos – está enquadrado na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil e é proibido para jovens de 16 a 18 anos. Já o trabalho de menores de 16 é proibido em qualquer circunstância, com exceção da categoria aprendiz, com requisitos como frequência escolar e tutoria.

A Mesas é administrada por Guilherme de Oliveira Lemos, que também comanda a Fazenda Ourizona e a torrefadora Café Ourizona, em Córrego Danta, e a Fazenda Bom Jesus e Pedras, em Santa Rosa da Serra.

O Café Ourizona ostenta o selo C.A.F.E. Practices, da Starbucks. Entrou no programa um mês antes do flagrante de trabalho escravo na Mesas, mostra um post no Instagram de julho de 2022. Além disso, as propriedades são certificadas pela Rainforest Alliance, selo renovado em março deste ano, mesmo após o resgate dos trabalhadores.

Evidências indicam a administração conjunta das propriedades. Trabalhadores da Fazenda Mesas que estavam na informalidade tiveram suas carteiras registradas em nome da Ourizona depois da operação dos auditores fiscais do Trabalho.

Conforme o relatório de fiscalização, o empregador não fornecia nem as ferramentas básicas para a colheita, como rastelo, bolsa e pano para armazenar grãos. Uma trabalhadora contou que precisava comprar luva nova a cada quatro dias para proteger as mãos ao colher os grãos. Os R$ 5 por luva saíam de seu bolso, assim como o valor do chapéu, de botinas, da comida e do alojamento – tudo em desacordo com as leis trabalhistas.

Na lavoura não havia local montado para o almoço. No chão ou dentro de um ônibus, trabalhadores consumiam uma comida fria ou aquecida numa lata com álcool. Sem banheiro químico, as necessidades eram feitas no mato ou no cafezal.

Por meio de seu advogado, Lemos afirmou que não responderia à reportagem. A Starbucks admitiu que a Mesas é certificada, mas não explicou se será suspensa. “Nossos registros não mostram queixas trabalhistas ativas, litígios ou reclamações abertas contra Guilherme de Oliveira Lemos”, afirmou a empresa. A Rainforest Alliance confirmou a certificação e informou que duas auditorias foram feitas no local. “De acordo com os relatórios da Entidade Certificadora enviados à Rainforest Alliance para a auditoria de maio de 2023, não havia informações sobre essas inspeções em agosto de 2022”, alegou. Leia a íntegra das respostas aqui.

‘Erro do RH’

Outro caso de adolescente trabalhando irregularmente é o da Fazenda Cedro-Chapadão, em Ilicínea, administrada juntamente com a Fazenda Conquista por Sebastião Aluísio de Sales, esposa e filhos.

Em julho de 2022, um jovem de 17 anos foi resgatado de condições análogas à escravidão nos cafezais da família. Ele e outros 25 haviam saído de Irecê (BA), a 1.500 quilômetros de distância, para colher café nas duas fazendas. A fiscalização identificou outras 11 violações trabalhistas.

Selos de certificação e placas de “Atenção” não foram suficientes para prevenir irregularidades trabalhistas em fazendas do grupo Cedro-Chapadão, em Ilicínea (MG)

Segundo Rodrigo Sales, filho de Sebastião, a contratação do jovem de “17 anos e 9 meses” ocorreu por “erro do nosso departamento contábil de RH [Recursos Humanos]”. Documentos acessados pela fiscalização trabalhista apontam que outro adolescente, de 16 anos, havia sido contratado para colher café naquele ano.

O resgate do jovem ocorreu na Fazenda Conquista e não na Cedro, que tem o selo C.A.F.E. Practices. Mas as práticas eram as mesmas nas duas propriedades, e os trabalhadores também haviam sido contratados para atuar na Cedro. “As Fazendas Reunidas Cedro-Chapadão são um grupo, portanto a administração é feita de forma conjunta, os trabalhadores safristas estão cientes do cronograma de trabalho para colheita, que se inicia na Fazenda Conquista e segue para as demais fazendas conforme a maturação do café”, admitiu Rodrigo Sales.

A fiscalização diz que o empregador não disponibilizava água potável e equipamentos de proteção, como luvas, chapéus e botas. No alojamento não havia roupas de cama, armários nem local apropriado para refeição. O grupo ainda precisou pagar pelas passagens de ônibus desde Irecê, o que era obrigação do contratante. Em depoimento, o jovem resgatado disse que lhe foram descontados R$ 400 da passagem, além de despesas de alimentação.

Sebastião Sales pagou cerca de R$ 6 mil em rescisões e danos morais. Rodrigo Sales se defende: “As Fazendas Reunidas Cedro-Chapadão jamais submeteram qualquer trabalhador a condições degradantes, trabalho forçado ou condições análogas à escravidão”. Segundo ele, a Cedro foi certificada pela C.A.F.E. Practices em 2021, mas só participou do programa em 2022 e não houve comercialização com a Starbucks no período. Já a multinacional se limitou a dizer que a propriedade não está mais ativa no programa, sem informar quando saiu e o porquê. Leia a íntegra dos esclarecimentos aqui.

Reincidentes

Também detentora do C.A.F.E. Practices, a empresa familiar Bernardes Estate Coffee, dona de duas fazendas em Patrocínio, é reincidente em violações.

Em 2019 foram nove multas por não oferecer equipamentos de proteção individual (EPIs) nem material para primeiros socorros gratuitos, não fornecer papel higiênico, nem chuveiros em quantidade suficiente, não garantir local adequado para refeições e tampouco uma caixa d’água protegida contra contaminação. Três anos depois, José Eduardo Bernardes foi autuado por 16 infrações, entre elas não possuir os recibos de pagamento de empregados, não oferecer treinamentos exigidos por lei e não garantir banheiros na frente de trabalho.

Repórter Brasil esteve na fazenda neste ano e testemunhou a repetição de problemas. Constatou que nem todos utilizavam EPIs. Trabalhadores relatam que são recrutados em cidades distantes, mas o contrato só é assinado quando chegam, estratégia usada para burlar o pagamento do transporte. Contam também que os patrões cobram aluguel dos que se hospedam num alojamento da família.

Colheita na Bernardes Estate Coffee, em Patrocínio (MG). Trabalhadores colhem o café, jogam os frutos na lona, separam os galhos e enchem sacos de 60 kg

A Bernardes Estate Coffee não respondeu às perguntas enviadas por e-mail. A Starbucks confirmou que a empresa é certificada, disse que passa por investigações, mas se negou a compartilhar detalhes. Leia a íntegra.

Outro caso de reincidência é o do produtor Carlos Augusto Rodrigues de Melo, presidente da Cooxupé, maior cooperativa de cafeicultores do país e principal fornecedora da Starbucks, segundo dados de exportações acessados pela Repórter Brasil. Propriedades da família Melo foram autuadas por descumprimento de regras trabalhistas em 2021 e em 2022.

Em 2021, uma fiscalização constatou descontos ilegais em salários para aquisição de máquinas derriçadeiras e combustível para a colheita na Fazenda Pedreira, em Cabo Verde (MG). No ano seguinte, outra fazenda da família, a Palmital, recebeu 16 autos de infração por não pagar direitos trabalhistas, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a multa de 40% em demissão sem justa causa.

Os problemas persistem. Neste ano, a Repórter Brasil encontrou no local trabalhadores provenientes do Vale do Jequitinhonha, norte de Minas, que dizem trabalhar nas lavouras por falta de outras oportunidades. “Gostar, a gente não gosta, mas a necessidade faz o trabalho ficar maravilhoso”, afirmou um rapaz de 24 anos que já tinha perdido dez quilos em um mês.

O aspecto dos pequenos alojamentos (quarto, cozinha e banheiro) denota descuido com a limpeza. A reportagem constatou paredes de banheiro encardidas do chão ao teto. Não há área para refeições, preparadas em um fogão de duas bocas comprado pelos trabalhadores. Os empregados dizem que o gás de cozinha também sai do bolso deles, assim como cobertores e travesseiros, o que contraria a lei. A água de consumo e de banho é armazenada em um antigo tanque de combustível.

Em nota, a Fazenda Pedreira se limitou a dizer que “cumpre a legislação trabalhista” e que segue “as determinações exigidas para obtenção de certificações internacionais”. A propriedade não negou relação com a Starbucks, mas não esclareceu quando foi certificada. A Starbucks afirmou que o selo da Pedreira está “expirado”, sem informar quando isso ocorreu. Já a Cooxupé afirmou que garante a rastreabilidade de seus produtos e que respeita normas ambientais, sociais e legais. Todos os esclarecimentos podem ser lidos, na íntegra, aqui.

Sem surpresa

As violações ocorrem num setor que está em quarto lugar em receita no ranking de receita da balança comercial do Brasil. Em 2022, foram 52,8 milhões de sacas colhidas, o que garante ao país o posto de maior exportador mundial do produto. Na ponta da cadeia, a Starbucks Corporation, que compra cerca de 3% do café produzido no mundo, registrou lucro líquido de US$ 3,2 bilhões em 2022.

Nesse cenário, não há “desculpas” para não garantir a contratação formal de safristas e seus direitos trabalhistas, diz Gustavo Ferroni, da Oxfam Brasil: “Isso não depende de uma articulação de políticas públicas, mas do próprio setor”.

Em 2020, a organização calculou em 41% a lacuna entre o salário médio nas lavouras em Minas e um salário digno, que é aquele capaz de contemplar gastos com alimentação, moradia, educação, saúde, vestuário e outras necessidades essenciais, conforme parâmetros da Global Living Wage Coalition (Coalizão Global de Salário de Bem Estar).

Para Ferroni, a C.A.F.E. Practices seria mais efetiva se inspeções ocorressem durante a safra, se as auditorias fossem verdadeiramente surpresas (as visitas são avisadas com antecedência) e se houvesse diálogo com atores de fora das fazendas, como sindicalistas.

A opinião é compartilhada por Jorge Ferreira dos Santos Filho, coordenador da Adere. “Se os produtores são avisados que a fazenda será auditada, não existe auditoria-surpresa”, conclui o representante dos trabalhadores. Informações: Repórter Brasil.

www.ctb.org.br

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