Iniciativa global da Equipe Halo, da ONU, mostra o dia a dia dos pesquisadores em busca da vacina contra o coronavírus
Pesquisadores ao redor do mundo têm encarado um desafio diferente em meio à pandemia do novo coronavírus. Além de se dedicarem às análises e descobertas dentro dos laboratórios, os cientistas estão produzindo conteúdo sobre a covid-19 em redes sociais populares como Instagram, TikTok e Twitter para se comunicar com um público amplo de forma direta e didática.
A iniciativa é da Equipe Halo, uma ação global criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e outras organizações internacionais para apoiar e celebrar a colaboração científica em busca de vacinas seguras e eficazes. “Halo” significa auréola em português e representa o anel da ciência que circunda o globo.
Por meio dos populares aplicativos, os pesquisadores envolvidos no combate ao Sars-Cov-2 mostram seu dia a dia de forma voluntária e publicam vídeos nos quais contam histórias, explicam mais detalhes sobre as pesquisas, respondem perguntas do público, esclarecem boatos e informações incorretas.
O time reúne profissionais de diversos países e conta com a participação de seis brasileiros. Entre eles o imunologista André Báfica, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e diretor regional da Sociedade Brasileira de Imunologia.
“É um desafio adaptar o conhecimento científico de 50, 100 anos, no caso das vacinas, em apenas 60 segundos para o público”, afirma Báfica.
Em entrevista ao Brasil de Fato, ele detalha como está sendo a experiência de produzir conteúdo para as redes sociais.
“Nos meus posts tenho tentado fazer -uma mistura de informação com educação científica. A ideia é despertar o interesse na ciência usando o tema das vacinas para que os jovens possam compreender, por eles mesmos, a importância delas no controle das doenças infecciosas”, explica.
Coordenador do projeto Rede Imunovid, que tem o intuito de promover novas estratégias para o desenvolvimento do imunizante, ele relata que há uma boa receptividade do conteúdo por parte dos seguidores.
“Esse engajamento é um processo fundamental para que cientistas capilarizem conteúdo confiável e não autoritário para as pessoas. Precisamos ocupar esses espaços e naturalmente as pessoas compreenderão o que a nossa universidade produz e como a ciência é uma grande aliada das nossas vidas”, ressalta.
Novato no TikTok, como se autointitula, Báfica ficou positivamente surpreso com a rede social e sua grande abrangência, com cerca de 800 milhões de contas ativas em todo o mundo. “É uma rede super acessível e poderosa”, ressalta.
“A minha sistemática de preparação do conteúdo pro TikTok é, de certa forma, similar a uma aula. Eu fico imaginando o conteúdo sobre as vacinas, gero os vídeos, faço a edição e postagem nas redes. A minha ideia no futuro é usar alguns desses vídeos como lives nas aulas online”, comenta o pesquisador.
Os vídeos dos pesquisadores de todo o mundo estão reunidos aqui.
Os demais cientistas que integram o Team Halo são Natalia Pasternak, que atua como pesquisadora visitante do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo no Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas (LDV) e Gustavo Cabral, que lidera a pesquisa para o desenvolvimento do imunizante contra o coronavírus, assim como vacinas para chikungunya e zika vírus, no Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP).
Rômulo Neris, biofísico que estuda os mecanismos que fazem com que o nosso corpo desenvolva imunidade contra a covid-19 e a pesquisadora Jaqueline Goes, uma das responsáveis pelo sequenciamento genético do novo coronavírus dos primeiros casos surgidos na América Latina, também fazem parte do grupo.
Para o sexto integrante brasileiro do Team Halo, Wasim Syed, divulgador científico pelo Vidya Academics e União Pró-Vacina, o uso dos aplicativos desafia os pesquisadores a não utilizar o “academiquês”, deixando o conteúdo falado muito mais acessível.
Ele destaca que termos básicos usados pelo noticiário, por exemplo, não são compreendidos em sua totalidade por um público mais amplo. Exatamente por isso, tem se dedicado a explicar, por exemplo, o que são e como funcionam os testes clínicos, o que é uma vacina inativada e até mesmo para que serve uma vacina.
Os efeitos interativos disponibilizados pelos aplicativos são fundamentais para facilitar a compreensão e ampliar o alcance dos posts.
“Só de colocar uma foto atrás de uma vacina e falar em cima dela já chama muito mais atenção do que falar em um fundo branco atrás. É uma coisa que vamos aprendendo. Tem recursos novos que eles lançam todos os dias. É algo que precisamos acompanhar para adaptar de uma forma que não perca o conteúdo educativo”, diz Syed.
Abordar os assuntos de uma forma divertida, criando posts atrativos, também é uma receita que tem funcionado. Além disso, o fato de poder fazer o download do vídeo, seja no Instagram ou no TikTok, e em apenas alguns cliques compartilhá-lo no Whatsapp democratiza ainda mais a informação.
“Os vídeos que eu fiz sobre a história da vacina da poliomelite não tiveram tantas pessoas assistindo. Mas quando tem alguma piadinha, quando, por exemplo, produzi um vídeo em que estou conversando com o Zé Gotinha, tive 80 mil acessos em um dia. Foi o vídeo que mais explodiu no meu TikTok e consegui fisgar as pessoas para verem os outros conteúdos”, conta o pesquisador e estudante de Farmácia da USP Ribeirão Preto.
Epidemia das notícias falsas
As fake news sobre a vacina e sobre o próprio coronavírus têm circulado amplamente nas redes sociais desde a chegada da covid-19 no país.
Báfica relembra uma delas que parece até uma brincadeira – o que mostra a gravidade da situação, já que a narrativa é considerada verdade por parte da população.
“Me chamou atenção um comentário afirmando que as pessoas vacinadas com a vacina russa (Sputinik V) eram transformadas em zumbis. Foi interessante esse tipo de interação porque os próprios usuários responderam o questionamento. Fiquei observando na tentativa de mediar caso houvesse necessidade e não precisou”, relata o imunologista.
Wasim, por sua vez, se dedicou a escrever dois guias sobre o tema (Fake News e Como Identificá-las e Fake News e Vacinas) e acompanha de perto esse fluxo também em outros projetos como o União Pró-Vacina.
A partir desse acompanhamento mais próximo, o pesquisador não deixa de esclarecer as infornações falsas com base em evidências científicas em suas publicações.
“Tem vídeos em que eu explico porque as pessoas não estão sendo cobaias das vacinas, que tem que ser aprovadas antes de serem aplicadas na população. Falo que a vacina não vai vir com chip”, exemplifica.
“Recebemos fake news recicladas. Tem notícias falsas sobre a vacina da covid-19 que são do primeiro semestre, estão rodando até hoje e vão sendo adaptadas. O legal é que conseguimos descobrir esse padrão, dessa desinformação recorrente, e a partir disso criar uma imunidade em pessoas que podem ser expostas ou foram expostas às fake news”.
Por vezes, as desinformações são ecoadas por mandatários do governo, inclusive o próprio presidente, o que, segundo o pesquisador, potencializa o discurso anti-ciência.
Syed cita que no dia que Jair Bolsonaro declarou que a vacina contra a covid não seria obrigatória, por exemplo, os grupos anti-vacina se sentiram legitimados.
“É importante esse combate como estamos fazendo nas redes sociais mas é muito mais importante e efetivo mitigar esses produtores de conteúdo falso que estão na internet e todo mundo denuncia mas as redes não fazem nada”, critica.
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