Entenda a cadeia de aumentos que atinge de consumidores ao setor produtivo e coloca o Brasil em alerta
As projeções para a inflação este ano no Brasil vêm aumentando nos últimos meses e o país se distancia cada vez mais da meta estabelecida para 2021. O Boletim Focus mais recente estima inflação de 6,56% para este ano, o centro definido pelo governo é de 3,75%. A expectativa do mercado cresce há 16 semanas.
Para todas as brasileiras e brasileiros que vão ao mercado, precisam de gasolina ou pagam energia elétrica, a tendência apontada pelos dados já era óbvia. A sequência de alta nos preços atinge itens básicos, como energia, combustível e comida.
Muito desse cenário é impactado diretamente por ações do poder público. A crise foi potencializada pela pandemia, mas a realidade mostra que o país não estava preparado e não protegeu a própria economia para enfrentar a emergência sanitária de maneira mais sustentável.
Nesta semana, a série BdF Explica fala sobre a relação direta entre o bolso da população e as ações do governo de Jair Bolsonaro.
Para além do economiquês relacionado ao preço das commodities, à desvalorização do real e à demanda reprimida, há aspectos mais práticos nessa fórmula.
O básico
Para entender a alta dos preços no Brasil, não é possível excluir o fato de que a inflação tem atingido setores que são essenciais para quem produz e para quem consome. Em consequência, a variação para cima é registrada nos índices relativos a toda a cadeia.
O custo de produção mais caro chega às prateleiras e a alta do dólar faz com que seja mais vantajoso vender os produtos para o exterior, o que diminui a oferta no Brasil. Com isso é possível concluir que são necessárias medidas para toda a cadeia.
No Brasil que tem energia elétrica, combustível e alimentos com preço em expansão, a renda das trabalhadoras e trabalhadores é achatada. Ao mesmo tempo, sobem os gastos das fábricas, do comércio, da construção civil, da produção de comida e de todo o país.
O combustível
Somente em 2021 os reajustes de derivados de petróleo no brasil já levaram a gasolina a aumentar mais de 40%, o diesel 34% e o gás de cozinha 17%. Antes disso, a escalada nos preços já estava encaminhada.
Em 2018, por exemplo, houve registro de recorde histórico no valor da gasolina. De lá pra cá, as coisas só pioraram.
Um dos principais motivos para esses aumentos é a política de Preços de Paridade de Importação (PPI), adotada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), após o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) que o levou ao comando do país.
O PPI determina que os preços dos derivados sejam reajustados a partir da variação do mercado internacional. O preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha sobem junto com o dólar.
Existe capacidade no Brasil para produzir o necessário a toda a demanda interna. No entanto, o desmonte da Petrobrás torna essa realidade cada vez mais distante. Hoje, a estatal produz menos do que poderia e passa por um processo parcelado de privatização.
O efeito dominó da alta nos preços desses produtos tem potencial gigantesco no Brasil, país dependente de combustíveis fósseis para transporte de quase tudo.
Além disso, com acesso precário ao gás de cozinha, a população está cada vez mais sujeita á insegurança alimenta e à fome.
Os alimentos
Um estudo da consultoria Kantar, mostra que o aumento no preço da comida chegou a patamares tão impressionantes, que está mudando a dieta tradicional dos brasileiros.
Hoje, o consumo de alimentos entre as famílias de menor renda se resume cada vez mais a pães industrializados, salsichas e ultraprocessados.
A combinação histórica e nutricionalmente balanceada de arroz, feijão, proteína animal e salada está pesando no bolso. Ainda antes da pandemia, a alta do dólar fez as vendas de carne bovina para o exterior dispararem. Com pouco produto no mercado interno, os preços para o Brasil também escalaram.
Essa mesma desvalorização do real impactou nos preços do arroz e do óleo, por exemplo. Para os próximos meses, há expectativa do setor produtivo de alta também nas carnes de frango e porco e nos ovos.
Além do dólar, os custos de produção também aumentam, impactados pela alta na energia e no combustível e pelos preços recordes do milho e da soja, usados na alimentação de criações.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) já prevê alta nas carnes de frango, porco e nos ovos por esse motivo.
O processo de mudanças climáticas também tem peso na alta dos alimentos. No Brasil de hoje, ele é responsável pela seca mais forte em mais de 90 anos. O cenário deve encarecer o preço do leite, por exemplo, que depende diretamente do regime de chuvas.
Se o país tivesse uma política de incentivo e apoio à agricultura familiar, a solução para o abastecimento interno a preços justos estaria colocada. Mas o setor não conseguiu nem mesmo auxílio para enfrenta a pandemia.
A energia
Para completar o combo dos preços estratosféricos, o brasil vive hoje uma das crise de energia mais graves da história. O valor da conta de luz já está na bandeira mais alta possível e essa bandeira teve reajuste no mês de julho, em uma tentativa de conter o consumo pelo bolso da população.
Novamente o problema é causado pelas mudanças ambientais e pela estiagem histórica. Especialistas afirmam também que não houve preparo para enfrentar o período e que a política energética do brasil hoje privilegia os lucros das empresas.
A energia mais cara já aumenta consideravelmente os custos de produção de tudo. Se, além disso, houver apagões, o prejuízo aumenta. Para completar a fórmula trágica, com geração insuficiente, o governo precisou acionar as termoelétricas, que são mais poluentes.
Na crise energética de 2002, uma saída usada pela gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi ampliar os investimentos da Eletrobrás. Com Bolsonaro no Palácio do Planalto, a empresa foi privatizada.
O futuro
Frente a esse cenário, o orçamento das famílias brasileiras está cada vez mais achatado. Segundo em junho, a população brasileira completou uma ano sem ganho real na renda, segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
O Banco Mundial prevê que os efeitos da crise sobre os salários no Brasil vão durar nove anos. No relatório “Emprego em crise: Trajetórias para melhores empregos na América Latina pós-Covid-19”, a instituição alerta que, quando há perda de emprego em larga escala, a recuperação é mais lenta.
Atualmente, há mais de 14,8 milhões de pessoas sem trabalho no Brasil, 14,7%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
www.brasildefato.com.br /Nara Lacerda