Levantamento inédito feito pelo Condege (Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais) e pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro mostra que os negros representam 83% dos presos injustamente depois de reconhecimento fotográfico. Os resultados foram divulgados pelo Fantástico, da TV Globo, nesse domingo (21.fev.2021).
O programa investigou como funcionam os “catálogos de suspeitos” nas delegacias brasileiras. O reconhecimento por fotografia é, em muitos casos, a única prova existente contra um possível criminoso.
De 2012 a 2020, foram presas 90 pessoas depois de identificação fotográfica e posteriormente inocentadas. Elas ficaram, em média, 9 meses na prisão. De acordo com o Fantástico, não havia nenhuma prova contra elas além da foto presente no catálogo.
“O reconhecimento por fotografia vem sendo feito sem nenhum tipo de critério, sem nenhum protocolo mínimo no qual as pessoas saibam como são montados esses catálogos”, disse Álvaro Quintão, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Organização dos Advogados do Brasil) do Rio de Janeiro.
“Em algum casos, eles [os responsáveis por montar os catálogos] vão às redes sociais. Por que vão às redes sociais? E por que aquele perfil é escolhido nas redes sociais?”, questiona.
O perfil da maioria dos condenados injustamente por meio desse método é o mesmo: jovens, pobres e negros.
“Sem dúvida, há uma orientação racial para a definição dos suspeitos no Brasil”, afirmou ao Fantástico o professor Samuel Vida, coordenador do programa de Direito e Relações Raciais da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
“Todo o sistema de Justiça está impregnado e contaminado pelo racismo institucional.”
Um dos casos apresentados pelo Fantástico é o de Jamerson Gonçalves, de 34 anos. Ele trabalha no Rio de Janeiro como instalador de TV à cabo. Sua foto está em um catálogo de suspeitos.
Jamerson conta que a 1ª prisão foi em 2017. Ele e um colega foram abordados quando saíam do trabalho e levados à delegacia. Lá, descobriu que era suspeito de matar um policial. Mesmo argumentando que estava trabalhando na hora do crime, ficou 11 dias presos.
Um ano depois, foi parado em uma blitz e informado que havia um mandato de prisão em seu nome. Ele era acusado da morte de outro policial e foi preso na hora. Ficou 1 mês detido. Foi inocentado mais uma vez, mas descobriu que estava sendo acusado de um 3º crime, roubo.
A vítima o havia apontado como o autor do crime a partir de reconhecimento fotográfico.
“E agora eu fico nessa sombra que a qualquer momento eu posso ser preso de novo por uma coisa que eu não fiz, simplesmente porque tem uma foto minha lá [na delegacia]”, disse.
Com medo, Jamerson contou que guarda provas de que esteve em todos os lugares por onde passou.
“Todo lugar que eu vou, eu tiro uma foto, filmo”, falou. “Eu tenho de criar esse álibi a meu favor, para mostrar que eu realmente sou um cara do bem, sou trabalhador, não sou bandido”.
Rodolfo Laterza, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, afirmou que desconhece casos nos quais o reconhecimento fotográfico seja a única prova condenatória.
Perguntado sobre os casos de erro no reconhecimento por meio de fotografia, ele disse que são “muito minoritários” dentro das milhares de investigações realizadas.
“Infelizmente, são falhas inerentes ao sistema.”
Em outubro de 2020, a 6ª Turma do STJ (Superior Tribunal de justiça) absolveu um réu de Santa Catarina e determinou que o reconhecimento fotográfico não pode ser a única prova para condenar um suspeito. A decisão, no entanto, não tem valor de lei e a Justiça não é obrigada a seguir a determinação.
www.ctbbahia.org.br/fonte: Poder 360