A Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) acaba de aprovar a resolução 76/300 que reconhece o meio ambiente (saudável, limpo e sustentável) como um direito humano. Aprovada por grande número de votos, a resolução reafirma a emergente preocupação global com as pautas socioambientais, fortalecendo essa agenda.
No Brasil, tanto ela como a de direitos humanos são marcadas por contradições. De um lado o país tem um dos biomas mais ricos e diversos do mundo e, por outro lado, foi responsável por 40% do desmatamento global, além de ser o quarto que mais persegue e assassina defensores e defensoras dos direitos humanos e ambientais.
Essa discussão não é recente. O Conselho de Direitos Humanos da ONU vem dialogando e articulando caminhos para o engajamento dos Estados Membros e da sociedade internacional sobre o tema. Um deles é enfatizar como as crises ambientais e climáticas estão associadas a vulnerabilidades socioeconômicas, territoriais e políticas nos países, pressionando os Estados a cooperarem na busca pela justiça climática. Além disso, em 2015, a ONU reconheceu o acesso à água como um direito humano, exemplo extremamente importante da importância de um instrumento que reforce essa relação entre meio ambiente e direitos humanos. Não poder acessar esse recurso essencial fere a dignidade humana, porque leva a condições desumanas e até à morte.
Ainda que a resolução não tenha caráter vinculante (não é obrigatória), ela reforça o progressivo reconhecimento do costume supranacional, uma das fontes do direito internacional, e dialoga com o Direito Internacional do Meio Ambiente, considerado por juristas da área como a terceira geração dos direitos humanos (ao lado dos direitos civis e políticos e econômicos, sociais e culturais).
A Agenda 2030, aprovada pela resolução 70/1 de 2015, ganha destaque neste contexto, uma vez que prevê metas para a saúde humana e do planeta, além de ações de proteção ao planeta, que mitiguem os impactos das transformações ambientais recorrentes. E por ser um compromisso global, destaca a importância de trabalhar a agenda ambiental, de direitos humanos, de integridade e combate à corrupção e do desenvolvimento sustentável de forma interseccional e correlacionada.
Brasil à margem e a reação do STF
Desde a sua posse em 2019, o atual governo brasileiro tem se colocado como aliado das pautas e dos atores não governamentais da ultra-direita anti-ambientalista. Em contraponto, o Supremo Tribunal Federal (STF) sinaliza estar em sintonia com os órgãos internacionais de direitos humanos: consolidando um diálogo com a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), o STF decidiu em 1º de julho, por 10 votos contra e um favorável, que é obrigação do Poder Executivo organizar de forma funcional os recursos do Fundo Clima com o objetivo de garantir a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento dos compromissos assumidos pelo Brasil, internacionalmente.
O Fundo Clima tem grandes recursos financeiros estrangeiros voltados para a proteção da Amazônia, como, por exemplo, o de combate ao desmatamento, justamente o fator que, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), se encontra próximo a um ponto de não-retorno, devido ao seu crescimento progressivo. Assim, a forma como o desmatamento representa hoje um risco para a proteção da floresta Amazônica acaba por requerer medidas de enfrentamento à altura do problema, sendo fundamental relacionar as agendas ambientais com os direitos humanos.
Essa decisão do STF fortalece a relevância de tratados internacionais de meio ambiente no Brasil, equiparando-os aos tratados de direitos humanos, que no país estão acima das leis e abaixo apenas da Constituição Federal, o que significa não poderem ser revogados por leis federais. De acordo com o ministro do STF Luís Roberto Barroso, “tratados sobre direito ambiental constituem espécie do gênero tratados de direitos humanos e desfrutam, por essa razão, de status supranacional”.
À revelia do governo federal, a decisão do STF contribui para a implementação e o respeito aos compromissos globais assumidos e, igualmente, para a proteção de defensores e defensoras dos direitos humanos e ambientais.
www.brasildefato.com.br/Por Barbara Rodrigues de Souza, Gabrielle Lui Santana, Scarlett Rodrigues da Cunha e Gilberto M. A. Rodrigues**O OPEB (Observatório de Política Externa Brasileira) é um núcleo de professores e estudantes de Relações Internacionais da UFABC que analisa de forma crítica a nova inserção internacional brasileira, a partir de 2019.