O aumento do emprego informal, a validade até o fim do ano do novo auxílio de R$ 600, somada a inflação em alta há dez meses, vão corroer o poder de compra das famílias brasileiras
A fome que assola 33 milhões de brasileiros e brasileiras não se erradicará com o aumento de R$ 400 para R$ 600 no valor do Auxílio Brasil, aprovado na semana passada pelo Senado Federal.
O aumento é das umas medidas que constam no texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Nº 01/2022, a chamada PEC do Desespero. No total, a PEC autoriza a elevação dos gastos assistenciais do governo federal, em período eleitoral, em cerca de R$ 41,25 bilhões. A PEC está sendo analisada pela Câmara dos Deputados onde pode ser aprovada ainda esta semana, de forma acelerada e sem debate, como foi a tramitação no Senado.
De acordo análise de Francisco Menezes, consultor da Action Aid, uma organização não governamental de combate à desigualdade social, e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), as medidas contidas na PEC têm uma série de entraves, sendo o maior deles o prazo para acabar com o adicional de R$ 200 no auxílio: 31 de dezembro deste ano, o que deixará sem o reajuste do benefício mais de 18 milhões de pessoas atendidas atualmente. Em janeiro de 2023 o valor volta a ser de R$ 400. Antes dessa decisão do Senado, o governo federal tinha dado o prazo até final do ano.
O consultor entende que além do prazo de pagamento ser curto, a alta da inflação vai corroer o poder de compra dessas famílias. Em um ano, segundo Menezes, a inflação e a não reposição de postos de trabalho perdidos, com aumento do trabalho informal, entre outros fatores, levou 14 milhões de pessoas para a insegurança alimentar grave, em apenas um ano.
Se o governo quisesse realmente atender os mais pobres poderia ter atendido aos pedidos da oposição, de diversas entidades do terceiro setor e dos movimentos sociais que sempre lutaram pelos R$ 600, desde quando foi instituído o Auxílio Emergencial e não a poucos meses da eleição presidencial
Ao marcar uma data de término do auxílio de R$ 600, o governo atende parcialmente essa camada muito vulnerável e joga o problema para o futuro, sem resolver essa questão.
“Vai até dezembro e depois, como o próximo presidente eleito fará para manter o auxílio, se o atual governo vai cobrir os pagamentos com recursos da venda da Eletrobras e outros recursos que se esgotarão?, questiona Menezes.
Além do prazo curto de pagamento, o ex-presidente do Consea enumera outros problemas contidos no Auxílio Brasil que dificultam o acesso dos mais pobres ao benefício.
O recurso poderá ser automaticamente utilizado para pagar dívidas.
Para beneficiários do Auxílio Brasil, a taxa que pode ser comprometida em crédito consignado é de 40%. Essa possibilidade está contida na Medida Provisória (MP) 1106, que aumenta a margem de comprometimento de parcelas de programas sociais por crédito consignado. Neste caso, a medida aprovada primeiro, na última quarta-feira (29) pela Câmara, e ainda precisa ser analisada e votada pelo Senado.
“ Num momento em que o endividamento das famílias está alto, quem recebe o auxílio é induzido a se endividar, agravando ainda mais a situação dessas famílias. Isso pode ser bom para o sistema financeiro, mas é muito perigoso para os mais pobres”, alerta Menezes.
PECFamílias maiores recebem o mesmo valor que famílias menores
São 18 milhões de pessoas que estão recebendo o Auxílio Brasil ainda de R$ 400, mas o valor tem um significado totalmente diferente para cada família. É injusto quem tem cinco filhos receber o mesmo do quem tem apenas um. Diferente do Bolsa Família que previa o pagamento de acordo com o número de membros e se as crianças estavam na escola.
“O governo, com o Auxílio Brasil deixou de considerar o tamanho das famílias para estabelecer o valor da transferência. Isso gera injustiças ainda maiores. O poder de compra de R$ 400 é completamente diferente para uma família de uma pessoa só, ou de uma com três, ou com cinco pessoas”, afirma.
“O governo não conseguiu, por falta de competência, uma maneira de fazer o cálculo per capita e pagar a partir disso. Isso gera injustiças ainda maiores. O poder de compra de R$ 400 é completamente diferente para uma família de uma pessoa só, ou de uma com três, ou com cinco pessoas”, afirma.
Na verdade, não foi falta de competência do atual governo, foi a decisão de desmantelar tudo o que existia antes
Fila vai crescer e não zerar
O governo diz que o novo valor do Auxílio Brasil será pago inclusive para as 1,7 milhão de pessoas que estão na fila do benefício. No entanto, elas já estão incluídas no cadastro. Quem não se cadastrar até a data de promulgação da emenda constitucional vai ficar de fora, gerando uma nova fila de espera.
Inscrição por aplicativos de celulares
Francisco Menezes faz uma forte crítica ao modelo de inscrição feita por aplicativo de celular. Segundo ele, quem está passando fome não tem celular e quando tem o aparelho, não tem um pacote de dados ou mesmo wi-fi. Muitos ainda de acordo com ele, moram em regiões longínquas e precisam andar quilômetros para chegar a uma localidade com sinal de internet.
“Existe um equívoco muito grande em forçar o uso de aplicativos, ao mesmo tepo que enfraquece a tão necessária assistência social, com drásticos cortes orçamentários deixando de fazer a busca ativa por aqueles que estão mais esses necessitados”, diz.
Programa com penduricalhos
Para Francisco, o Auxílio Brasil é um programa cheio de penduricalhos que não se justificam, nem estão sendo cumpridos, como por exemplo, a premiação para esportistas.
“Fizeram muito alarde em seu lançamento, mas até hoje não temos informações de como esse programa está sendo feito e nem quantas pessoas atingem”, critica.
O Auxílio Esporte Escolar está inserido no Auxilio Brasil. O governo anunciou no ano passado a proposta de transferência de renda que pagará R$ 400 para os inscritos na Bolsa Família e, além disto, terá um complemento de R$ 100 por 12 meses para as famílias que tiverem seus filhos competindo em Jogos Escolares.
País tem queda nos indicadores sociais
Além dos problemas acima citados sobre o Auxílio Brasil, Francisco Meneses alerta para o fato do atual governo ter piorado todos os índices de metas e objetivos de desenvolvimento sustentável. Segundo ele, o quarto relatório: “Luz da sociedade civil da agenda 2030 de desenvolvimento sustentável Brasil” , lançado na semana passada mostra este retrocesso.
A Agenda 2030 foi pactuada pelo Brasil e outros 192 países que integram a Organização das Nações Unidas (ONU). Essas nações se comprometeram a libertar a raça humana da tirania da pobreza e da penúria e a curar e proteger o planeta. Os signatários estão determinados a tomar as medidas ousadas e transformadoras que são urgentemente necessárias para direcionar o mundo para um caminho sustentável e resiliente.
É impressionante como quase todas as metas dos objetivos em desenvolvimento sustentável, não só de erradicação pobreza, fome e desigualdade retrocederam