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/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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Há um abismo de desigualdade de gênero nas tarefas domésticas no Brasil

EBC - Há profunda desigualdade de gênero na realização de tarefas domésticas; sobrecarga feminina foi tema da redação do Enem 2023
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Tema da redação do Enem 2023 foi objeto de estudo do IPEA e mostra disparidades profundas na realização de atividades para o cuidado da casa e dos filhos entre homens e mulheres

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023, que ocorre neste domingo (5) em todo o Brasil, foi divulgado pelo ministro da Educação, Camilo Santana, em um vídeo veiculado pelas redes sociais.

Os participantes deverão discorrer sobre “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, respeitando os critérios disponibilizados no portal do Inep e na Cartilha de Redação do Enem 2023″, diz o Inep nas redes.

O assunto que é o tema da redação do Enem 2023 foi objeto de um estudo produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgado no início de outubro passado e que trouxe à tona a persistente desigualdade de gênero no que diz respeito às tarefas domésticas e aos cuidados não remunerados no Brasil.

Os resultados revelam que as mulheres no país assumem uma carga significativamente maior de trabalho doméstico em comparação aos homens.

De acordo com a pesquisa intitulada “Gênero é o que importa: determinantes do trabalho doméstico não remunerado no Brasil”, o simples fato de ser mulher implica em um acréscimo de 11 horas semanais de trabalho doméstico e cuidados não remunerados. Esse fardo é ampliado quando há presença de filhos na equação, aumentando ainda mais o tempo dedicado a múltiplas atividades.

O estudo examina como diversos fatores, incluindo a posição ao longo da vida, a disponibilidade de tempo, os recursos familiares e as normas de gênero, influenciam as desigualdades de gênero no trabalho reprodutivo entre casais brasileiros.

Impacto das crianças

Uma das descobertas destacadas é que o impacto das crianças pequenas nas responsabilidades reprodutivas das mulheres é o dobro do que afeta os homens, embora esse impacto diminua à medida que as crianças crescem.

No entanto, a presença de filhas adolescentes parece aliviar a carga de trabalho das mães, enquanto filhos adolescentes não apresentam o mesmo efeito positivo nas responsabilidades dos pais.

A pesquisa também observa que a presença de outros adultos no domicílio, especialmente se forem mulheres, reduz o trabalho doméstico dos homens. Além disso, a presença de idosos com 80 anos ou mais aumenta a carga de trabalho reprodutivo das mulheres, mas não tem efeito significativo sobre os homens.

Fator da idade

A idade também desempenha um papel nas jornadas reprodutivas, embora com efeitos leves. Homens mais jovens tendem a gastar mais tempo em trabalho não remunerado, mas isso não altera drasticamente a divisão tradicional de gênero nas tarefas domésticas.

Além disso, a pesquisa revela que a disparidade de renda entre parceiros em um relacionamento afeta a distribuição de tarefas. Mulheres que ganham mais tendem a assumir mais responsabilidades domésticas, enquanto homens com menor renda tendem a reduzir sua participação nas tarefas domésticas.

Papel da educação

A educação também influencia na divisão de tarefas, com mulheres mais educadas dedicando menos tempo às tarefas domésticas e homens mais educados aumentando seu envolvimento. Valores tradicionais de gênero ainda desempenham um papel importante na alocação de tempo nas tarefas reprodutivas.

Os resultados enfatizam a necessidade contínua de abordar as desigualdades de gênero no trabalho doméstico e nos cuidados não remunerados no Brasil, buscando uma distribuição mais justa das responsabilidades entre homens e mulheres.

Parcela do PIB

O trabalho não remunerado de cozinhar, limpar a casa, cuidar de crianças e idosos, mais frequentemente realizado por mulheres, representa de 10% a 39% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países, de acordo com dados da ONU Mulheres.

Ao realizar as tarefas domésticas, um trabalho não remunerado, as mulheres dão uma enorme contribuição econômica que permite suprir as necessidades em matéria de serviços. Então, qual a razão desse trabalho não ser divido nem contabilizado?

Segundo essa agência das Nações Unidas que se dedica à questão feminina, o trabalho doméstico não remunerado pode ter mais peso na economia de um país do que a indústria manufatureira ou o comércio.

O trabalho de cuidado não remunerado e o trabalho doméstico suprem carências em matéria de serviços públicos e infraestrutura, e são realizados majoritariamente por mulheres. São uma carga e uma barreira injustas para a igualdade de participação no mercado de trabalho e na igualdade de remuneração.

Segundo a organização, é necessário adotar políticas que permitam reduzir e redistribuir o trabalho doméstico não remunerado, por exemplo, mediante o aumento de empregos remunerados na economia de cuidado e incentivar os homens a dividir o trabalho de cuidado e o trabalho doméstico

Parentalidade e a política

Um dos aspectos do fardo feminino sobre tarefas domésticas e cuidados com a casa e os filhos é a necessidade de debater, no ambiente político, sobre parentalidade.

Parentalidade é um termo científico para o que podemos chamar de cuidado. É o vínculo socioafetivo, maternal, paternal, de adoção ou qualquer outro que resulte na responsabilidade de realizar a atividade parental, ou seja, de cuidar, que consiste no conjunto de atividades desempenhadas pelas pessoas de referência da criança ou do adolescente para assegurar sua sobrevivência e pleno desenvolvimento.

Na sociedade capitalista na qual vivemos, “a divisão sexual do trabalho confinou as mulheres ao trabalho reprodutivo”, ensina Silvia Federici na sua obra “Calibã e a Bruxa – mulheres, corpo e acumulação primitiva”.

O fato de nós, mulheres, gerarmos filhos, acaba colocando sobre nossos ombros a responsabilidade pelo cuidado. Com raras exceções.

O cuidado da vida doméstica está nesse pacote que, ao contrário do que somos criadas a acreditar, não vem de fábrica. É uma construção social. Assim como a definição de que uma família é constituída por pai, mãe e filhos. Um olhar que desconsidera toda uma miríade de formas familiares diversas e que exclui afetos que não se encaixam nesse modelo que não conversa com a realidade.

Para forjar uma nova arquitetura dos espaços políticos para mulheres, sejam ou não mães, precisamos de políticas públicas.

E é justamente este o ponto de um projeto de lei apresentado pelo casal de deputados Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Glauber Braga (PSOL-RJ) o PL 1974/2021, que institui o Estatuto da Parentalidade.

O reconhecimento da parentalidade, assim, toma por princípio o compartilhamento do cuidado atingindo a paridade entre pais e mães e outras pessoas que por essa criança se responsabilizem, garantindo que se construa uma verdadeira rede de apoio comunitário no exercício do cuidado com aqueles que são os mais vulneráveis dessa relação: a criança e o adolescente.

Maternar é trabalho 

Outro tema que exige debate político é o cuidado materno ser considerado como trabalho para fins de aposentadoria. É o que está proposto no PL 2757/2021, de autoria da deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ).

A matéria estabelece a aposentadoria para mulheres com 60 anos de idade ou mais que não completaram o tempo necessário de atuação no mercado para se aposentar por causa da maternidade. O tempo gozado de licença maternidade será computado para fins de aposentadoria. A iniciativa altera a Lei nº 8.213/1991, que trata dos Planos de Benefícios da Previdência Social.

Em julho de 2021, em uma decisão histórica, a Argentina instituiu um novo marco para os direitos das mulheres no país: o decreto que reconhece o direito à aposentadoria das mães que dedicam suas vidas aos cuidados dos filhos. O benefício se dirige àquelas que estão em idade de aposentadoria e não têm os 30 anos mínimos exigidos de contribuição.

Na Alemanha, o tempo que a mãe dedica ao cuidado dos filhos recém-nascidos, durante a licença-maternidade, também é contado na hora dela se aposentar.

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