“Eventual privatização da Eletrobrás provocaria profunda desorganização do Setor Elétrico Brasileiro (SEB), com repercussões negativas para toda sociedade brasileira”, diz manifesto
O Conselho Federal de Economia (Cofecon) divulgou uma manifesto contra a privatização da Eletrobrás, alertando “à população e às autoridades de fiscalização e controle de que as medidas autorizadas por essa lei promovem riscos iminentes de agravamento da crise elétrica e da crise econômica”.
“Manifestamos nosso posicionamento contrário à privatização da Eletrobrás em curso, tendo em vista que esta poderá incorrer em prejuízos irreparáveis para a soberania nacional e para capacidade de gestão e geração de energias limpas e de baixo custo”, diz o documento, divulgado dia 22 de fevereiro, assinado por profissionais do setor e entidades que representam diversos segmentos da sociedade.
O documento destaca que a “eventual privatização da Eletrobrás provocaria profunda desorganização do Setor Elétrico Brasileiro (SEB), com repercussões negativas para toda sociedade brasileira”. No curto e no médio prazo, o manifesto aponta que o prejuízo começaria “por uma explosão tarifária, provocada pela mudança do regime de concessões das usinas renovadas pela Lei nº 12.783, que hoje operam no regime de “Cotas” e fornecem energia a preço de custo para a população. Com a mudança do regime de concessão, a energia elétrica dessas usinas, cujos investimentos são considerados amortizados, passará a ser vendida a preços de mercado, que chegam a ser quatro vezes superiores”.
Para os economistas, “ao impor um novo aumento das tarifas de energia elétrica, a medida reduz a renda disponível das famílias para o consumo dos demais produtos, em um cenário em que a renda das famílias já vem pressionada pelas recentes elevações nos preços dos alimentos e dos combustíveis, também afetados pela alta dos preços da eletricidade. O encarecimento da energia também impacta diretamente os custos do setor de serviços e de setores industriais, especialmente dos intensivos no consumo de energia elétrica em seus processos produtivos”.
Leia o manifesto na íntegra.
MANIFESTO DOS ECONOMISTAS, ENTIDADES E PROFISSIONAIS CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA ELETROBRÁS
Viemos a público manifestar-nos contrariamente ao processo de privatização da Eletrobras, autorizado pela Medida Provisória nº 1031/21, convertida na Lei nº 14.182/2021. Este manifesto é um alerta à população e às autoridades de fiscalização e controle de que as medidas autorizadas por essa lei promovem riscos iminentes de agravamento da crise elétrica e da crise econômica, além de uma ameaça à soberania nacional.
A Eletrobrás é a maior empresa de geração e transmissão de energia elétrica da América Latina. Com 94% de seu portfólio de geração constituído por fontes de energias renováveis, ela está presente em todos os Estados da União, opera usinas hidrelétricas que detêm 50% da capacidade total de armazenagem dos reservatórios do país, localizados nas mais importantes bacias hidrográficas, e 41% das linhas de transmissão de energia elétrica. A Eletrobrás é também um dos mais importantes instrumentos de promoção de políticas públicas para o setor elétrico, tendo papel preponderante na implementação de programas sociais e na promoção do desenvolvimento econômico e social do país.
A eventual privatização da Eletrobrás provocaria profunda desorganização do Setor Elétrico Brasileiro (SEB), com repercussões negativas para toda sociedade brasileira. Os prejuízos se verificarão no curto e no médio prazo, a começar por uma explosão tarifária, provocada pela mudança do regime de concessões das usinas renovadas pela Lei nº 12.783, que hoje operam no regime de “Cotas” e fornecem energia a preço de custo para a população. Com a mudança do regime de concessão, a energia elétrica dessas usinas, cujos investimentos são considerados amortizados, passará a ser vendida a preços de mercado, que chegam a ser quatro vezes superiores.
Ao impor um novo aumento das tarifas de energia elétrica, a medida reduz a renda disponível das famílias para o consumo dos demais produtos, em um cenário em que a renda das famílias já vem pressionada pelas recentes elevações nos preços dos alimentos e dos combustíveis, também afetados pela alta dos preços da eletricidade. O encarecimento da energia também impacta diretamente os custos do setor de serviços e de setores industriais, especialmente dos intensivos no consumo de energia elétrica em seus processos produtivos.
Além disso, os valores que devem ser arrecadados pela União, na forma de pagamento pela renovação da outorga, apresentam graves problemas de subestimação, e, caso sejam mantidos, podem representar um sério desfalque aos cofres da União, configurando um ato lesivo ao erário público. A subavaliação dos valores envolvidos foi, inclusive, alvo de questionamento pelo Tribunal de Contas da União.
A privatização da Eletrobrás ignora as especificidades geográficas do território brasileiro, suas dotações de infraestrutura, tecnológicas ou organizacionais. Igualmente grave é a ignorância do contexto de transformações profundas pelas quais passam os setores elétricos ao redor do mundo, marcados por duas questões principais: a crise climática e o crescimento da demanda de eletricidade provocada pela necessidade de descarbonizar os usos energéticos. Essa combinação de aumento da demanda com a dificuldade de expandir de forma equilibrada a oferta tem provocado uma inflação mundial dos insumos energéticos. Estamos diante de um significativo desafio de segurança de abastecimento – maior demanda acompanhada do aumento da essencialidade do serviço, em meio às consequências do desequilíbrio climático, que já podem ser sentidas.
Os recentes eventos meteorológicos extremos impactam severamente o potencial hidrelétrico dos reservatórios, tanto em período de escassez de chuva, como em períodos de enchentes, quando os reservatórios cumprem a vital função de regularização dos rios e de controle de cheia. Os conflitos entre os usos múltiplos da água crescem e tendem a se agravar. O sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2021) faz um chamamento aos planejadores para que se preparem para lidar com períodos maiores de seca, temperaturas mais altas e eventos climáticos extremos.
Os reservatórios contribuem para a modicidade tarifária e para segurança de abastecimento, além de constituírem parte importante das estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Eles são fonte de energia renovável, estocável e despachável, de forma quase instantânea. Se geridos de forma coordenada, servem para a regularização dos cursos d’água, para constituir estoques de água doce como importante fonte de geração flexível – capazes de compensar as oscilações relacionadas às novas fontes de energias renováveis variáveis. Caso sejam vistos como simples “fábricas” de KWh, e geridos de forma individualizada, agravarão os problemas mencionados, servindo apenas à apropriação privada da renda hidráulica.
Graças a sua extraordinária dotação de recursos naturais e à Eletrobrás, o Brasil é um dos países líderes em energia renovável. As economias de escala, a diversidade geográfica e o sistema de transmissão robusto do SEB, estruturados pela Eletrobrás, facilitam uma integração confiável e econômica de recursos renováveis. No entanto, se a Lei de Privatização da Eletrobrás for aplicada, estará consolidado destino inverso para o País. Além das consequências do encarecimento das tarifas – aumento de pobreza energética, perda de competitividade da indústria, maior desemprego, e pressão inflacionária – a privatização e a contratação de mais usinas térmicas, também prevista na Lei nº 14.182, provocarão aumento das emissões de poluentes, agravando a atual espiral de subdesenvolvimento.
A privatização da Eletrobrás aumenta ainda a concentração de renda no SEB e as desigualdades brasileiras, sobretudo, no longo prazo, ao impedir a construção de um futuro sustentável do Brasil para o enfrentamento das mudanças climáticas. Ao implementá-la, caminhamos na contramão do mundo ao mergulharmos nesse pântano de inconstitucionalidades e absurdos técnicos sustentados por interesses distantes das reais necessidades de energia barata, limpa e universalizada, fundamental ao Brasil.
Ante o exposto, manifestamos nosso posicionamento contrário à privatização da Eletrobrás em curso, tendo em vista que esta poderá incorrer em prejuízos irreparáveis para a soberania nacional e para capacidade de gestão e geração de energias limpas e de baixo custo.
Assinam este documento, as entidades:
CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DO RIO DE JANEIRO
CONSELHO FEDERAL DE ECONOMIA
SINDICATO DOS ECONOMISTAS DO RIO DE JANEIRO
AEEL – ASSOCIAÇÃO DOS EMPREGADOS DA ELETROBRÁS
AESEL – ASSOCIAÇÃO DOS ENGENHEIORS DA ELETROBRAS
CNE – COLETIVO NACIONAL DOS ELETRICITÁRIOS
FNU – FEDERAÇÃO NACIONAL DOS URBANITÁRIOS
ASEF – ASOCIAÇÃO DOS EMPREGADOS DE FURNAS
FRUSE – FEDERAÇÃO INTERESTADUAL DOS URBANITÁRIOS DO SUDESTE
SENGE – RJ – SINDICATO DOS ENGENHEIROS DO RIO DE JANEIRO
SINAERJ – SINDICATO DOS ADMINISTRADORES DO RIO DE JANEIRO
ASSIBGE SN
SINDICATO DOS FUNCIONÁRIOS DO IBGE
PROFISSIONAIS:
Antonio dos Santos Magalhães – Economista do RJ
Arthur Koblitz – Economista BNDES – RJ
Bruno De Conti – IE Unicamp – SP
Carlos Frederico Leão Rocha – IE –UFRJ
Carlos Henrique Tibiriçá Miranda – Economista do RJ
Carlos Pinkusfeld – UFRJ
Clarice Ferraz – Grupo de Economia da Energia UFRJ
Eduardo Costa Pinto – IE – UFRJ
Eduardo Figueiredo Bastian IE – UFRJ
Elisabeth Borges Gonçalves – Estatística do RJ
Fábio Neves Perácio de Freitas – IE UFRJ
Fabíola Andréa Leite de Paula – Economista do RN
Flávia Vinhaes Santos – Economista
Fernando D´Angelo Machado – Eletricitário e Economista – RJ
Francisco Pereira Mascarenhas Júnior – Economista – MA
Frednan Bezerra dos Santos – Economista – MA
Galeno Tinoco Ferraz Filho – IE UFRJ
Gustavo Souto de Noronha – Economista – RJ
Heric Santos Hossoé – Economista – MA
Helder Queiroz Pinto Jr – IE – UFRJ e ex-diretor da ANP
João Manoel Gonçalves Barbosa – Economista e Eletricitário
João Carlos – Economista
João Carlos Souza Marque – Economista – MA
José de Ribamar Sá Silva – Economista – MA
José Tavares Bezerra Júnior – Economista – MA
José Antonio Lutterbach Soares – Economista
Jhonatan Almada – Economista – MA
Lucas Teixeira – IE – UNICAMP
Lúcia Navegantes Bicalho
Luiz Carlos Delorme Prado – IE – UFRJ
Marcelo Colomer – Professor IE- UFRJ
Marcelo Pereira Fernandes – Economista
Marco Antonio Rocha – IE – UNICAMP – SP
Martinho Leal Campos – Economista – PB
Numa Mazat – IE –UFRJ
Orlando Ramos Moreira – Economista – RJ
Paulo Hermance Paiva – Economista – PB
Paulo Passarinho – Economista RJ
Pedro Linhares Rossi – IE – UNICAMP
Renato Queiroz – Engenheiro Grupo de Economia da Energia UFRJ
Roberto Bocaccio Piscitelli – Professor da UNB e Consultor Legislativo aposentado da Câmara dos Deputados – DF
Ronaldo Bicalho – Grupo de Economia da Energia UFRJ
Sandra M C de Souza – Economista – RJ
Sidney Pascoutto da Rocha – Eletricitário e Economista
Victor Leonardo de Araújo – UFF
Wellington Leonardo da Silva – Economista