Com a avalanche de crimes contra as mulheres no país, foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha – primeira lei específica para punir as violências contra as mulheres no Brasil – considerada umas das melhores do mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A Lei 11.340/2006 foi batizada de Maria da Penha em homenagem à biofarmacêutica com esse nome, que suportou agressões do companheiro por 23 anos. A última foi uma tentativa de feminicídio, na qual ela se fingiu de morta e com a chegada da polícia denunciou o então companheiro. Maria da Penha ficou tetraplégica com o tiro que levou. Isso não a impediu de seguir lutando pelos direitos das mulheres e contra a violência.
Tanto que em 1998, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por negligência em relação à violência de gênero. Mas somente com Lula na Presidência, é que a lei foi criada.
Nesses 15 anos de vigência, o que mudou na vida das brasileiras? Para Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (ICTB), “a Lei Maria da Penha deu mais segurança às vítimas para denunciarem os seus algozes”, além de acarretar “uma série de medidas para a proteção, acolhimento e atendimento para as vítimas de todos os tipos de violência”.
A juíza do Trabalho, Valdete Souto Severo afirma que essa lei “tem feito uma diferença muito grande para a vida das mulheres, inclusive na perspectiva simbólica, proporcionando a visibilidade do problema da violência para que possam denunciar a agressão no âmbito doméstico”.
Ela faz algumas ressalvas, principalmente no mundo do trabalho porque a Lei Maria da Penha possibilita o afastamento da vítima, mas esse direito “não tem sido utilizado na Justiça do Trabalho porque as mulheres não têm as garantias sobre a despedida, portanto, ficam com medo e não falam sobre a violência doméstica no ambiente de trabalho”.
Além disso, “a lógica da alienação parental, que pesa, muitas vezes sobre as mulheres que denunciam os seus companheiros agressores, cria uma situação de serem questionadas quanto à sua capacidade para estar com as crianças e a sua relação com o companheiro agressor”, afirma.
“Uma das grandes mudanças implementadas com a Lei Maria da Penha foi a criação de uma rede de atendimento especializada às vítimas desse tipo de violência, como promotorias, delegacias e varas que lidam exclusivamente com isso. Este é um dos itens mais significativos que mudou nos últimos 15 anos”, acredita Débora Nunes Henrique, secretária da Mulher da CTB-RJ.
Celina conta também que a Lei do Feminicídio (13.104/2015), sancionada pela então presidenta Dilma Rousseff, colaborou para o avanço da legislação e proteção da vida e dos direitos humanos das mulheres no país. “A possibilidade de punição levou medo aos homens e deu coragem às mulheres para denunciar, embora, o Estado brasileiro ainda se furte de agir contra a violência de gênero no país”, garante.
Principalmente a partir do golpe de Estado de 2016, assegura Berenice Darc, secretária de Relações de Gênero da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Inclusive, com “o atual governo a Lei Maria da Penha vem sofrendo alterações em prejuízo das vítimas e, dificultando as denúncias”.
Ela cita as leis 13.827 e 13.836, ambas de 2019, que dificultam a aplicação de medidas protetivas de urgência às vítimas, com humilhações sobre as denúncias. “Desde a sua posse, em janeiro de 2019, presidente Jair Bolsonaro não escondeu a sua misoginia e a intenção de proteger os agressores de mulheres”, alerta Berenice.
Os números do Ligue 180 comprovam o crescimento de denúncias de violência de gênero no país. Foram registradas 46.423 denúncias de violações em 2006, já em 2015 foram 634.862. E em 2020, em plena pandemia, aconteceram 694.131 denúncias com o número recorde de medidas protetivas, 294.440 emitidas.
“Com certeza, a Lei Maria da Penha é a lei de proteção dos direitos humanos e à vida, mais conhecida que temos”, acentua Berenice. “Ela criou mecanismos de proteção às mulheres”, mas “ela sozinha não dá conta do recado” porque “é fundamental aprimorar os mecanismos de denúncia como o Ligue 180 e o Disque 100, além de fomentar o número de delegacias da Mulher em todo país”.
Para Berenice, “é necessário reforçar esses mecanismos em todos os municípios, com centros de referência de mulheres, delegacias, centros de proteção, casas abrigo, a Casa da Mulher Brasileira”, entre outros mecanismos “abandonados pelo governo federal”. Mas “nós estaremos sempre vigilantes para que a lei seja mais divulgada e respeitada, com a punição dos abusadores”.
De todo jeito, a Lei da Maria da Penha trouxe importantes avanços. “Foram feitas alterações importantes no sentido de definir a violência doméstica e familiar, não ficando somente na violência física, mas também a psicológica, a patrimonial e todos os tipos que violentam os direitos da pessoa humana”, defende Heloisa Gonçalves de Santana, secretária da Mulher da CTB-SP.
“Na era Bolsonaro, que tem uma postura misógina, a situação se agrava porque seu governo legitima e incentiva a violência contra as mulheres, vide o ataque à deputada Maria do Rosário, quando ele declarou que só não a estupraria porque ela era feia”, reforça. Bolsonaro foi condenado a indenizar Maria do Rosário por essa violência.
Com a lei criada em 2006, foram criados Juizados Especializados e Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher, muito embora, “precisamos de mais delegacias 24 horas e de um funcionamento melhor da Patrulha Maria da Penha tanto na cidade quanto no campo”, define Aires Nascimento, secretária Adjunta da Mulher Trabalhadora da CTB.
Além do retrocesso causado pelo desgoverno Bolsonaro, a pandemia também alvoroçou a vida das mulheres, das crianças e dos adolescentes, com o isolamento social. Como mostra o levantamento feito pelo Datafolha para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública – Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil.
De acordo com a pesquisa, 17 milhões – 1 em cada 4 mulheres, acima de 16 anos – disseram ter sofrido algum tipo de violência nos últimos 12 meses. O 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado neste ano, mostra a ocorrência de 1.350 feminicídios em 2020, sendo 74,7% de mulheres entre 18 e 44 anos, 61,8% de negras e 81,5% dos crimes foram cometidos por companheiros ou ex-companheiros. No total foram assassinadas 3.913 mulheres no mesmo período.
Muito importante notar que houve uma denúncia por minuto sobre violência doméstica com 694.131 registros e o número recorde de medidas protetivas, 294.440 emitidas, 3,6% a mais do que em 2019.
Houve ligeira queda no caso de estupros, ficando em 60.460 registros, 14,1% a menos do que em 2019,mas aí há que se ressalvar a subnotificação. Para piorar, segundo o Anuário, 73,7% das vítimas eram vulneráveis ou não reuniam condições de consentir, 60,6% tinham até 13 anos, 86,9% eram do sexo feminino e 85,2% dos criminosos eram conhecidos das vítimas.
Para Débora, “o combate à violência contra as mulheres sempre constou da luta dos movimentos de mulheres, feministas, sindicalistas, trabalhadoras urbanas e rurais e continuará firme e forte até que todas nós possamos ir e vir e viver em segurança, livres e viver em paz”.
Conheça a íntegra da Lei Maria da Penha.
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Ligue 180, Disque 100
www.ctb.org.br/ Marcos Aurélio Ruy