Entre os que rejeitam as vacinas, homens são maioria. Entre as principais razões estão conceitos frágeis de virilidade, saúde perfeita e consumo de mentiras
São Paulo – “Muitas hospitalizações e mortes poderiam ter sido evitadas.” A sentença sobre a covid-19 é do pesquisador Álvaro Francisco Lopes de Souza, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP. Souza fez parte de um estudo sobre o negacionismo vacinal em países de língua portuguesa. O levantamento ouviu 6.843 pessoas em Portugal, Brasil e países lusófonos da África e 21,1% afirmaram não ter intenção de se vacinar. Entre as razões para a hesitação à vacinação, teorias da conspiração e desinformação, constituindo, assim, um problema de saúde pública que impede o fim da pandemia.
No Brasil, o negacionismo tem como representante maior o presidente Jair Bolsonaro. O político de extrema-direita não se vacinou, divulgou mentiras sobre a segurança e eficácia das vacinas, além de ter prevaricado, de acordo com a CPI da Covid, na compra dos imunizantes. Já em Portugal, país mais vacinado da Europa, o cenário é de maior segurança. O país enfrenta com maior segurança a atual “quarta onda” de impacto que afeta com severidade a Europa. Por lá, apenas 2% rejeitam as vacinas.
Segundo o estudo intitulado Determinants of covid-19 vaccine hesitancy in Portuguese-speaking countries: a structural equations modeling approach, a maioria dos que rejeitam as vacinas é composta por homens com sintomas aparentes de estresse. O levantamento ainda verificou que eles são maiores de 30 anos, no geral, e são consumidores de fake news sobre a imunização. Para Souza, além da desinformação, pesam fatores como masculinidade frágil. “Estresse e hesitação vacinal masculina são explicados culturalmente pela educação de homens como exemplo de força, virilidade e saúde perfeita”, diz. Como se pode lembrar, ainda no início da pandemia, Bolsonaro deu demonstração do que o pesquisador quis quando diz que a covid-19 não o afeta por ter “histórico de atleta” e que “este é um país de maricas“.
Essas inseguranças e afirmações baseadas em construções culturais machistas parecem afetar com menor intensidade os mais jovens. Porque entre o público da faixa etária de 18 a 29 anos, 84,5% são favoráveis à vacinação. Os jovens também se mostraram mais favoráveis às medidas não-farmacológicas, como distanciamento social e obrigatoriedade do uso de máscaras. Por outro lado, essa população se mostrou mais cansada, com “claro desejo de vacinação rápida para a volta das atividades sem riscos de contaminação”.
Mais tempo isolado
Hoje o Brasil tem pouco mais de 60% da população vacinada com duas doses, 80% com uma e mais de 21 milhões de pessoas (10%) atrasadas para o reforço. Assim, no cenário de pandemia ainda ativa e descontrole do contágio, favorecido pelo fim de medidas necessárias como o uso de máscaras, os pesquisadores defendem investimento em campanhas de vacinação. Entre os riscos de um número elevado de negacionistas, está a não superação da pandemia e também a probabilidade do surgimento de mutações virais. “Quanto mais tempo uma parcela da população passa sem ser vacinada, novas variantes podem surgir”, afirma Souza.
“Algumas bolhas de desinformação parecem ser mais confortáveis para algumas pessoas. O maior desafio dos órgãos de saúde é romper essas bolhas”, defende o pesquisador. O estudo ainda defende que, as dificuldades para superar a desinformação exigem a manutenção de medidas de distanciamento, higiene pessoal e uso de máscaras.