O presidente Jair Bolsonaro atacou, neste Primeiro de Maio, Dia do Trabalhador, uma emenda constitucional criada, em 2014, para combater o trabalho escravo contemporâneo. Ela prevê uma expropriação de imóveis rurais e urbanos flagrados com esse tipo de crime. Ironicamente, ele votou a favor da emenda, quando era deputado federal, em 2004.
“Quando o momento se fizer oportuno, melhor, juntamente com a [ministério da Agricultura] Tereza Cristina, que está do meu lado aqui, nós devemos sim rever uma emenda constitucional 81, de 2014, que tornado vulnerável a questão da propriedade privada. É uma emenda que não foi regulamentada e com toda certeza não será regulamentada em nosso governo. Nós precisamos alterar isso que foi feito em 2014, tornando vulnerável a questão da propriedade privada “, afirmou em um pronunciamento, em vídeo, para empresários do agronegócio.
Passa, dessa forma, uma mensagem sobre ao lado de quem ele prefere estar. E não é trabalhador pobre, muito menos do agricultor e do pecuarista que operam dentro da lei e, por isso, evidência desleal e dumping social de quem escraviza e corta custos ilegalmente.
Bolsonaro não conseguiria revogar, pelo menos não neste governo, a emenda constitucional. A promulgação da PEC do Trabalho Escravo, que deu origem à emenda constitucional, em 2014, repercutiu em todo o mundo como um sinal de que o Brasil não tolera escravidão contemporânea.
Limar o texto representaria um indicador ao contrário, levando fundos de investimento trilionários a reverem seus investimentos do Brasil e manchando lá para a imagem dos nossos produtos, principalmente os de origem agropecuária e extrativista. Isso sem contar que parlamentares seriam duramente criticados por apologia ao trabalho escravo. Com isso, o governo não conseguiria 308 deputados federais e 49 senadores para endossarem a ideia.
Bolsonaro sabe disso, mas quis fazer um aceno a uma parte de sua base.
O problema é que apenas uma parcela pequena e arcaica do agronegócio ainda ataca medidas como essa, de efeito dissuasivo, voltadas ao combate ao trabalho escravo. Nesse sentido, ele faz um desfavor a quem opera dentro da lei ao apresentar essa pauta como se fosse de interesse extremo dos produtores rurais que participam da 86ª edição da Expozebu, em Uberaba (MG), alvo do pronunciamento deste sábado. A imagem que fica é como se ele estivesse prestando conta de um deles.
Bolsonaro votou a favor da emenda constitucional em 2004
O presidente afirmou, em live, na noite de 12 de novembro do ano passado, que, enquanto deputado federal, votou contra o confisco de propriedades rurais e urbanas de quem utiliza trabalho escravo. Contudo, os registros da Câmara dos Deputados mostram que ele votou a favor da proposta no primeiro turno, em 2004, e estava ausente no segundo, em 2012.
A emenda alterou o artigo 243 da Constituição Federal, que já previa o confisco em caso de cultivo ilegal de plantas psicotrópicas, como maconha, elaborando o trabalho escravo.
Bolsonaro votou a favor da matéria no primeiro turno em 11 de agosto de 2004 . Ela corria na Câmara sob a numeração de PEC 438/2001. Naquele dia, todos os partidos e bancadas recomendaram a aprovação da emenda e 326 deputados votaram a favor. Mesmo com a orientação, dez parlamentares se posicionaram contra, a maioria ruralistas, e oito se abstiveram.
A chamada PEC do Trabalho Escravo levaria oito anos para ser analisada e aprovada em segundo turno na Câmara, em 22 de maio de 2012. O presidente sugeriu, ao vivo de 12 de novembro, que na segunda votação, deputados entendido o teor do texto e votado contra. Na verdade, ela teve uma aceitação ainda maior: foram 360 favoráveis, 29 contrários e 25 abstenções.
E, ao contrário do que afirma, o registro de votação não indica sua presença no plenário .
Plano de governo do candidato Bolsonaro já criticava essa lei
Não é a primeira vez que o presidente critica a emenda. Em outras ocasiões, ele já havia dito que ela criou um problema sério para uma família dos proprietários que podem perder o imóvel, mas sem demonstrar uma mesma solidariedade com os trabalhadores escravizados.
Em seu programa de governo, o então candidato Jair Bolsonaro propôs revogar a emenda, que é considerada a principal legislação aprovada, nos últimos anos, para o combate à escravidão.
A promulgação da 81/2014 ocorreu após dois turnos de votação no Senado Federal e 19 anos de trâmite desde que a ideia foi apresentada pela primeira vez no Congresso. Até agora, contudo, ainda não foi regulamentada. As propriedades confiscadas seriam, pela emenda, destronada à reforma agrária e ao uso habitacional urbano.
A limitação é importante porque vai estabelecer qual o devido processo legal para o perdimento das propriedades. Pelos debates realizados no Congresso, o mais provável é que decorrente após condenação judicial com trânsito em julgado e não afete quem alugava ou arrendava imóveis e não tinha conhecimento das atividades de seus inquilinos. Ou seja, não seria a decisão final de um auditor fiscal, mas contaria com uma decisão judicial de última instância.
O Ministério Público do Trabalho já vem pedindo sua aplicação em casos, como no Estado de São Paulo, mesmo sem a localidade.
Trabalho escravo hoje no Brasil
De 1995, quando o Brasil reconheceu diante das Nações Unidas a persistência do trabalho escravo em seu território e o governo federal criou o sistema nacional de verificação de denúncias, até o final do ano passado, cerca de 56 milhões de trabalhadores foram resgatados segundo dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao esgotamento completo dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
Trabalhadores têm sido encontrados em fazendas de gado, soja, algodão, cana, café, frutas, erva-mate, batatas, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis. A pecuária bovina é a principal atividade econômica flagrada com trabalho escravo desde 1995.
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