Sindicato dos Trabalhadores em Postos de Combustíveis da Bahia
/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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Sem água, esgoto ou auxílio

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Como vivem famílias de comunidade em Maceió que não recebem o benefício do governo federal

Sem fornecimento há um mês, moradores da favela Mundaú, em Maceió, armazenam a água de uso doméstico em recipientes improvisados. O esgoto corre a céu aberto. Nas ruas, crianças dividem espaço com gatos, cachorros, galinhas e até patos —em muitos pontos, as vias estão cheias de lama, pela falta de saneamento.

Em meio à precariedade, alguns moradores não conseguem receber o Auxílio Brasil. O UOL visitou a favela no último dia 9, e conversou com famílias que se queixam por estarem fora do programa, mesmo vivendo em situação de miséria. Uma delas teve o benefício cortado.

“Disseram que minha renda era diferente da que declarei. Mas eu nunca mudei de renda, não recebia nada além do auxílio”, diz Sara de Lima, 30.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Cidadania não esclareceu por que o auxílio de Sara foi interrompido e o de outros entrevistados, negados.

O número de famílias que se inscrevem no Cadastro Único do governo federal não para de crescer. Segundo o Ministério da Cidadania, em janeiro de 2020, eram 29.080.635. Dois anos depois, em janeiro de 2022, o número saltou 15% —para 33.771.329.

O cadastro não serve apenas para pessoas em busca do Auxílio Brasil. Ele inclui famílias:

Em condição de extrema pobreza (renda per capita mensal de até R$ 105), Pobreza (com renda média individual de R$ 105,01 a R$ 210), Baixa renda (que têm de renda mensal de até meio salário mínimo per capita) ou
Em situação de rua.

Para receber o auxílio, é preciso que a família esteja em situação de extrema pobreza ou pobreza —nesse último caso, desde que tenha pessoas de até 21 anos ou grávidas.

Em janeiro deste ano, último mês com dados divulgados, estavam inscritas:

17,5 milhões de famílias em situação de extrema pobreza e 2,9 milhões em situação de pobreza.

Mas nem todas essas quase 20,5 milhões de famílias recebem o auxílio. Em abril, o programa que substituiu o Bolsa Família pagará benefício a 18 milhões, segundo o ministério —que não especifica quantas famílias beneficiárias estão em situação de pobreza ou extrema pobreza.

‘Já tentei, mas não deram’

Sandra de Lima, 47, tem 3 filhos, todos adultos. Fez o cadastro para receber o auxílio, mas afirma que não foi contemplada. “Tenho fibromialgia, já tentei até receber benefício do INSS, mas não deram”, conta.

No dia em que o UOL visitou a casa dela, Sandra já tinha preparado o almoço: feijão com ossos, arroz e cuscuz.

Não tem como ter mais que isso. Se não fossem os vizinhos e meus filhos me ajudando, não teria nada.”

Na favela moram, em regra, pessoas que pescam ou tratam o sururu, um molusco tradicional da culinária alagoana que é pescado no fundo da lagoa Mundaú. Mas isso não garante renda fixa, como no caso de Sandra —ela calcula que recebe, em média, R$ 100 por mês.

Sem recursos, reclama que sofre com a alta dos preços nos mercados da região. “O quilo do osso [de boi] era R$ 3,50, R$ 4 no máximo; de um ano para cá ele subiu para R$ 10. O preço do pescoço de galinha também está esse valor o quilo, um absurdo.”

Diz que recebeu o auxílio emergencial nas duas fases iniciais e acreditava que não teria problemas para conseguir acesso ao novo programa do governo federal.

Ainda está usando o botijão de gás que comprou com a última parcela do auxílio emergencial. “Ele está no fim, mas a lenha já está aqui pronta para ser usada”, comenta, apontando para tábuas que catou na rua.

Filha de Sandra, Sara de Lima, 30, conta que teve o benefício cortado este mês. “Mandaram ir à prefeitura e disseram que minha renda era diferente da que declarei. Mas eu nunca mudei de renda”, garante.

A mulher mostra à reportagem a “convocação de averiguação” que recebeu e imprimiu, em 29 de março. O papel indica que “sua família tem renda diferente da declarada no Cadastro Único”.

Com dois filhos —de dois e quatro anos, um deles com autismo— ela diz que não sabe como vai se virar sem renda. Hoje, calcula que consegue faturar apenas R$ 20 a R$ 25 por semana “despinicando” (descascando) sururu.

Só Deus mesmo, porque ninguém sabe como será agora.”

O pescador Luciano Ramos Diniz, 40, recebeu o auxílio emergencial mas, agora, ficou fora da lista do novo programa. De acordo com ele, o benefício foi negado porque sua renda está acima da permitida. Pelas regras do governo federal, ele é considerado pobre —e teria que ter uma gestante ou um jovem em casa para receber o valor.

“Eu disse que ganhava R$ 200. Como uma pessoa vai sobreviver com esse dinheiro?”, questiona. Diniz depende de cestas básicas de uma ONG local.

Hoje devo a Deus e ao mundo. Depois do auxílio [emergencial], as coisas não voltaram a ser como antes, tudo ficou mais difícil e muito mais caro.”

Gratidão, sim; insatisfação também

Na comunidade, porém, a maioria dos moradores recebe o auxílio. Quem tem, comemora o aumento, mas admite que o valor apenas ajudou a repor as perdas da inflação dos alimentos e itens básicos nos últimos meses.

Graziela Felix dos Santos, 21, tem três filhos e hoje recebe R$ 400 —no ano passado, o valor era de R$ 160. “Deu uma ajuda, né? Esse ano consegui comprar uma TV dessas fininhas”, afirma.

Com a renda mensal, ela conta que consegue comer algum tipo de proteína todos os dias, mas que considera abaixo do necessário. “O valor aumentou, mas as coisas aumentaram demais também.”

A jovem diz que não é fã de políticos e que não tem simpatia nem por Lula (PT), nem por Bolsonaro (PL) —pré-candidatos às eleições deste ano. “Eu não gosto é de nenhum, fico fora disso”, diz.

Mas ressalta que, mesmo ganhando menos, há alguns anos a vida era melhor. “Hoje uma bandeja de [30] ovos é 18 reais, não existe isso”, conta.

A vizinha Renilda Severina, 46, mora sozinha. Ao ver a reportagem do UOL, veio reclamar dos preços dos produtos básicos. “A inflação comeu foi tudo”, diz. Para Renilda, o governo federal poderia aumentar o valor do auxílio.

Quando o novo programa foi anunciado, em 2021, críticos de Bolsonaro classificaram como uma medida eleitoreira, pois visa pobres, nordestinos e desempregados, que normalmente apóiam Lula —isso foi negado pelo governo federal. No ano passado, a expectativa era que o valor fosse cortado em 2023.

‘Eu votarei’

Por enquanto, André dos Santos, 55, demonstra gratidão. Ele recebeu sua primeira parcela do Auxílio Brasil em março, e admite que, após dois meses de pagamento do benefício, passou a gostar do presidente.

“Não tenho o que falar dele. Eu votarei porque se entrar outro, ele pode cortar [o auxílio]. Prefiro deixar o que já está, é mais garantido”, comenta. O pescador diz que nunca havia recebido benefício do governo até a pandemia de covid-19.

Eu nunca tinha me interessado em receber [o Bolsa Família]. Mas depois desse auxílio, decidi ir atrás e consegui rapidinho.”

www.noticias.uol.com.br/CARLOS MADEIRODO UOL, EM MACEIÓ

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