O médico e neurocientista Miguel Nicolelis disse hoje, durante a participação no UOL Entrevista , que o Brasil já começa a entrar em uma terceira onda da pandemia da covid-19 e, segundo ele, o país não terá condições de lidar com o potencial aumento nos números de contágios e mortos pela doença.
Temos um sistema de saúde que tomou dois tsunamis na testa, mal sobreviveu, e está em uma situação de que, se vier um terceiro [tsunami], nós não temos medicamentos, não temos leitos, não temos equipes de UTI. Não temos condição de dar conta de uma explosão. E não temos vacina.
Na entrevista, conduzida pelos jornalistas Fabíola Cidral e Lúcia Helena, Nicolelis pontuou ainda que, no Brasil, as ondas da pandemia acontecem em um formato de “escada”, com uma estabilização dos números de mortos e doentes em valores ainda muito altos.
“Tem a primeira onda, chega a um platô, desce um pouquinho do platô e boom, explode a segunda rampa, passando para o próximo degrau. Aí você fica no platô de novo, desce um pouquinho e tudo leva a crer que vamos começar a ter um terceiro platô “, explicou.
“O meu medo”, afirmou o médico, “é que a gente está menosprezando o que houve na Índia e os riscos de uma terceira onda no Brasil”.
‘Sopa de mutações’
Na Índia, a falta de controle sobre o vírus levou a um colapso sanitário e funerário em todo o país. Nicolelis ressaltou que a explosão de contágios leva invariavelmente a uma “sopa de mutações”. “Se uma mutação favorece a transmissibilidade do vírus, ela começa a ganhar a corrida”, disse.
Assim como foi identificada uma variante do coronavírus na região de Manaus, outras mutações já encontradas na Índia. Uma delas, uma cepa indiana B.1.617.2, já foi identificada no Brasil, no estado do Maranhão. O governo do estado confirmou, ontem, os seis primeiros casos no país. Mas, para Nicolelis, o Maranhão não deve ser uma única “porta de entrada” no país para a variante indiana.
“A grande preocupação era evitar que essa variante chegasse ao Brasil porque tem transmissão um estrago tremendo na Índia. A identificação case primeiros casos no Maranhão necessário que, primeiro: não deve ser uma única porta de entrada; imagino outros relatos nos próximos dias, mas gera uma preocupação muito grande porque é uma variação de interesse “, afirmou.
O neurocientista, que, como o Brasil renunciou a fazer o monitoramento e rastreamento de casos por testagem, não é possível saber se já há outros casos de contaminação por cepa indiana no país.
“Se você tem uma porta de entrada, um porto, aeroporto conectado a um hub rodoviário, é uma questão de dias para espalhar uma nova variante”, disse. “Foi o que aconteceu: uma variante que aparece na Califórnia apareceu em Minas Gerais antes de chegar na costa leste americana”.
Nicolelis também disse acreditar que a cepa indiana não será a última a ser descoberta nesta pandemia. “Ela é a pauta do momento. Vamos ouvir ainda falar de outras variantes vindas da Índia e do Brasil”.
Variantes, vacinas e medidas
A OMS (Organização Mundial da Saúde) informou ontem, por meio de um comunicado, que as vacinas já desenvolvidas contra o coronavírus são eficazes contra todas as novas variantes do vírus. Apesar de dizer que esta é uma “boa notícia”, Nicolelis não ser dificil que uma dessas novas cepas desenvolva novas mutações e escapar da cobertura das vacinas.
Ele explicou que a linhagem da variante indiana, identificada pelo prefixo B.1.617, já tem três versões diferentes: a B.1.617.1, a B.1.617.2 e a B.1.617.3. As mutações acontecem principalmente na responsabilidade pela ligação do vírus com a célula humana.
“Para que ela [a cepa] pode gerar algo que pode escapar da cobertura das vacinas, não é algo difícil. Existe uma probabilidade e existe essa preocupação. Quanto mais variantes com alta transmissibilidade existem em um caldo de cultura, que o Brasil e a Índia se transformaram, maior a chance de gerar uma variante que escape da cobertura “, disse.
A OMS fez um alerta para o Brasil, quer saber se o país está fazendo. Nós não vamos sair dessa crise sozinhos, nenhum país vai sair da crise sozinho. Ou nós saímos todos juntos, ou não saímos.
O médico ainda criticou uma medida anunciada pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção) dos Estados Unidos, que liberou pessoas que completamente vacinadas de usarem máscaras em ambientes externos no país. “É muito cedo”, afirmou Nicolelis, que classificou o parecer como “completamente estranho”. “Não sabemos o que vai acontecer”.
Consumismo e instinto de importantes
O neurocientista relacionou a dificuldade de as pessoas cumprirem com medidas de isolamento ao modelo de vida que, principalmente no mundo ocidental, prioriza o prazer e o consumismo.
No mundo ocidental, é como se o hedonismo e o consumismo tivessem se transformado em algo mais relevante para uma espécie humana que o instinto de áreas.
Para ele, nós “criamos uma sociedade em que certos comportamentos são tão poderosos em sincronizar a mente das pessoas que, mesmo confrontados com o risco mortal, elas não conseguem sair do chamo dessa ‘rede cerebral’, essa rede de cérebros que se sincroniza em uma visão do mundo do que é a vida “.
“E os riscos de um vírus que está matando milhões mundo afora não são equiparados, na mente dessas pessoas, com o prazer, com o comportamento que traz felicidade, excitação, seja o que for”, afirmou.
www.noticias.uol.com.br /Ana Carla Bermúdez, Andréia Martins e Felipe Oliveira do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL