Além de eficácia contra a covid ainda incerta, número de doses das vacinas que deverão estar disponíveis no primeiro semestre de 2021 será insuficiente para toda a população
São Paulo – O Brasil tem hoje quatro protocolos de vacinas contra a covid-19 (infecção causada pelo novo coronavírus) em andamento para aprovação final da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): de Oxford (laboratório Astrazeneca), a chinesa Coronavac (da empresa Sinovac), Janssen-Cilag (da Bélgica), atualmente interrompida devido a reações adversas, e da parceria Alemanha-Estados Unidos (Pfizer/BioNTech).
Para a população brasileira espera-se que 186 milhões de doses sejam disponibilizadas no primeiro semestre de 2021. Do total, 100 milhões provêm da parceria com a Oxford e 40 milhões, do Instrumento de Acesso Global de Vacinas covid-19 (Covax Facility), liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que permite ao Brasil ter opção entre outras nove vacinas em desenvolvimento. Segundo a Fiocruz, com esse instrumento, um imunizante de eficácia e segurança comprovadas estaria ao alcance do país a partir de 2021. Outras 46 milhões de doses virão da Sinovac.
A Fiocruz prevê começar a produção própria da AstraZeneca e chegar a 165 milhões de doses durante o segundo semestre de 2021. Assim como a vacina de Oxford, o acordo do Instituto Butantan com a chinesa Sinovac prevê transferência de tecnologia.
O prognóstico do Butantã é produzir em torno de 100 milhões de doses no segundo semestre, afirmou Raul Machado Neto, diretor de Estratégia Institucional, em audiência pública realizada pela Comissão Mista de Acompanhamento das Medidas de Combate à Covid-19 nesta terça-feira (20), no Congresso. Também hoje, em reunião com governadores, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciou a compra das 46 milhões de doses da Coronavac junto ao instituto.
Fake news e vacina obrigatória
Na audiência do Congresso, Guilherme Werneck, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), destacou que os governos municipais, estaduais e federal “fazem pouco” para combater o grave problema das fake news que alimentam a população contrária a vacinas.
“Recursos devem ser colocados para esclarecer as pessoas com informação”, disse Werneck. Ele lembrou que a discussão sobre a obrigatoriedade ou não para as pessoas tomarem vacinas “está chegando” ao Supremo Tribunal Federal. A expectativa é que o tema da vacinação contra a covid-19 lote os tribunais.
O próprio presidente Jair Bolsonaro alimenta a polêmica e incentiva parcela da população a tomar posição contrária à imunização. “Ninguém pode, em hipótese alguma, obrigá-las a tomar essa vacina”, disse ele nesta terça.
Está pendente de julgamento no STF um caso que discute se os pais podem deixar de vacinar seus filhos menores de idade por convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais. O processo é movido por pais que se recusam a cumprir o calendário de vacinação vigente no país por serem adeptos da prática do veganismo – abstenção total de qualquer produto que tenha algum ingrediente de origem animal.
Ricardo Gazinelli, presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia, observou que, no primeiro ano da vacinação contra a covid (2021), a quantidade de doses disponíveis não vai ser suficiente para atender a totalidade da população.
Eficácia incerta
Ele lembrou que, como a eficácia das vacinas em desenvolvimento ainda é incerta, mesmo com a imunização, vai ser necessário que as pessoas continuem com o distanciamento, uso de máscaras e demais precauções.
Gazinelli também defendeu que a prioridade inicial devem ser os profissionais de saúde. “Quem está no front deve ser o primeiro grupo a ser vacinado”, defendeu. Mas, para ele, a questão sobre quais seriam os outros grupos deve ser levada a debate. Os testes indicam que a eficácia de vacinas para a população com mais de 60 anos pode cair para cerca de 50%, disse.
Com esse quadro, e levando em conta a carência de vacinas, pelo menos em 2021, ele questiona se as doses deveriam ser mesmo usadas para um grupo que responde menos (os de mais idade) ou para as pessoas que imunizam mais, o que fortaleceria a imunidade da população como um todo. “Um estudo sobre isso é importante para definir estratégias. Concentrar em áreas com alta transmissão”, afirmou.
De acordo com Juvenal de Souza Brasil Neto, diretor-adjunto da Anvisa, não existe um parâmetro fixo que determine, hoje, a eficácia das vacinas em desenvolvimento. “Usualmente, 70% é o parâmetro usado.”
A vacina russa
Segundo reportagem de O Estado de S. Paulo, o Brasil deve produzir doses da vacina da Rússia, a Sputnik V, “em larga escala”, a partir de dezembro. O anúncio foi feito na segunda-feira (19) por cientistas e autoridades russas, em entrevista coletiva. A informação foi confirmada pela farmacêutica União Química, responsável pela produção no país.
Brasil Neto, da Anvisa, não cita a vacina russa entre as quatro cujos protocolos estão em andamento na agência. “Estamos abertos a novos pedidos”, disse.