Medidas expandem arcabouço legal para defesa da vida
No último dia 29, uma mulher de 22 anos foi estuprada em um bairro de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, após ser encontrada desacordada na rua de casa por um homem já identificado e preso. A vítima voltava de um show no Mineirão e foi deixada próxima à residência por um motorista de aplicativo.
Três dias depois, uma mulher de 46 anos foi morta a tiros pelo ex-marido na Vila Leopoldina, em São Paulo. Ele não teria aceitado o fim do relacionamento e após o assassinato, voltou para casa e atirou contra si, tirando a própria vida.
Os casos são exemplos de ações de violência contra a mulher que cresceram em 2022. No ano passado, o número de feminicídios, assassinatos motivados por razão de gênero, aumentou 5% em comparação com 2021, com 1.410 registros, e atingiu o maior patamar desde que a Lei 13.104/201 foi aprovada durante o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT).
Ao contrário dos casos de feminicídio, o número de assassinatos em geral foi o menor da série histórica do Monitor da Violência e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). A queda de 1% em relação a 2021 aponta para a necessidade de políticas e ações de combate ao machismo e à misoginia no país.
Duas medidas sobre o tema avançaram nesta semana, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou por unanimidade ser inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres.
O julgamento do mérito da matéria, definido nessa terça-feira (1.º), tratava da utilização do argumento de que o assassinato ou a agressão eram aceitáveis quando a conduta da vítima supostamente ferisse a honra do agressor.
A secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Junéia Bastista, aponta como uma aberração esse argumento e cita o caso do assassinato da socialite Ângela Diniz. Ela foi morta 1976 com quatro tiros pelo empresário Raul “Doca” Street. O criminoso alegou ter agido em defesa da hombridade e “matado por amor”.
“Honra de quem? Qual o preço que uma honra tem? Quer dizer que a morte de alguém reestabelece essa honra?”, questiona. “Isso é machismo e, na época, o caso foi considerado como homicídio, porque ainda não tínhamos uma lei contra o feminicídio. Demorou oito anos para o Supremo concordar com uma medida do governo federal”, critica.
Não é não
Também no dia 1.º, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3/23 da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) em parceria com outros 26 congressistas para prevenir o constrangimento e a violência contra a mulher em ambientes nos quais sejam vendidas bebidas alcoólicas, como casas noturnas, boates e casas de espetáculos musicais em locais fechados ou shows.
O protocolo conhecido como “Não é Não”, que agora segue para análise do Senado, estabelece a obrigatoriedade de os estabelecimentos terem ao menos uma pessoa qualificada para prevenir e oferecer apoio a vítimas de constrangimento ou violência de qualquer ordem, física ou verbal, sofrida por mulheres.
“A aprovação desse protocolo irá gerar um alerta e tende a inibir os casos de assédio”, destaca Junéia.
Durante a votação do PL 3/23, a deputada Maria do Rosário apontou a importância de mais uma ferramenta para combater a violência de gênero no país.
“Essa causa é de todas as mulheres e meninas que não aceitam de forma alguma a violência e o constrangimento”, afirmou a parlamentar.
A secretária da Mulher da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Fernanda Lopes, aponta que o texto será um avanço para coibir a vulnerabilidade como justificativa para a violência e destaca a importância de a sociedade ficar atenta ao cumprimento do protocolo.
“Essa história de que o desrespeito e a violência contra a mulher ocorrem nesses locais em decorrência do efeito do álcool é uma falácia, não há desculpas: se a mulher falou ‘não’, é não, e ponto final. Vamos acompanhar sua implementação e sua real funcionalidade”, afirmou.
As regras do Projeto
O texto define quatro princípios para aplicação da medida: respeito ao relato da vítima; a preservação de sua dignidade, honra, intimidade e integridade física e psicológica; celeridade nas ações; e articulação de esforços públicos e privados para a questão.
As casas e estabelecimentos terão também de manter em local visível a informação de como acionar o trabalhador ou trabalhadora indicada para atendimento, além dos telefones da Polícia Militar e da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180).
A medida também cria o selo “Não é Não – Mulheres Seguras” concedido pelo poder público a qualquer estabelecimento comercial que não seja obrigado a cumprir o protocolo, mas que queiram aderir ao compromisso.
www.cut.org.br/Luiz Carvalho e Contraf-CUT