Aneel autorizou empréstimo de R$ 5,3 bilhões para empresas distribuidoras de energia; custos chegam na conta de luz da população no ano que vem
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou a contratação de um empréstimo de R$ 5,3 bilhões para compensar o prejuízo das distribuidoras frente à crise hídrica de 2021. O valor é referente a uma primeira parcela e a segunda ainda será analisada pela Aneel, mas são previstos mais R$ 5,2 bilhões. O empréstimo bilionário será parcelado em 54 meses com juros pagos pelos consumidores, aqueles que penam com contas altas e péssimo serviço prestado pelas empresas privatizadas. Os encargos que serão incluídos nas contas de luz já a partir de 2023.
Esse é o terceiro empréstimo contratado à revelia da população em dois anos e é um complemento a um outro já concedido em 2021, para compensar as distribuidoras. A gestão do setor elétrico do país pelo (des)governo Bolsonaro, avesso a planejamento, custou muito caro para os brasileiros, segundo explica Clarice Ferraz, professora da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretora do Instituto Ilumina de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico.
“O governo priorizou o uso das termoelétricas, muito mais caras com a deflagração do conflito na Ucrânia. O governo, ao invés de limitar nossa exposição ao gás, faz o contrário, e repassa o custo para a nossa tarifa. É um movimento deliberado enquanto a gente tem outras opções”, disse a professora se referindo às usinas hidrelétricas e outras fontes renováveis disponíveis no Brasil.
Tática eleitoral
O empréstimo bilionário acontece às vésperas das eleições presidenciais e apontam possíveis manobras do atual governo para se blindar de consequências e repassá-las para a próxima administração, conforme aponta Clarice.
“O impacto desse empréstimo começa em 2023, quando aumenta o preço da tarifa. O governo faz tudo para que os efeitos da sua irresponsabilidade não sejam sentidos em 2022, pleno ano eleitoral”, pontua a professora.
Ao empurrar os aumentos para o ano seguinte, o governo foge de uma rejeição maior ainda, de olho na corrida eleitoral, segundo Cássia Liberatori, diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Energia (Sintergia-RJ) e da CUT-Rio.
“Isso mostra o que o governo está fazendo e ainda fará para garantir a reeleição e sucatear a Eletrobras, custe o que custar”, afirma. Para ela, a medida não é a melhor saída nem para o setor elétrico e muito menos para o consumidor final.
“As altas tarifas em 2023, além de penalizar o povo com o aumento exacerbado, poderão induzir a sociedade brasileira para um olhar a favor da privatização da Eletrobras, que só beneficia aos empresários e prejudica a população. O Sintergia-RJ, junto à CUT-Rio e a outros sindicatos, Centrais e movimentos sociais vêm se debruçando numa luta árdua contra a privatização da empresa desde o Golpe de Michel Temer”, destaca a dirigente.
Impactos da privatização
A Eletrobras sofre tentativas de desestatização há anos, mas ganhou forma no governo de Michel Temer, em 2016. A maior empresa de energia elétrica da América Latina pode ser privatizada ainda no primeiro semestre de 2022 e preocupa especialistas.
Para Clarice Ferraz, o avanço neoliberal sobre o setor elétrico está tornando a eletricidade um bem de luxo, o que, para ela, é um desvirtuamento profundo da própria concepção do setor.
“Estamos falando de água e energia. Itens vitais. É muito grave em todas as dimensões. É uma condenação para o futuro, é quase uma impossibilidade de a gente ter futuro. E não pode ser isso. O setor elétrico foi concebido para a gente poder se urbanizar, se industrializar, a incorporação da mão de obra, crescimento com geração de emprego”, alerta.
O histórico das privatizações no Brasil mostra que o processo inevitavelmente acaba levando ao aumento do preço do serviço para a população e rebaixamento da média salarial dos trabalhadores do setor. Quem faz essa análise é Sandro Cezar, presidente da CUT-Rio.
“Essa tem sido a tônica das privatizações no país. Cai a qualidade do serviço para o povo, aumenta os preços e piora as relações de trabalho nos setores privatizados com a queda da massa salarial”, avalia.
De acordo com Sandro, é sempre danosa a transferência do setor público para o setor privado. “O estado brasileiro é péssimo em regulação, não sendo capaz de regular o interesse financeiro. Com isso, setores estratégicos da economia do país passam para a mão de meia dúzia, o que traz danos irreparáveis ao povo brasileiro”, conclui.
A diretora do Instituto Ilumina de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico acrescenta que metade dos bilionários brasileiros está diretamente envolvida no processo de privatização da Eletrobras. Para ela, quem ganha com isso são os atores ligados à cadeia do gás, os bancos e as empresas que vão fazer a comercialização da eletricidade.
“Estão querendo desestruturar o setor que estrutura todo o resto, toda a economia, a nossa qualidade de vida. Ninguém aguenta mais a sociedade empobrecida, inflação crescendo, e isso tudo está saindo da energia. O que está se fazendo no super ambiente de negócios do setor elétrico é, sobretudo, a securitização e a financeirização do setor. A última fronteira do neoliberalismo radical é entrar no setor de energia”, analisa Clarice Ferraz.
Greve dos eletricitários
Os trabalhadores e as trabalhadoras eletricitários do Rio de Janeiro estão mobilizados em greve há quase dois meses contra a precarização do trabalho e o sucateamento do sistema Eletrobras. O movimento grevista tem uma pauta de reivindicações corporativa, mas também tem efeitos colaterais no processo de privatização da estatal, conforme explica Emanuel Mendes, coordenador-geral do Comando Nacional dos Eletricitários (CNE).
“Essa greve tem atrasado, por exemplo, a apresentação do balanço patrimonial da empresa, que é uma das etapas do processo de privatização”, aponta. Ainda estamos em greve. Tivemos uma reunião na quarta-feira (16) com a empresa para tratar da pauta específica, mas não houve avanço.”
Para ele, tornar a Eletrobras uma empresa privada serve apenas para enriquecer um pequeno grupo de empresários e aumentar o custo da energia para o povo.
“Isso só está servindo para encher o bolso de meia dúzia de investidores. Privatizar a Eletrobras significa um aumento na conta de luz de 16%, pelo menos, porque você hoje vende uma energia barata, em cotas, que vai passar a ser vendida no mercado livre que é o triplo do preço. Quem paga a conta é a sociedade”, afirma.
www.cut.org.br/Camila Araujo