Ministro da Economia, Paulo Guedes, insiste na proposta que reduz impostos dos patrões e direitos dos trabalhadores. Para economistas da Unicamp e UFRJ, medida aprofundará recessão
O ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, não desiste de tentar aprovar sua proposta de criação da Carteira Verde e Amarela que beneficia os patrões reduzindo o recolhimento de impostos sobre a folha de pagamento em 20% e prejudica os trabalhadores e trabalhadoras diminuindo o valor do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e as verbas rescisórias. .
Em novembro do ano passado, o governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) editou a Medida Provisória (MP) nº 905, que criou o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, para, segundo eles, “facilitar” a contratação de jovens entre 18 a 29 anos.
Em abril deste ano, em plena pandemia do novo coronavírus, ao invés de encaminhar medidas de proteção à classe trabalhadora, o governo tentou convencer os parlamentares a aprovar a proposta. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, chegou a pautar a matéria, mas acabou suspendendo a sessão virtual da Casa no momento em que havia uma remota possibilidade dos senadores votarem a MP 905. Com isso, a MP perdeu a validade.
Para a CUT, foi uma vitória do movimento sindical que pressionou contra a aprovação desta MP que era, na verdade, uma dura minirreforma trabalhista, com muitos benefícios para os patrões e muitos direitos a menos para os trabalhadores e trabalhadoras.
Agora, três meses depois da MP 905 caducar, com a pandemia de coronavírus acelerada e fazendo milhares de vítimas em todo o país, com o desemprego atingindo mais de 12,7 milhões de trabalhadores e trabalhadora, fora os informais e por conta própria sem direito algum, Guedes voltou a carga.
Ele anunciou em audiência realizada na Câmara no dia 1º que a pandemia o fez “descobrir” um exército de 38 milhões de brasileiros e brasileiras, os chamados invisíveis, que se viram como podem, sendo que de 8 a 10 milhões deste total são realmente muito pobres. Esses trabalhadores são o alvo do ministro.
Para ele, as empresas podem contratar essas pessoas se tiverem menos encargos trabalhistas, o que pode ser tranquilamente traduzido por menos direitos trabalhistas.
A ideia é rechaçada tanto pela professora e doutora em Desenvolvimento Econômico e especialista em Trabalho da Unicamp, Marilane Teixeira, quanto pelo economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eduardo Costa Pinto porque, segundo eles, pagar menos direitos trabalhistas tira renda das famílias e, consequentemente, do consumo, o que pode aprofundar ainda mais a recessão e o desemprego.
A fala de Guedes de que só agora descobriu esse imenso contingente de brasileiros invisíveis demonstra que a equipe econômica do governo Bolsonaro não deve ter olhado os dados econômicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), afirma Marilane Teixeira.
“A última PNDA Contínua [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua] mostrou que 7,8 milhões de brasileiros saíram do mercado da força de trabalho, apenas entre abril e maio deste ano. Caiu de 93,8 milhões para 86 milhões. São pessoas que estão na idade de trabalhar e nem parecem nas estatísticas de desemprego porque elas nem estão procurando emprego, pois não conseguem, seja pelo isolamento social, seja porque desistiram neste momento sabendo que não há vagas”, diz a professora de economia.
De acordo com Marilane, bastava o ministro da Economia ter “dado um Google” para ver os resultados das pesquisas mensais, trimestrais e anuais que são feitas pelo IBGE. Ela diz que quem estuda o mercado de trabalho sabe que temos 25 milhões de brasileiros trabalhando por conta própria. Deste total, 33% não conseguem contribuir com a Previdência. Outros 11 milhões têm vínculo empregatício, mas não tem carteira assinada, e do total dos 86 milhões da força de trabalho, 1/3 ganham até um salário mínimo (R$ 1.045,00).
“São dados públicos visíveis. É óbvio que o governo pensa que a gente é burro porque é impossível eles não se preocuparem em analisar esses números“, critica a economista da Unicamp.
Marilane defende a tese de que somente o Estado é que pode induzir a retomada do crescimento, acabando com o Teto dos Gastos Públicos, que congelou os investimentos por 20 anos.
Essas saídas mágicas do governo Bolsonaro que envolvem sempre redução de direitos é mais uma justificativa para precarizar as relações de trabalho e atender os interesses do capital financeiro
Sem renda não há consumo
Para Eduardo Costa Pinto, a proposta de Guedes é mais uma prova de que o governo Bolsonaro só pensa no andar de cima e não é à toa que uma pesquisa Datafolha mostrou que mais de 50% dos empresários consideram o governo bom.
Para o economista da UFRJ, o empresariado brasileiro não está enxergando a longo prazo. O que pode representar um alívio para o fluxo de caixa agora, diz ele, vai provocar a quebra de empresas, pois sem renda não há consumo.
“A lógica do empresário é a de que se o outro quebrar eu assumo o mercado da concorrência, mas isto só privilegia as grandes empresas. O exemplo pode ser visto pelas grandes redes de serviços. Elas estavam crescendo 10% ao ano enquanto o mercado do país neste setor cresceu apenas 1%”, diz o professor.
O pequeno e médio empresário são os que quebram primeiro quando não há consumo e só há consumo se as pessoas tiverem renda para comprar. Quebrando essas empresas não há emprego
Marilane Teixeira concorda com a avaliação de que primeiro é preciso recompor as rendas das famílias para garantir o consumo e com isso garantir a retomada da atividade econômica .
“Ninguém vai contratar se não precisar, mesmo tendo um menor gasto com a folha de pagamentos. O dono do bar não vai contratar um chapeiro a mais, um garçom a mais se não tiver gente para consumir. A padaria fechada que mantém só o delivery já reduziu o seu pessoal e não vai contratar mais porque vai recolher menos pro INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] e o Fundo de Garantia. O governo vai prejudicar ainda mais o caixa da Previdência e o trabalhador vai ganhar menos”, acredita .
Os neoliberais acreditam que basta reduzir os custos da força de trabalho que os empresários contratariam, mas isto não tem lógica, diz Costa. Segundo ele, o empresário só contrata se esperar que a demanda vá crescer, como provou a reforma Trabalhista do governo Michel Temer (MDB-SP) que em todo o seu conjunto de mudanças reduziu os custos das empresas em detrimento dos direitos dos trabalhadores e não contribuiu para reduzir a taxa de desemprego no país, que atingiu os maiores patamares depois do golpe de 2016.
“Essa demanda do futuro depende da renda salarial. Reduzir direitos implica em reduzir os gastos das famílias e quem perde também adiante são as empresas. A Carteira Verde e Amarela atende a lógica do curto prazo. Ela só vai provocar mais adiante mais desemprego e recessão”, afirma o professor de economia da UFRJ.
“A desculpa de ajudar esses 38 milhões de invisíveis, sem carteira assinada, é a lógica do pensamento deste governo de que se eles [trabalhadores] não têm nada, vamos dar um pouquinho”.
www.cut.org.br