No Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha – neste sábado (25) -, em meio à pandemia do coronavírus, as mulheres negras promovem marchas virtuais para denunciar a necropolítica do atual desgoverno brasileiro.
“A importância do 25 de Julho na atual conjuntura é o enfrentamento direto contra um governo que explicitamente sempre se colocou de forma adversa às pautas essencialmente populares e substanciais para a vida do povo brasileiro”, destaca Mônica Custódio, secretária de Igualdade Racial da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
A data foi criada em 1992, durante o 1º Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, em Santo Domingo, capital da República Dominicana. Além de incorporar essa data ao calendário de lutas por direitos iguais, no Brasil, foi criado o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra em homenagem a essa importante liderança contra o escravismo.
Tereza se tornou um importante símbolo da luta contra o escravismo ao liderar, após a morte de seu marido Chico Piolho, o Quilombo de Quariterê, no século 18, no Vale do Guaporé, no estado do Mato Grosso atualmente.
“Importante conhecer a história de resistência à escravidão”, afirma Vânia Marques Pinto, secretária de Políticas Sociais da CTB, “com fortes movimentos pela classe trabalhadora da época para pôr fim ao sistema que oprimiu os seres humanos escravizados que sustentaram a economia colonial e imperial do Brasil por quase quatro séculos”.
A Unegro da capital paulista faz o seu evento no domingo (26), a partir das 15h, com a live Julho das Pretas ressignificando o monumento à Mãe Preta. O ato ecumênico cultural pode ser assistido pela página facebook.com/unegrospcapital/.
O dia 25 de julho se tornou uma data marcante para os movimentos de mulheres negras mostrarem à sociedade as adversidades enfrentadas “numa sociedade patriarcal e racista”, assinala Mônica. Por isso, ela ressalta a necessidade de “dar visibilidade à pauta das mulheres negras, que têm a pirâmide social sobre os seus ombros”.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres negras são mais de 55 milhões no país e chefiam mais de 40% das famílias negras e recebem, em média, 58% do que ganham as mulheres brancas. Em relação aos homens brancos, em 2019, elas ganhavam 66% a menos.
“Isso comprova a profundidade do machismo e do racismo na sociedade brasileira”, analisa Ana Paula Brito, vice-presidenta do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro. A pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça” mostra ainda que apenas 29,9% de mulheres negras ou pardas tinham cargos gerenciais no mesmo ano.
Além disso, o Atlas da Violência 2019, registrou 4.936 assassinatos de mulheres em 2017, sendo que 66% das vítimas foram as negras. Já na política, em 2018 foram eleitas somente 10 mulheres negras à Câmara dos Deputados. “Essa sub representatividade causa prejuízos enormes à maioria da população, principalmente sobre a criação de políticas públicas para combater as desigualdades gigantescas deste país”, diz Ana Paula.
Já Generosa Maria Lima, uma das organizadoras da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo deste ano, afirma que a pandemia da Covid-19 aguçou as desigualdades. “O racismo estrutural, que se desdobra no racismo institucional, resulta no alto índice de letalidade policial com mais de 70% de vítimas negras”, acentua. “Além das assimetrias imensas que a população negra tem no mercado de trabalho, especialmente nós, mulheres negras, que por mais qualificadas que estejamos, via de regra ganhamos menos e isso é absolutamente naturalizado em uma sociedade que se consolidou pela naturalização da exclusão das populações negras e indígenas de seus direitos fundamentais”.
Por causa da pandemia, a Marcha das Mulheres Negras de São Paulo neste ano ocorre virtualmente. Neste sábado (25), a partir das 14h a marcha pode ser acompanhada pelo facebook.com.mmnegrassp, com o tema “Nem cárcere, nem tiro, nem Covid. Corpos negros vivos. Mulheres negras e indígenas. Por nós, por todas nós e pelo bem viver”.
As organizadoras pretendem dar voz ao “levante que tanto nos orgulha”. Porque “a Marcha também é lugar de afeto, colo, aconchego, ainda que de forma virtual”, assinala Maria.
Por isso, de acordo com ela, “esta luta é prioritária para civilizar a nossa sociedade que, diante de tantas violações dos direitos humanos, permite que isso aconteça” e “por trás, está o patriarcado, o patrimonialismo e a manutenção de privilégios sociais e, sobretudo, econômicos”.
Segundo Maria, a pandemia deixa claro o racismo quando “temos as pessoas adoecendo de maneira igual, mas o índice de mortalidade é muito maior entre os negros”. Por isso, “precisamos nos organizar e pleitear melhores políticas públicas e exigir do Estado o papel dele na segurança das vidas, com acesso à saúde para todas as pessoas”. E “a valorização do Sistema Único de Saúde (SUS) é essencial para melhorar o atendimento à população negra”.
Ângela Guimarães, socióloga e presidenta da União de Negros Pela Igualdade (Unegro), “o dia 25 de julho representa uma importante conquista do movimento de mulheres negras, voltado para impulsionar uma reflexão sobre a situação das mulheres negras” porque “sabemos que o entrelaçamento das desigualdades raciais, de gênero e de classe resultam na permanência das mulheres negras na pobreza e nas piores ocupações no mercado de trabalho, maior exposição de nossas vidas à violência e sub representação nos espaços de poder”.
Ela destaca ainda que “no contexto da pandemia da Covid-19, que tem ceifado milhares de vidas devido ao descaso e irresponsabilidade do desgoverno Bolsonaro, também são as mulheres negras as mais atingidas pelo desemprego e pela pobreza”, principalmente “as que chefiam as famílias que moram nas habitações mais precárias e terminam por ser as mais atingidas pela violência doméstica e ainda correm o risco de perder seus filhos, sobrinhos e companheiros nas operações policiais que seguem matando, no Brasil, um George Floyd a cada 23 minutos”.
No Rio de Janeiro, a Marcha das Mulheres Negras também será virtual, no domingo (26), às 17h, pela página facebook.com/FEMNEGRASRJ/, do Fórum Estadual de Mulheres Negras do Rio de Janeiro, com o tema “Mulheres negras: resistência é nosso nome. Seguimos em marcha contra o racismo, pela saúde e pela vida”.
A presidenta da Unegro reforça a necessidade de seguir “exigindo políticas de trabalho e renda que incluam as mulheres negras, a aprovação de uma política de renda básica permanente para as mulheres desempregadas e em situação de pobreza extrema, fortalecimento das redes de atendimento às mulheres em situação de violência, fim das operações policiais nas periferias e ampliação dos mecanismos de participação das mulheres negras nos espaços de poder”.
Para Mônica, “a necessidade de dar visibilidade à pauta das mulheres negras ocorre para defender o bem comum que se apresenta pela autonomia política, resistência e denuncia do Estado mínimo para o povo brasileiro e máximo para 1% da população que detém cerca de metade da riqueza produzida no país”.
www.ctb.org.br / Marcos Aurélio Ruy