Cidades onde o número de beneficiários foi maior, também foi maior a geração de emprego formal. Pesquisador da Unicamp explica por que programas de distribuição de renda são fundamentais para o povo e economia
O cenário de agravamento da pandemia do novo coranavírus no Brasil acende um alerta para a importância de programas sociais de distribuição e garantia de renda para os brasileiros que ficaram, estão ou ficarão sem emprego nos próximos meses. Encerrado em dezembro de 2020 pelo governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), o auxílio emergencial, inicialmente de R$ 600,00 e posteriormente rebaixado pelo próprio governo para R$ 300,00, ainda que de valor pequeno, foi a garantia de sobrevivência de 67,9 milhões de pessoas e uma tábua de salvação na geração de emprego formais em municípios.
É o que mostra um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografa e Estatística (IBGE) com base em dados dos ministérios da Economia e da Cidadania. Em cidades onde o número de beneficiários foi maior, também foi maior a geração de emprego formal.
Em 357 dos 500 municípios com maior geração e vagas no mercado formal, o número dos beneficiários do auxílio emergencial estava acima da média nacional. O número representa 71,4% dos municípios que ficaram no topo do ranking do emprego na pandemia. O saldo positivo de vagas formais nesse período foi de 105 mil. Nas localidades em que o pagamento do benefício foi menor do que no total do país, houve um resultado negativo de 217 mil postos, o que demonstra que programas de distribuição de renda, como o Bolsa-Família e o auxílio emergencial, por exemplo, são essenciais para a manutenção da economia brasileira.
De acordo com o pesquisador do Centro de Estudos Sociais e Economia do Trabalho (Cesit/Unicamp), Dari Krein, é responsabilidade do Estado proteger os mais vulneráveis, e tanto o auxílio quanto os benefícios emergenciais durante a pandemia se mostraram essenciais para garantir que grande parte das pessoas pudessem sobreviver durante nesse período crítico.
Não dá pensar o futuro próximo sem alguma forma de proteção para as pessoas que estão mais vulneráveis na sociedade nesse contexto em que vivemos
“Sem o auxílio emergencial, talvez o caos social teria sido grande nesse tempo. Agora, vemos que o auxílio acabou e as pessoas estão indo para as ruas para fazerem qualquer coisa para terem renda, porque a situação de miserabilidade é forte”, diz Dari Krein.
Ele explica que a dependência do auxílio por parte da população é grande e o programa mostrou ter sido muito importante para garantir uma condição de as pessoas poderem sobreviver à pandemia.
“É fundamental a luta pela continuidade do programa, porque tudo indica que não teremos uma retomada da economia, pelo contrário, a pandemia se agrava e as atividades econômicas terão mais dificuldades de continuar”, ele alerta.
O nível do desemprego (14,6%), que hoje já atinge mais de 14,1 milhões de brasileiros, de acordo com Dari, deve continuar aumentando. Sem emprego, sem auxílio emergencial, sem renda milhões de brasileiros estarão jogados à sorte.
“Podemos ter um caos social. Por enquanto a sociedade ainda está ‘anestesiada’ em todos os sentidos, ou seja, sobre política, sobre a pandemia, mas a fome vai chegar a mais pessoas”, diz o pesquisador.
É fundamental e não é uma questão ideológica. É humanitária. Acabar com o auxílio emergencial nesse momento é algo desumano, falta de empatia com o conjunto da sociedade
Responsabilidade do Estado
Inerte desde o início da pandemia no enfrentamento à Covid-19, o Governo Federal continua afirmando que o país não tem condições de manter o auxílio emergencial. O Ministro da Economia, o banqueiro, Paulo Guedes, chegou a admitir a hipótese de manter o programa caso houvesse uma segunda onda do coronavírus.
De acordo com reportagem do Reconta Aí, Guedes, em reunião com investidores do Banco Credit Suisse, descartou que haja uma segunda onda, mesmo com todas as evidências, incluindo o caos no sistema de saúde de Manaus, em que pacientes morreram asfixiados por falta de oxigênio.
Guedes, Bolsonaro e o presidente da Caixa Federal, Pedro Guimarães, declaram na reunião que “eixo do governo para o enfrentamento dos efeitos da pandemia é o setor privado”.
E o povo…
Ainda que Bolsonaro continue ‘mirando proteção’ no setor privado, a restrição de acesso a recursos pelas pessoas mais vulneráveis provoca um efeito negativo na economia. Basta rever os dados do IBGE. Se houve geração de emprego nos municípios em que mais trabalhadores receberam auxílio emergencial, a história agora será outra. Sem renda, ninguém compra. Se empresa não vende, demite trabalhadores. E o bolo aumenta.
O agravamento da pandemia, que o ministro Paulo Guedes preferiu não ver, de acordo com Dari Krein, aponta um cenário ainda mais crítico do que o ano de 2020. “Continuar com o auxílio é fundamental”, ele reforça.
O pesquisador cita ainda uma realidade escancarada na maior parte dos municípios, em especial nas grandes cidades. “É só olhar as ruas cheias de pessoas vendendo qualquer coisa e gente dormindo ao relento”. É possível manter o auxílio emergencial e será um ‘alavancador ‘ da economia”, diz.
Dari também critica a política de ajuste fiscal adotada pelo governo – de manter o teto dos gastos públicos. E aponta que o caminho tem sido equivocado.
“Um dos problemas do Brasil na crise de 2016 foi que não houve um programa de distribuição de renda, pelo contrário, contribuiu para concentrar renda e com a política de controle dos gastos, dificultou o acesso a benefícios como seguro-desemprego, auxílio-doença, bolsa família e até mesmo a aposentadoria. Isso explica porque a economia tem enfrentado dificuldade de se recuperar”, diz Dari Krein.
A reforma trabalhista, aprovada em 2017 pelo governo Michel Temer e que flexibilizou as leis trabalhistas e retirou direitos, ele lembra, também reduziu a renda de quem trabalha. Os mais pobres foram os mais prejudicados e assim “se criou mais um ‘dificultador’ para a recuperação da economia”, além de aumentar a desigualdade social.
A excessiva concentração de renda é um grande problema e o aumento da desigualdade, em especial durante a pandemia, ele diz, é “intolerável”.
Relatório da Oxfam, divulgado nesta segunda-feira, mostra que os mil maiores bilionários do planeta recuperaram perdas em apenas nove meses, enquanto os mais pobres levarão 14 anos para se recuperarem.
Ainda de acordo com a Oxfam, os dez homens mais ricos do mundo, todos brancos, acumularam cerca de US$ 500 bilhões desde que a pandemia começou, valor que é mais do que suficiente para bancar a vacina contra a covid-19 para todo o mundo.
www.cut.org.br / Andre Accarini