Exposição ao produto traz graves consequências à saúde dos trabalhadores da indústria do petróleo
No dia 5 de outubro foi estabelecida no Brasil uma data de luta contra a exposição ao benzeno. Há oito anos, a partir de uma plenária realizada pela Comissão Nacional Permanente de Benzeno (CNPBz), esta data é uma referência para lembrar das inúmeras vítimas desta substância tóxica e também alertar sobre novos casos.
Mas nem todos os governos estão preocupados com a saúde dos trabalhadores. Um exemplo disso pode ser observado quando, em agosto de 2019, por meio da portaria 972, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) extinguiu dezenas de comissões tripartites que atuavam para estabelecer condições dignas de saúde e segurança para os trabalhadores.
Entre elas estava a CNPBz, com mais de 20 anos de atuação, e que foi responsável pelo Acordo Nacional do Benzeno, assinado em dezembro de 1995.
Da mesma forma que a queda histórica na verba para a fiscalização trabalhista teve como objetivo diminuir entraves para ampliar a exploração do trabalhador, também o fim dessas comissões atuou contra as frentes de fiscalização e de controle da produção, causando impactos à vida da classe trabalhadora.
O benzeno é um dos compostos presentes em subprodutos do petróleo e quando inalado durante o manuseio sem a proteção correta, pode provocar intoxicação aguda, náuseas e dor de cabeça.
Além disso, segundo a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), é comprovadamente cancerígeno, causando linfomas e leucemias, entre outros tipos de câncer.
Segurança mínima
Há alguns anos, a então chefa da área de Programa de Câncer Ocupacional e Ambiente do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Ubirani Otero, em uma entrevista a um Blog do Ministério da Saúde, apontava que não há níveis seguros de exposição.
“Em relação ao benzeno, o Brasil trabalha ainda com nível de tolerância, o certo, o ideal é que o benzeno também seja substituído por outros produtos, ou que ele seja eliminado”, avaliou.
Apesar de não ter caráter deliberativo, as comissões eram fundamentais para que as empresas se preocupassem com o respeito aos parâmetros mínimos de segurança, afirma a doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora titular da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), Arline Arcuri.
“A comissão nacional visitava as empresas que eram cadastradas e autorizadas para o uso da substância de três a quatro vezes por ano. E tínhamos também as comissões estaduais, que mantinham uma vigilância ainda mais próxima. Tínhamos condições de acompanhar o uso do produto e observávamos que as empresas faziam várias coisas que não estavam acostumadas, aceleravam alguns controles, algumas mudanças de equipamentos. Mesmo sem podermos aplicar multa, existia certa pressão para que cumprissem acordos”, explicou.
Os grupos monitoravam e cobravam medidas de seguranças nas instalações, a implementação do Grupo de Trabalhadores do Benzeno (GTB) e do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), que acompanha as condições de saúde do trabalhador que é exposto ao produto e a outras substâncias cancerígenas
Ainda assim, ela avalia que a comissão precisaria de maior estrutura no acompanhamento da saúde das categorias envolvidas na produção, já que muitas companhias relutavam em reconhecer o nexo sobre aquelas que vinham a desenvolver problemas de saúde.
Passar a boiada
Mas se mesmo com a fiscalização os empregadores já relutavam em se adequar ao que é mais seguro, Arline teme que a partir da extinção da comissão a situação piore, ainda mais com o agravamento da crise econômica e a insegurança em relação aos empregos.
Para se ter uma ideia do impacto do produto, a pesquisadora afirma que um estudo acompanhado pela Fundacentro junto ao Inca indicou maior contaminação dos trabalhadores em lojas de conveniência dos postos de gasolina, porque permanecem a maior parte do tempo num ambiente com menor circulação de ar.
Porém, a pandemia, aliada ao corte na infraestrutura, impediu que a fundação realizasse as visitas a postos para avaliar com maior profundidade os impactos do benzeno.
Arline lamenta também a reforma trabalhista e o fim do Ministério do Trabalho, que culminou na extinção de secretarias e instituições ligadas à saúde e segurança do trabalhador. Para ela, a flexibilização ainda maior das normas trabalhistas, com a aprovação da terceirização sem limites, ainda no governo de Michel Temer (MDB), além da dificuldade de fiscalização, podem provocar uma epidemia de doenças do trabalho.
“Hoje quem produz benzeno são as grandes indústrias, do petróleo ou siderurgia. São empresas potencialmente perigosas porque trabalham com produtos inflamáveis. Portanto, para lidar com isso é preciso ter experiência e não é possível que aceitemos a terceirização nesta atividade, nem mesmo na manutenção, onde já vinha acontecendo. O número de casos de contaminação irá aumentar, mas não terão nexo, não terão registro, porque estarão sob o guarda-chuva das terceirizadas”, avalia.
Papel dos trabalhadores
Coordenador da regional Mauá do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro Unificado-SP), Auzelio Alves, ressalta que os trabalhadores têm buscado alternativas para cobrar a implementação de protocolos de segurança.
“Nas refinarias e terminais, o controle é feito por meio dos exames dos trabalhadores. Esse dia a dia é o que podemos fazer neste momento e também discutindo por meio da Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) essa questão, é um trabalho de monitoramento dos grupos de exposição”, explica.
Na avaliação de Arline, ocupar os espaços de participação social deve ser prioridade absoluta para as entidades dos trabalhadores.
“Os sindicatos deveriam reivindicar aumentar sua participação social no Ministério da Economia, onde se discute hoje as relações de saúde e segurança. O conselho curador da Fundacentro, por exemplo, era tripartite, havia cinco representantes trabalhadores e hoje temos apenas um. Não adianta participar de audiências públicas, porque o que é incorporado posteriormente daquilo que é falado é quase nada. O primeiro passo é reivindicar espaço de participação”, reafirma.
Memória
O Dia Nacional de Luta contra a Exposição ao Benzeno foi criado em homenagem ao técnico de operações da Refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão, Roberto Kappra.
Ele faleceu em 5 de outubro de 2004, vítima de leucemia mieloide aguda, doença ligada à exposição ao benzeno.
Kappra trabalhou 11 anos na refinaria e morreu aos 36 anos, 22 dias após serem detectados os primeiros sintomas da doença.
À época, a Petrobrás se recusou a reconhecer o nexo causal e a Comunicação de Acidente de Trabalho só foi emitida tempos depois.
www.sindipetrosp.org.br