Desoneração de tributos federais e estaduais ainda não surtiu efeito prometido pelo governo no preço para o consumidor
A redução de impostos sobre os combustíveis não surtiu o efeito prometido por governos nos primeiros dias após a sua efetivação. Defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e criticada por governantes locais, a desoneração não reduziu os preços da gasolina automaticamente, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Essa redução, inclusive, pode nem chegar totalmente ao consumidor, dependendo de questões de mercado.
A redução dos impostos sobre combustíveis está prevista na Lei Complementar 194/2022, sancionada por Bolsonaro no último dia 23. A lei estabelece dois tipos de desoneração: a de impostos federais sobre a gasolina e a de impostos estaduais sobre todos os tipos de combustível.
No caso dos impostos federais, a redução dos impostos passou a vigorar já no dia 23 de junho. A lei zerou as alíquotas do Pis/Cofins e da Cide sobre a gasolina. Os tributos representavam R$ 0,69 do valor do litro do combustível vendido nos postos.
Já no caso dos impostos estaduais, a desoneração atingiu o ICMS e dependeu de decisões individuais de cada estado para entrar em vigor. Mais de 20 reduziram a alíquota do imposto sobre combustíveis a 18%, adaptando-se à nova lei federal. São Paulo e Goiás foram os primeiros a fazer isso, aplicando a medida já a partir do dia 27.
Em Goiás, o governo estimou que só a redução do ICMS baixaria em R$ 0,85 o preço médio do litro da gasolina no estado. Somada ao corte dos impostos federais, a redução poderia chegar a R$ 1,50 por litro, de acordo com cálculos do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo no Estado de Goiás (Sindiposto-GO).
Dados divulgados semanalmente pela ANP, entretanto, apontam que essa redução não ocorreu. Na semana entre os dias 12 e 18 de junho – ou seja, antes da sanção da Lei 194/2022 –, o preço médio do litro da gasolina comum em postos de combustíveis de Goiás era de R$ 7,40. Na semana seguinte, entre os dias 19 e 25, o preço médio subiu para R$ 7,47. A leve alta teve relação com o reajuste de 5% no preço da gasolina vendida pela Petrobras a distribuidoras de combustível a partir do último dia 18.
Já na outra semana, entre os dias 26 de junho e 2 de julho – após a desoneração de impostos federais e estaduais – o preço da gasolina caiu para R$ 7,07 em Goiás. Ou seja, o litro do combustível ficou R$ 0,40 mais barato. Contudo, R$ 1,10 acima do planejado.
No caso de São Paulo, a redução do ICMS baixaria os preços da gasolina em R$ 0,47, segundo o governo estadual. Somada à desoneração federal, a queda total poderia chegar a mais de R$ 1,10 nas bombas. De acordo com a ANP, o preço médio da gasolina no estado baixou de R$ 6,97 para R$ 6,69 da semana entre os dias 19 e 25 de junho para a semana entre os dias 26 de junho e 2 de julho – queda de R$ 0,28.
Redução depende da cadeia
Procurado pelo Brasil de Fato, o governo de São Paulo não se pronunciou sobre a redução dos preços dos combustíveis no estado. Encaminhou somente um comunicado indicando que um levantamento do Procon-SP havia verificado uma queda de R$ 0,30 no preço do litro da gasolina no estado dois dias depois redução do ICMS.
O governo de Goiás, por sua vez, informou que a pesquisa da ANP, por ser semanal, não conseguiu captar completamente a queda no preço do combustível no estado. Explicou também que a queda se dará de forma progressiva, já que os estoques dos postos de combustíveis estão sendo renovados ao longo do tempo.
Segundo o governo, antes das desonerações, o litro da gasolina custava mais de R$ 7 no estado. Na segunda-feira (4), já era possível comprar o combustível abaixo dos R$ 5,90 – ou seja, por R$ 1,10 a menos, ainda acima do previsto com o desconto de R$ 1,50.
Marcio Andrade, presidente do Sindiposto-GO, ratificou que nem toda redução prometida chegou ao consumidor até agora. Segundo ele, isso tende a ocorrer até o final desta semana, com a renovação completa dos estoques de combustíveis comprados desde a refinaria já com impostos mais baixos.
“A queda total vai acontecer”, afirmou Andrade. “Só depende de tempo.”
Redução não é garantida
O economista Rodrigo Leão, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), não é tão otimista. Segundo ele, historicamente, parte dos descontos em impostos de combustíveis tende a ser apropriado por distribuidores e revendedores do produto. Com isso, a queda nos preços deve ser menor do que a planejada.
“Quando o preço cai, ele não cai na sua magnitude total. A revenda se apropria de um pedaço. Já quando ele sobe, a revenda repassa”, disse.
Marcio Pochmann, economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), disse que esse problema não atinge só o setor de combustíveis. A transformação de parte de desonerações fiscais em lucros de empresários é relativamente comum. O caso da gasolina não deve fugir à regra.
“A queda no preço final nem sempre é repassada devido ao interesse que tem a empresa pela manutenção e elevação da sua margem de lucro”, explicou Pochmann.
O economista André Roncaglia disse que, no final das contas, a queda nos preços vai depender de empresários e outras questões econômicas, que nem sempre estão sob controle de governos.
“O preço depende de uma série de aspectos que vão além do imposto. Depende de poder de mercado, depende da localização do posto, depende do preço de outros insumos”, afirmou. “Não há garantia de que o preço vai cair porque pode ser que, simultaneamente à redução do imposto, outros custos tenham se elevado.”
A cotação do dólar subiu nos últimos dias, por exemplo. A atual política de preços da Petrobras atrela o preço da gasolina ao dólar. Isso cria o risco de o governo reduzir impostos e o combustível não baixar porque a Petrobras reajustou novamente seus preços, segundo explicou Roncaglia.
Arrecadação prejudicada
Independentemente do efeito no preço final dos combustíveis, a arrecadação de estados e municípios deve ser reduzida pelo corte de impostos previsto na Lei 194/2022.
O Fórum Nacional de Governadores já estimou perdas de R$ 65 bilhões em arrecadação com o limite do ICMS. A Confederação Nacional dos Municípios, por sua vez, estimou que as prefeituras perderão R$ 15 bilhões de sua participação do imposto. O presidente Jair Bolsonaro vetou artigos da lei que previam compensação pelas perdas.