O Brasil completará 200 anos como nação independente em 7 de setembro de 2022. A comemoração da data nos enseja, como representantes dos trabalhadores, ressaltar o protagonismo da nossa classe e a evolução dos nossos direitos.
A concepção elitista da história esconde as lutas populares nos processos de emancipação e de construção nacional. Nosso desafio é, ao contrário, valorizá-las e reforçar a autoestima do povo brasileiro.
Embora a classe dominante tenha desde sempre manobrado para defender seus interesses, os trabalhadores, os negros e os oprimidos em geral trilharam paralelamente uma trajetória de resistência. O choque entre as diferentes visões e os diferentes grupos sociais aqueceu o debate político nesses 200 anos e marcou a evolução do país.
Para começar, a independência foi proclamada em 1822 pela própria monarquia portuguesa, por Dom Pedro 1º, com a permanência do comando do imperador e, portanto, sem a instauração de uma República. Nesse período as relações de trabalho eram as piores: trabalho escravo em larga escala nas extensas monoculturas comandadas por coronéis e barões.
Os escravizados e os abolicionistas protagonizaram grandes manifestações de revolta contra esse sistema, mas a abolição e o advento da República só ocorreram 66 anos depois, em 1888 e 1889, para atender a demanda capitalista por um novo modo de produção. Entre a abolição e as primeiras 3 décadas do século 20, mesmo com a expansão do trabalho assalariado, a mentalidade e práticas escravistas ainda prevaleciam. Tanto nas lavouras do café como nas incipientes indústrias, os trabalhadores eram explorados até o limite da sobrevivência, nos moldes das relações dominantes nos primórdios da Revolução Industrial.
Grandes movimentos ocorreram neste período, como a criação da COB (Confederação Operária Brasileira), em 1908, e a importante Greve Geral de 1917. O país construía sua identidade cultural, sendo 2 grandes marcos deste processo: a criação da ABL (Academia Brasileira de Letras) em 1897, com Machado de Assis como um de seus fundadores e a Semana de Arte Moderna de 1922. Amadurecia, também, politicamente, sacudido por eventos como a Coluna Prestes de 1925, que contestava a oligarquia da República Velha, e a fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922, berço de diversos militantes e partidos de esquerda criados neste século.
As mudanças que transformavam o Brasil deram base para que em 1930 o país rompesse com a velha oligarquia e entrasse de fato em uma nova fase. O governo de Getúlio Vargas criou as bases estruturais para a expansão da indústria, oficializou sindicatos e criou diversas leis de proteção ao trabalhador. Leis que, em 1943, formaram a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), um marco na história do Brasil a partir do qual se constituiu a demanda para um mercado interno e os trabalhadores passaram progressivamente a serem vistos como cidadãos e não como escravos.
Seu governo, no entanto, não ficou livre de manifestações. Na década de 1950 o alto custo de vida que afligia o povo motivou diversas greves. A maior delas foi a Greve dos 300 mil em 1953, que uniu diversas categorias e foi base para a criação de um órgão para a produção de índices econômicos no qual os trabalhadores podiam confiar: o Dieese, criado em 1955.
Por sua política econômica, social e trabalhista, Getúlio foi intensamente perseguido pelos grupos que descendiam dos coronéis do açúcar e dos barões do café, organizados na UDN. As pressões políticas o levaram ao suicídio, mas seu legado permanece até hoje.
João Goulart, ministro de Vargas e político próximo ao movimento sindical, seria presidente em 1961, em uma época de grande efervescência social e cultural, mas também de grande tensão política. Foi a época do combativo CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), que semearia no operariado a aspiração de criar entidades nacionais.
Dez anos depois, aquele mesmo setor que fechou o cerco em torno de Vargas deu o golpe civil-militar em março de 1964, atacando prioritariamente os sindicalistas e suas entidades. Foram muitas as ações sindicais nos 21 anos de ditadura. As greves de Contagem e Osasco em 1968, as greves que começaram no ABC em 1978, a Conclat de 1981, a greve geral de 1983, a participação nas campanhas pelas Diretas Já e pela Assembleia Nacional Constituinte. Mesmo sob a ditadura, os trabalhadores evoluíram politicamente e quando veio a redemocratização, em 1985, estavam mais maduros para participar e fortalecer suas entidades. As centrais sindicais surgiram nesse processo.
Com o avanço da democracia, e mesmo com a perene influência daquela classe que desde o império se renova e reafirma seus interesses, conseguimos eleger em 2002 um líder operário para a presidência. Luiz Inácio Lula da Silva, metalúrgico de São Bernardo, resgatou aspirações de crescimento com participação popular.
A exemplo dos golpes contra com Vargas e Jango, entretanto, desde 2016 vivemos em um ambiente em que a classe política entreguista e colonizada trama para permanecer no poder. Tivemos parte substantiva dos nossos direitos destruídos e nossas entidades foram duramente atacadas. Chegamos ao bicentenário com regressões que resgatam a mentalidade escravista, com contingentes crescentes de trabalhadores precarizados, altíssimo desemprego, subocupação, informalidade, rotatividade, pobreza, miséria e muitas formas de desigualdade.
Foram muitas as lutas e os eventos que merecem destaque nesses 200 anos. Nas atividades em torno desta efeméride teremos a oportunidade de dimensionar o momento histórico em que vivemos, de discutir o passado e, principalmente, o futuro que queremos para o Brasil.
Neste sentido, além de resgatar as lutas populares através de uma série de artigos, atividades e debates, vamos criar uma seleção de 200 nomes de personalidades que nos inspiram e que valorizaram a nossa classe. Serão trabalhadores artistas, políticos, intelectuais, jornalistas, estudantes, religiosos, etc., que ajudaram a formar a vocação humanista, solidária, criativa e modernista do povo brasileiro e que representam para nós os imortais na nossa história!
Esta seleção deverá reafirmar a identidade de um povo que se formou no amálgama de diversas origens culturais e raciais. Um povo que aqui ressignificou seus costumes e desenvolveu outros, que nas lutas de resistência e avanços construiu parte significativa da nossa nação. O Brasil é maior e tem uma beleza que contrasta com o atraso que se instalou no Palácio do Planalto e 2022 será um ano para uma guinada que terá a contribuição de 200 nomes que fizeram a diferente na nossa história!
Publicado originalmente no Poder360
* Adilson Araújo é presidente da CTB. Miguel Torres é presidente da Força Sindical. Ricardo Patah é presidente da UGT. Oswaldo de Barros é presidente da Nova Central.
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