A taxa de inflação de famílias com rendimento domiciliar inferior a R$ 1.650 chegou a 9,8% em setembro. A disparada dos preços atinge em cheio os mais pobres, como os que estão recebendo 50% a menos de auxílio
Enquanto o salário ou é reduzido ou não tem aumento real, os preços disparam e fica difícil até comprar produtos da cesta básica, como arroz, óleo de soja, carne e leite, o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL) reduziu pela metade o valor do auxílio emergencial pago a trabalhadores informais e desempregados durante a pandemia do novo coronavírus. Quando ampliou o pagamento até dezembro, Bolsonaro reduziu o valor de R$ 600 para R$ 300, contribuindo para tirar da mesa dos brasileiros vários itens básicos da alimentação.
Em outubro, a prévia da inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país, atingiu 0,94%. O dobro da registrada em setembro e a maior alta para o mês em 25 anos. A comida respondeu pela metade da inflação ao consumidor, com destaques para a carne bovina (4,83%) – item de maior peso entre os alimentos -, óleo de soja (22,34%), arroz (18,48%) e leite longa vida (4,26%).
Segundo o boletim Focus desta terça-feira (3), publicação divulgada todas as semanas pelo Banco Central (BC), as estimativas para o restante do ano e para o próximo são ainda piores. Para 2020, a previsão é de até 3,02% e para 2021 até 3,11%. Isso sem contar que, para o próximo ano, não está previsto mais nenhuma parcela do auxílio emergencial.
“Isso é uma injustiça e um descaso porque o salário não aumenta, o auxílio diminuiu, os preços só sobem e somos obrigados a comer menos e mal para podermos sobreviver”, lamenta a trabalhadora doméstica, Quitéria da Silva Santos.
“A gente vai na feira numa semana e na outra o valor já subiu, e não são centavos não, é mais de um real. Os produtos que custavam três reais passaram para quatro, de quatro passa pra cinco e vai subindo desesperadamente. E quem é assalariado? O que tem o salário no mesmo valor, sem reajuste, não tem condição de se alimentar da mesma forma que se alimentava”, complementou Quitéria.
De acordo com a trabalhadora, ela e o marido estão sobrevivendo de cestas básicas, porque o auxílio emergencial dele diminuiu e a aposentadoria dela, de um salário mínimo, nem vem completa porque vem com os descontos de vários empréstimos consignados que fez. O que sobra é para pagar aluguel, água, luz e o gás, explica.
“Antes já estava difícil, quando a gente estava recebendo auxílio de R$600, e agora que diminuiu está muito mais difícil. Os alimentos que a gente considera saudáveis para certa idade, como brócolis e couve-flor, não podemos comprar e estamos vivendo mais com batata doce e ovo. E tem pessoas que nem estão conseguindo comer”, diz Quitéria.
Se este desgoverno [de Bolsonaro] quer que a gente coma capim, tá faltando bem pouco para atender o desejo dele.
A taxa de inflação de famílias com rendimento domiciliar mensal inferior a R$ 1.650,00 chegou a 9,8% em setembro deste ano, três vezes superior à observada entre as famílias com rendimento superior a R$ 16.509,66 por mês, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicados pelo Estadão.
O preço dos alimentos sofreu um aumento de 9,75% entre janeiro e outubro de 2020. Considerados apenas os alimentos consumidos no domicílio, aqueles comprados em supermercados, o avanço de preços no ano foi de 12,69%.
A situação da diarista Maria Domingas Araujo Santos também ficou bem difícil depois da redução do valor do auxílio e da disparada de preços dos alimentos. E para piorar, ela não está recebendo mais a cesta básica que estava recebia no começo da pandemia.
“Sem trabalho e com R$ 300 de auxilio não tem como comprar quase nada no mercado e ainda tenho que pagar o aluguel. Ninguém consegue comer mais nem frango, agora só ovo e olhe lá. Está tudo um absurdo e a gente ainda sem poder trabalhar. Tá bem complicado”, disse Maria.
Os preços dos alimentos só voltarão a dar trégua no primeiro trimestre de 2021, quando houver uma recomposição da oferta de alimentos no País, disse ao Estadão, Maria Andréia, do Ipea.
“Essas famílias vão ter que ir ao mercado de trabalho para complementar essa renda, ou realmente vão ter que fazer um ajuste (no consumo). Vão ter que deixar de lado outras coisas que estão consumindo para manter os alimentos em casa. Em algumas famílias isso é possível fazer, e outras vão passar necessidades”, disse.
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