O aumento na conta de luz ea criação de programas para estimular a redução do consumo na indústria e em residências podem minimizar, mas não são suficientes para afastar completamente o risco de falta de energia , dizem especialistas.
Para eles, o governo vem negando a gravidade da crise no setor elétrico, evitando admitir que há necessidade de racionamento. Além disso, uma avaliação é de que o Executivo demorou a tomar medidas como a que estimula consumir a economizar (anunciada só em agosto ).
Sem uma comunicação clara e com programas que convidam, mas não obrigam os consumidores a gastar menos, o diagnóstico é que o risco de faltar energia nos próximos meses não pode ser descartado.
Se isso acontecer, o país pode enfrentar cortes de luz (quando a oferta de energia é insuficiente e como distribuidoras precisam suspender o fornecimento em determinadas áreas) ou até apagões (quando falta luz de forma inesperada, por algum problema no sistema).
Redução do consumo é essencial
Luiz Eduardo Barata, ex-diretor do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e consultor do Instituto Clima e Sociedade, afirma que há duas ocorrências em um momento de escassez como de agora: um aumento significativo da oferta de energia ou redução do consumo.
Toda uma oferta extra de energia possível já foi buscada. Só vejo mesmo uma solução para contornar o problema se pela redução do consumo.
Luiz eduardo barata
Além do acionamento de termelétricas (o que aumentou a conta de luz), o país também está importando energia da Argentina e do Uruguai.
O governo federal criou um grupo interministerial para acompanhar a crise e, do lado do consumo, lançou um programa voluntário para que grandes usuários, como indústrias, reduzam o gasto de energia.
Para os consumidores residenciais, foi implementada uma iniciativa semelhante, que dá descontos na conta caso haja economia de energia. O governo determinou ainda a redução do consumo nos prédios públicos.
Há também a sinalização no preço: como o sistema está acionando como usinas termelétricas, que experimenta energia mais cara, os consumidores estão tendo que pagar uma taxa adicional na conta de luz, a bandeira de escassez hídrica (de R $ 14,20 por 100 kWh). A taxa não é cobrada dos consumidores que usufruem da tarifa social, destinada a famílias de baixa renda.
Programas do governo vão funcionar?
No caso das bandeiras, a crítica dos especialistas é de que um principal é remunerar como distribuidoras pela energia mais cara, e não necessariamente alertar o consumidor para que ele economize. Em tese, a conta mais cara sinaliza que é hora de gastar menos, mas relatório do TCU publicado em 2018 apontou que o mecanismo tem pouco efeito na economia de energia. Além disso, a taxa vale igualmente para todos: quem economiza não ganha um desconto extra, e quem gasta demais não tem uma punição adicional.
A bandeira é um instrumento que sinaliza o custo da fonte de energia, mas não é suficiente [para o momento atual]. Elas têm esse objetivo de arrecadação e também de sinalização [para o consumidor], mas essa sinalização é parcial e atrasada. Só o aumento da bandeira não vai promover redução de consumo. É preciso ser muito explícito com o consumidor, dizendo que ele precisa economizar.
Diogo Lisbona, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura, da Fundação Getúlio Vargas
Já os programas de redução de consumo , que sinalizar mais claramente ao consumidor que ele precisa gastar menos, são voluntários, e não obrigatórios.
No caso da indústria, o levantamento da CNI aponta que o programa do governo deve ter pouca adesão .
Em 2001 , quando houve racionamento, o governo governamental uma meta de economia para quem consumia mais de 100 kWh mensais. Quem não atingisse uma redução esperada tinha uma sobretaxa na conta de luz, que variava: para contas de energia com mais de 200 kWh, a sobretaxa era de 50% sobre o que excedesse esse nível; em contas acima de 500 kWh, uma sobretaxa era de 200%.
Segundo Diogo Lisbona, cobrar mais de quem não reduzir ou aumentar o consumo poderia ser mais efetivo, além de ajudar a pagar os custos extras de operação e o bônus para quem economizar.
O governo transmitir que a redução de consumo é inadiável foi importante, mas como medidas podem ser insuficientes. Estamos atrasados na comunicação. Uma campanha tem que ser muito forte e enfatizar a redução nos horários de ponta [à tarde e à noite].
Diogo Lisbona
Para Luiz Eduardo Barata, um programa voluntário funcionaria se houvesse uma campanha ampla de sensibilização da população.
Mas não cria que sejamos capazes de realizar [essa campanha ampla]. Para que houvesse algum resultado expressivo, a medida deveria ser compulsória.
Luiz eduardo barata
Falta de transparência
O governo, entretanto, tem evitado o uso da palavra racionamento. Na terça-feira (31), por exemplo, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, pediu que as pessoas economizem , mas afirmou em coletiva de imprensa que não trabalha “com a hipótese de racionamento”. Na quinta (2), em entrevista , o ministro afirmou que “é difícil prever o futuro”, mas que o governo trabalha com um cenário em que não será preciso fazer racionamento em outubro e novembro.
Já o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que há possibilidade de racionamento e que a crise pode perdurar por anos , até que a capacidade dos reservatórios seja recuperada.
A comunicação é dúbia, o governo não fala abertamente dos riscos. Até admite que há uma crise, mas em seguida minimiza. É um espírito negacionista, de negar a crise enquanto dá. Mas chega uma hora em que a situação fica aos olhos de todos.
Luiz eduardo barata
A questão principal é que é impopular falar de racionamento, especialmente em uma conjuntura de pandemia , índice e índice de informações .
A gente está discutindo a crise hídrica há meses, vendo a situação piorar. A questão é que há muitas crises envolvidas: econômica, política, e a eleição do ano que vem. Falar em racionamento de energia é impopular.
Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores
Demora para agir
Roberto Araújo, engenheiro aposentado de Furnas e diretor do Instituto Ilumina, afirma que há uma “tentativa de culpar São Pedro”, mas que faltou planejamento.
A gente vem assistindo, desde 2014, um esvaziamento constante dos reservatórios. Já acarretamos avisados de que teríamos problemas.
Roberto Araújo
A situação vem se agravando . Em agosto, o ONS divulgou nota técnica em que aponta para um volume de chuvas ainda pior do que o esperado, principalmente na região sul.
Segundo dados do órgão, escrito em 1º de setembro, o subsistema Sudeste / Centro-Oeste está com apenas 21,10% do volume útil nos reservatórios. Não Sul, o armazenamento está em 27,23% da capacidade.
A gente está muito no limite, e desde 2014 há uma sinalização do problema. No curto prazo, a margem de manobra é muito pequena, então a gente fica refém. Mas não longo prazo é possível solucionar o problema instalando novas fontes de geração [como eólica e solar].
Paulo Henrique de Mello Santana, professor da Universidade Federal do ABC
O que dizem o ONS e o Ministério de Minas e Energia
Em nota, o ONS afirmou que está tomando “todas as medidas técnicas e operacionais cabíveis” para manter a continuidade do fornecimento de energia. O órgão não comentou a possibilidade de apagão.
O Ministério de Minas e Energia destacou a diversificação da matriz energética do país desde 2001, com investimento em outras fontes de energia para minimizar a dependência das hidrelétricas.
A nota encaminhada ao UOL afirma ainda que o país possui um “sistema de transmissão robusto”, que permite que os consumidores possam usufruir da energia gerada em outras regiões do país.
Segundo o órgão, o governo federal tem agido de forma rápida, “explorando todas as medidas ao seu alcance, o que permitirá passar o período seco de 2021 sem impor aos brasileiros um programa de racionamento”.
“O Ministério reitera, com transparência, que este é o momento em que cada um tem que fazer a sua parte, governo e sociedade, buscando o uso racional dos recursos hídricos e da energia elétrica, permitindo que todos nós passemos por esta conjuntura crítica com serenidade e sem alarmismos. “
www.economia.uol.com.br /Giulia Fontes