Embora tanto a contribuição assistencial quanto o imposto sindical sejam legítimos e justos, partam do mesmo princípio e ajudem a sustentar o movimento sindical, essas duas modalidades são distintas
A má-fé do conjunto da grande mídia costuma aparecer em bloco. É o que está ocorrendo na cobertura de um recurso extraordinário apresentado pelo Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba (PR) ao STF (Supremo Tribunal Federal).
A entidade reivindica a constitucionalidade das chamadas contribuições assistenciais. Em poucas palavras, trata-se do direito de cada sindicato cobrar de sua base (de sócios e não sócios) uma taxa anual a ser deliberada em assembleia. Como os resultados alcançados em convenções e acordos coletivos valem, por regra, para toda a categoria, nada mais natural que essa taxa também seja compartilhada por todos os trabalhadores.
A cobrança é ainda mais razoável porque os sindicatos de trabalhadores negociam com empresas e entidades patronais de forma estruturada, profissional, qualificada. Numa mesa de negociação mais complexa, há sindicatos que contam com o apoio não apenas de advogados – mas também de contadores, economistas e outros assessores/prestadores de serviço.
Ao pagar a contribuição assistencial e ser recompensado, em contrapartida, com mais direitos e benefícios, o trabalhador tem um excelente custo-benefício. Quando lhe custaria se ele, individualmente, quisesse negociar em condições de igualdade com grandes empresas, multinacionais ou nacionais, públicas ou privadas?
Esta também era a lógica do antigo imposto sindical, que foi atacado com a nefasta reforma trabalhista, de 2017. Mas havia diferenças. O imposto, antes de qualquer coisa, era compulsório, conforme a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). O valor da contribuição também era fixo em termos proporcionais: a cada ano, até 2017, o trabalhador tinha de destinar ao movimento sindical o equivalente de um dia de sua jornada.
A reforma trabalhista não extinguiu sumariamente o imposto sindical, mas retirou sua obrigatoriedade e dificultou formas alternativas de cobrança – o que, na prática, deu na mesma. Ideólogo do desmonte, o ex-presidente Michel Temer (MDB) buscava asfixiar financeiramente o sindicalismo.
O fato é que, embora tanto a contribuição assistencial quanto o imposto sindical sejam legítimos e justos, partam do mesmo princípio e ajudem a sustentar o movimento sindical, essas duas modalidades são distintas. Ao levar o caso ao STF, por meio do Recurso de Embargos de Declaração no ARE 1018459 (tema 935), o Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba fez questão de enfatizar tais diferenças.
Mas a grande mídia sequer precisava se basear na palavra da entidade. Desde que, em 14 de abril, o julgamento do recurso foi retomado pelo STF, a maioria dos ministros a tratar do tema esclarece que a volta do imposto sindical não está em pauta. O julgamento se restringe à contribuição assistencial.
Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso trouxe à baila o esclarecimento. “As contribuições assistenciais não se confundem com a contribuição sindical (também conhecida como ‘imposto sindical’), cuja cobrança deixou de ser obrigatória a partir da Reforma Trabalhista de 2017. Portanto, o julgamento em questão não é capaz de alterar nenhum ponto da Reforma Trabalhista”, declarou Barroso.
“A cobrança das contribuições assistenciais está prevista na CLT desde 1946. Ao contrário da contribuição (ou ‘imposto’) sindical, a sua arrecadação só pode ocorrer para financiar atuações específicas dos sindicatos em negociações coletivas”, agregou o ministro. “Como a jurisprudência do STF, construída ao longo dos últimos anos, passou a conferir maior poder de negociação aos sindicatos, identificou-se uma contradição entre prestigiar a negociação coletiva e, ao mesmo tempo, esvaziar a possibilidade de sua realização, ao impedir que os sindicatos recebam por uma atuação efetiva em favor da categoria profissional”.
Para demarcar as dessemelhanças, Barroso declarou que o trabalhador terá o direito de, individualmente, se opor a contribuir com essa taxa. O ministro vê nessa possibilidade uma “solução intermediária que prestigia a liberdade sindical e, ao mesmo tempo, garante aos sindicatos alguma forma de financiamento”.
Segundo a votar, Gilmar Mendes mudou de posição e se pôs ao lado de Barroso. Ao justificar seu recuo, o ministro afirmou: “Tal entendimento não significa o retorno do ‘imposto sindical’. Trata‐se, ao invés, de mera recomposição do sistema de financiamento dos sindicatos em face da nova realidade normativa inaugurada pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017)”.
A exemplo de Barroso, Mendes frisou que seu voto pressupunha a consulta aos sócios: “A contribuição assistencial (…) somente poderá ser cobrada dos empregados da categoria não sindicalizados se pactuada em acordo ou convenção coletiva e caso os referidos empregados não sindicalizados deixem de exercer o seu direito à oposição”.
Gilmar Mendes fez, ainda, uma defesa mais elaborada da “autonomia financeira do sistema sindical” para justificar seu voto. “Como resultado (da reforma trabalhista), os sindicatos que representam as categorias profissionais, únicos em sua respectiva base territorial, se viram esvaziados. A representação sindical, ausentes os recursos financeiros necessários à sua manutenção, torna‐se apenas nominal, sem relevância prática”, afirmou. “Os trabalhadores, por consequência, perderam acesso a essa essencial instância de deliberação e negociação coletiva frente aos seus empregadores.”
Por que, a despeito dessas ponderações todas, a grande mídia insiste em chamar a taxa assistencial de “contribuição sindical” – ou mesmo diz que é a “recriação” do imposto sindical? O subprocurador-geral do Trabalho Francisco Gérson Marques de Lima, professor da Faculdade de Direito da UFCE (Universidade Federal do Ceará), acusou essa prática em artigo para o site do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar).
De acordo com Francisco, “uma enxurrada de opiniões tem vindo a público, geralmente com manifestações contrárias à possibilidade de cobrança e, frequentemente, confundindo a matéria com o retorno do imposto sindical”. O professor põe em xeque a credibilidade dessas críticas: “Por vezes, o erro e a abordagem são tão crassos que levantam dúvidas se são meros equívocos de seus articulistas ou se estão inseridos na mesma onda da campanha de enfraquecimento dos sindicatos, aquela que ocorreu em 2017 e que induziu o STF a erro”.
No Supremo, ao que tudo indica, haverá correção de rota. Além de Roberto Barroso e Gilmar Mendes, o direito à contribuição assistencial recebeu voto favorável da ministra Cármen Lúcia e dos ministros Edson Fachin e Dias Toffoli. Um sexto membro da Corte, Alexandre de Moraes, pediu vista dos autos. Como o Supremo tem dez membros e o placar está em 5 a 0 pró-recurso, falta apenas um voto para a contribuição assistencial ser efetivamente legalizada e aplicada no sindicalismo brasileiro – apesar da grande mídia.
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