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/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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O papel central da escola no enfrentamento do racismo

Crédito: Nathalie Bohm/Instituto Unibanco
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OBSERVATÓRIO DE EDUCAÇÃO – ENSINO MÉDIO E GESTÃO

A educação, enquanto elemento nevrálgico para qualquer mudança, é essencial no combate ao racismo, de modo que, sem uma educação efetivamente antirracista, não é possível pensar em uma sociedade igualitária

As manifestações antirracistas realizadas em todo mundo este ano apontam que, se queremos construir uma sociedade equânime, é necessário compreender qual o papel que cada estrutura socioeconômica desempenha na reprodução do racismo a fim de desenhar estratégias eficazes para o seu enfrentamento. A educação, enquanto elemento nevrálgico para qualquer mudança, é essencial nesse debate, de modo que, sem uma educação efetivamente antirracista, não é possível pensar em uma sociedade igualitária.

A educação é central tanto para a reprodução do racismo como para o seu enfrentamento.  “A educação sempre foi um campo de batalha para nós, negros”, enfatiza a filósofa Sueli Carneiro, criadora do portal Geledés, em entrevista para o vídeo “Gestão Escolar para Equidade Racial”, do Instituto Unibanco. A batalha começa ainda no século XIX, com a luta abolicionista, que já pautava o acesso à educação. A Frente Negra Brasileira, nas décadas de 1930 e 1940, permanece na construção de massivo processo para facilitar o acesso à educação, e o movimento negro, desde a constituinte até o presente, mantém-se nessa mesma luta.

O grande mito da democracia racial continua sendo reiterado quando até mesmo as imagens de luta e enfrentamento do racismo só são amplamente divulgadas se internacionais. O papel do movimento negro brasileiro na garantia do acesso à educação e na construção de uma agenda político-pedagógica rumo a um currículo e uma prática educacional antirracistas é central, garantindo nos últimos trinta anos conquistas fundamentais, como as ações afirmativas e a Lei nº 10.639/2003, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), tornando obrigatório o ensino da cultura e história africana, atualizada depois pela Lei nº 11.645/2008, que contemplou a história e cultura indígena.

Iara Pires Viana, geógrafa e gestora da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais, aponta que há uma relação intrínseca entre as desigualdades raciais e o direito de aprender. “Há quase uma ausência do debate racial no campo da Educação. E esse silêncio nos leva a crer que existe de fato uma democracia racial, é quase a sedimentação do mito da democracia racial. Mas os números revelam que não é assim”, explicou Iara durante a live “Desafios para uma educação antirracista | Gestão da Educação Pública em Tempos de Crise”, promovida pelo Instituto Unibanco.

Segundo Iara, os dados apontam que há uma entrada permitida a todos e todas, mas no decorrer do

processo de educação, as turmas vão clareando, há um processo de evasão de estudantes negros, principalmente, no Ensino Médio.

A gestora defende que o papel da Educação na não reprodução do racismo é denunciar a pedagogia das ausências, isto é, o racismo epistêmico, marcado em todo o processo de formação.  “Nas licenciaturas de Pedagogia muito pouco se ouviu falar de autoras e autores negros, pouco ouviu se falar da história da população negra e da constituição do povo negro no Brasil. Esse racismo epistêmico enaltece uma pedagogia das ausências. Por isso eu defendo que educadores e educadoras precisam fazer emergir uma pedagogia das emergências, assentada em um projeto político pedagógico emancipatório com três dimensões estratégicas: memória, denúncia e comunicação”, detalha Iara.

Como construir uma educação antirracista?

Promover uma educação antirracista vai muito além de simplesmente combater as manifestações materiais do racismo cotidiano, como ofensas e xingamentos. Apesar de positivas, as medidas que promovem a melhoria do clima escolar e a dissolução de conflitos com base em discriminação étnico-racial não bastam para a construção de uma educação efetivamente inclusiva e equânime. A educação antirracista implica necessariamente a revisão do currículo, garantindo sua pluriversalidade, bem como a composição de um corpo docente etnicamente diverso e formado em competências curriculares que abranjam a cultura e a história de povos africanos e ameríndios.

Ednéia Gonçalves, diretora executiva da Ação Educativa, destacou, em entrevista para o  Centro de Referências em Educação Integral, que não basta que as escolas tratem o racismo como um conflito interpessoal. É preciso compreender a sua dinâmica estrutural, promovida inclusive pela própria escola, quando esta não aborda a história e a cultura dos sujeitos e povos não brancos a partir de sua própria perspectiva. “As escolas trazem o racismo como uma questão entre duas pessoas, confundindo-o com bullying. Não o enxergam como um sistema que se retroalimenta e se reinventa”, complementa Ednéia. Vale ressaltar as características estruturais, institucionais e sistêmicas do racismo, que são base da nossa sociedade estruturada na discriminação e que privilegia pessoas brancas em detrimento das negras.

Assim, construir uma educação antirracista implica encaminhar os conflitos interpessoais, mas sobretudo reconhecer e valorizar as identidades e histórias de todos os sujeitos no ambiente escolar. Quando o currículo e o material didático só estão compostos de uma única perspectiva, na qual a história dos povos africanos e indígenas começa a partir da dominação e da escravização, há um silêncio estrutural que invisibiliza sua cultura e possivelmente desengaja os estudantes não brancos.

Sueli Carneiro destaca que o projeto brasileiro de nação é a recriação da Europa nos trópicos, de modo que a educação passa a ser reprodutora disso: “Se existe história, é o ocidente que construiu história; se existe civilização, é o ocidente que produziu; se existe conhecimento relevante, é o conhecimento produzido pelo ocidente. E todo esse processo de destituição das pessoas não brancas – dos negros em especial – da condição de ser sujeitos de conhecimento, sujeitos cognocêntricos, tem a ver com a própria destituição das pessoas negras de ser plenamente humanas e que chamo em minha tese de doutorado de epistemicídio, que é negar. Negar ao outro a capacidade de produzir cultura, conhecimento e de ser sujeito relevante. Isso é obra da escravidão, da colonização e que o pós-abolição não resolveu. A escola reitera isso, não é gratuito que nossas primeiras experiências de racismo ocorram na escola.”

Interlocuções África e Diáspora Africana

Nos últimos anos, gestores e educadores de todo o país passaram a colocar em prática iniciativas com o propósito de enfrentar a desigualdade étnico-racial na educação. Na construção de uma educação antirracista, é importante não apenas visibilizar essas iniciativas, mas compartilhar os conhecimentos adquiridos, as conquistas e desafios, contribuindo ainda mais para a equidade no ensino e na aprendizagem.

projeto Interlocuções África e Diáspora Africana,  desenvolvido no Centro Educacional Maria Santa, em Pau Brasil, na Bahia, estimulou um diálogo plural entre estudantes, professores, comunidade e o movimento negro, valorizando a cultura, a identidade e o pertencimento étnico racial através do enfrentamento dos estereótipos raciais e do preconceito. Além de pesquisar as origens africanas e indígenas de expressões usuais e cotidianas, os estudantes realizaram uma pesquisa sobre a formação da favela Pau-Brasil, refletindo sobre a relação centro/periferia e as desigualdades raciais.

Depois de atividades formativas com os professores, os mesmos passaram a desenvolver práticas voltadas ao fortalecimento da identidade negra e da autoestima dos alunos em parceria com o movimento negro. As atividades abordaram ainda a formação histórica das favelas, contrapondo as imagens estereotipadas dos territórios e populações afro-brasileiros. Reunidos em grupos de pesquisa, os estudantes foram provocados a repensar o território onde vivem e as favelas em sua composição cultural e criativa, para além do racismo territorial. Por fim, os estudantes remontaram, através de maquetes, as favelas em sua diversidade, provocando reflexões de pertencimento, fortalecendo a autoestima e a autoimagem positiva, de maneira interdisciplinar, envolvendo toda a escola.

A educação possui um papel transformador e central na sociedade, de modo que, se a construção de um ensino antirracista envolve múltiplas abordagens e perspectivas, isso se deve ao caráter estrutural e sistêmico que o próprio racismo possui em nosso cotidiano. Educar para a diversidade, enfrentando as desigualdades, é um desafio histórico que demanda escuta, atenção e compromisso com a equidade.

Veja mais

Conheça a curadoria de conteúdo que Ednéia Gonçalves, coordenadora da Ação Educativa, fez para a “Coleção Educação Baseada em Evidências, Gestão Escolar e Relações Étnico-raciais”,  do Observatório de Educação Ensino Médio e Gestão, do Instituto Unibanco. Acesse https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/em-debate/colecoes/detalhe/colecao-acao-educativa

Indicadores – Análise integrada desigualdade racial: diferenças entre negros e brancos de acesso, permanência e conclusão do Ensino Médio com qualidade e na idade correta

Desigualdade racial na educação brasileira: um Guia completo para entender e combater essa realidade

www.diplomatique.org.br / Observatório de Educação | Brasil por Instituto Unibanco

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