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/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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PEC do trabalho aos 14 é volta à revolução industrial, diz chefe do Unicef

"Quando aumentam a pobreza, o trabalho infantil se impõe às crianças das famílias mais pobres", diz Mário Volpi Imagem: Marcello Casal/Agência Brasil
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Não é preciso ser especialista para perceber que o número de crianças e adolescentes trabalhando no Brasil vem crescendo nos últimos anos.

“Quando aumentam a pobreza, a desigualdade e a falta de oportunidades, o trabalho infantil se impõe às crianças das famílias mais pobres”, explica Mário Volpi, chefe da área de Cidadania dos Adolescentes do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e um dos maiores especialistas sobre o tema no país.

Em entrevista à coluna, Volpi critica a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) ressuscitada pela Câmara dos Deputados que, na prática, reduz a idade mínima para começar a trabalhar e torna inócua a atual Lei da Aprendizagem. “Temos mais de 13 milhões de desempregados. Qual é o trabalho que está ‘disponível’ a adolescentes para ter essa obsessão de flexibilizar a lei?”, questiona.

Volpi rebate ainda o discurso – defendido, dentre outros, pelo presidente Jair Bolsonaro – de que trabalhar desde cedo pode contribuir para a “formação do caráter” de crianças. “É um movimento que não é só conservador. É um movimento retrógrado – vamos voltar para a época da revolução industrial”, afirma.

Confira a íntegra da entrevista abaixo.

Antes da pandemia, havia no Brasil cerca de 1,7 milhão de crianças e adolescentes trabalhando. Uma pesquisa do Unicef estimou um aumento desse número com a explosão da covid-19. Por quê?

Trabalho infantil não é um dado “virtuoso” – não aparece quando o país está se desenvolvendo. Então, quando aumentam a pobreza, a desigualdade e a falta de oportunidades, o trabalho infantil se impõe às crianças das famílias mais pobres. O que aconteceu na pandemia? O Brasil foi um desses países em que a pobreza aumentou. Como consequência disso, as famílias que antes priorizavam colocar seus filhos na escola começaram – em função da ausência da escola – a utilizar dessa possibilidade para melhorar a renda familiar. Eu acho importante sempre vincular à economia. Não existe nenhum país que se desenvolveu com trabalho infantil. Se você pegar, por exemplo, a revolução industrial na Inglaterra, qual foi uma das primeiras legislações? A proibição do trabalho infantil e a definição de uma jornada de trabalho.

Criado em 1996, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) sempre foi visto como uma referência internacional. Como está o Peti hoje em dia?

O Peti é composto por três elementos: fazer a busca ativa das crianças que estão trabalhando e colocá-las na escola, capacitar os pais e garantir a renda. Mas ele foi desestruturado sob o pretexto de que políticas de transferência de renda substituiriam esse conjunto de programas. Não funcionou. Só a transferência de renda para a família não resolve o problema.

Mas o que era feito antes e que hoje já não é mais?

Em primeiro lugar, fiscalização. Para onde se dirige o trabalho infantil? Para trabalhos precários que exigem uma fiscalização permanente e estruturada. Como essa estrutura de fiscalização sofreu uma redução de investimentos, então, tivemos aqui um elemento importante.

Segundo: os chamados programas de contraturno. Porque [se eles não existirem] você pode até colocar a criança na escola, mas ela vai continuar trabalhando. As atividades de contraturno – educação integral ou programas de arte, cultura e esporte – foram esvaziadas. Em alguns casos, foram deixadas sob responsabilidade exclusiva das prefeituras. O que é um contrassenso: 10% dos municípios teriam condições de fazer uma política dessa natureza. 90% não têm recursos.

E o terceiro elemento são os programas de treinamento. Para erradicar o trabalho infantil, você precisa garantir que os adultos da família tenham uma formação profissional para evoluir no mundo do trabalho.

A Câmara dos Deputados voltou a discutir a PEC 18/2011, que na prática reduz a idade mínima para começar a trabalhar. Caso seja aprovada, o artigo 7o. da Constituição passaria a ter a seguinte redação: é proibido “qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz ou sob o regime de tempo parcial, a partir de 14 anos”. Como o senhor vê esse movimento?

É uma tentativa de dar uma aparência positiva para uma questão negativa. Não adianta dizer: “ah… mas vai ser só parcial”. Ele já existe como parcial – é a Lei da Aprendizagem. Se o Brasil implementasse de fato essa lei, teríamos um potencial de mais de um milhão de vagas para adolescentes a partir dos 14 anos, num trabalho protegido, que obriga a estar na escola e que é estruturado na forma de aprendizagem – das atividades mais simples para as mais complexas.

O que essa PEC está fazendo é flexibilizar a Lei da Aprendizagem. Não vai precisar mais ter uma instituição formadora que intermedie a relação. O adolescente vai direto para a empresa. As empresas, obviamente, não estão preparadas. O que vai acontecer? O adolescente vai entrar numa atividade repetitiva, que não vai ajudar em nada na sua formação. O ideal seria que o Congresso trabalhasse com uma política de fortalecimento da Lei da Aprendizagem, para garantir oportunidades reais para os adolescentes. Esse é um outro tema também que o país precisa discutir: que trabalho está disponível para os adolescentes? Temos mais de 13 milhões de desempregados. Qual é o trabalho que está “disponível” a adolescentes para ter essa obsessão de flexibilizar a lei?

O presidente Jair Bolsonaro já disse em mais de uma oportunidade que o trabalho pode ajudar a formar o caráter de crianças. Em uma live, por exemplo, ele chegou a dizer que “trabalhando com nove, dez anos na fazenda, eu não fui prejudicado em nada”. Que tipo de recado ele passa?

Esses discursos são equivocados e partem de uma experiência pessoal que nunca foi conflitiva. O trabalho dessas pessoas [como Bolsonaro] não foi um trabalho de exploração. Foi no final de semana, algumas horas por dia, de vez em quando. E tinha toda uma estrutura de alimentação, de moradia, de diversão, de tempo livre, que permitiu a essas pessoas chegarem onde elas estão. A realidade do trabalho infantil é uma realidade de acidente do trabalho, de perda de saúde. O Brasil já tem uma condição política e cultural de superar esse discurso.

Parece que a sociedade vinha superando esse discurso, mas ele tem ganhado força novamente…

É um movimento que não é só conservador. É um movimento retrógrado – vamos voltar para a época da revolução industrial. As pessoas confundem a ideia do trabalho como socialização, como pertencimento à família, como ajuda nas tarefas domésticas e tal, com a exploração do trabalho infantil – que é o grande problema no Brasil. Esse problema não está localizado na classe média ou na elite. Ele está localizado na pobreza e na extrema pobreza. Já temos as condições para promover um desenvolvimento sustentável, em que o papel de crianças e adolescentes é ir para a escola e aprender. Temos que consolidar essa visão.

www.economia.uol.com.br/ Carlos Juliano Barros

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