Nota técnica sobre a Medida Provisória 936/2020
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, em cumprimento do seu dever estatutário, na defesa dos direitos humanos e de cidadania de todos os trabalhadores brasileiros, apresenta posição CONTRÁRIA à aprovação da Medida Provisória nº 936, de 01 de abril de 2020, no seu inteiro teor, por conter vícios e inconstitucionalidade, registrando a respeito o seguinte:
– Ausência de Negociação Coletiva para Redução e Suspensão Contratual
A Medida Provisória n. 936/2020, em seu artigo 12, assim dispõe:
Art. 12. As medidas de que trata o art. 3º serão implementadas por meio de acordo individual ou de negociação coletiva aos empregados:
I – com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais); ou
II – portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Parágrafo único. Para os empregados não enquadrados no caput, as medidas previstas no art. 3º somente poderão ser estabelecidas por convenção ou acordo coletivo, ressalvada a redução de jornada de trabalho e de salário de vinte e cinco por cento, prevista na alínea “a” do inciso III do caput do art. 7º, que poderá ser pactuada por acordo individual”.
Verifica-se que a Medida Provisória sob análise permite que a redução e a suspensão contratual sejam negociadas individualmente, excetuando tão somente os trabalhadores que auferem salário entre R$ 3.135,00 (três mil, cento e trinta e cinco reais) e R$ 12.202,12 (doze mil, duzentos e dois reais e doze centavos), para os quais se exige a negociação coletiva tão somente quando houver suspensão contratual ou quando ocorrer redução salarial superior a 25% (vinte e cinco por cento) – ou seja, também para esses últimos trabalhadores, a medida provisória admite redução salarial por acordo individual.
Ao assim proceder, a MP 936/2020 padece de explícita inconstitucionalidade.
Com efeito, o art. 7, VI, da CF, prevê que é direito do trabalhador urbano e rural a “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”. Ora, se o artigo 7º, VI, da CF proíbe a redução salarial sem a negociação coletiva, por óbvio abrange a situação mais grave, de total supressão salarial, por intermédio da suspensão do contrato de trabalho.
No mesmo diapasão, a Constituição Federal, em seu artigo 7º, XXVI, CF, prevê que são direitos dos trabalhadores, urbanos e rurais, o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”.
Ao assim proceder, a Carta Magna reconheceu a importância dos sindicatos patronais e profissionais, na normatização de direitos aplicáveis às categorias profissional e econômica, notadamente aqueles relativos à fixação do salário, núcleo central do contrato de trabalho. A CF/88 não apenas reconheceu, como valorizou a negociação coletiva de trabalho, que, atenta às vicissitudes de cada categoria profissional, de cada localidade, disporá de forma mais adequada sobre as normas necessárias àquele grupo social.
A MP 936/2020, ao permitir, mediante acordo individual de trabalho, a redução salarial e de jornada e a suspensão contratual, também está na contramão do artigo 4º da Convenção 98 da OIT, aprovada pelo Parlamento Brasileiro, e que desde 1953 integra nosso ordenamento jurídico. O artigo prevê que “deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais, para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização dos meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores com o objetivo de regular, por meio de convenções, os termos e condições de emprego”.
Assim, a MP 936/2020 contraria a Convenção 98 da OIT que prevê o compromisso do Estado Brasileiro com a promoção da negociação coletiva.
Certo é que o enfrentamento da atual pandemia obrigará análises mais amplas e contemporâneas da normativa nacional, porém há limites rígidos. A Carta Magna reconheceu que, mesmo em situações emergenciais, a utilização do instrumento coletivo é única maneira, pela qual se poderia viabilizar a redução de salários.
Estabeleceram-se, assim, com firme base constitucional, limitações de atuação tanto para as relações interprivadas (relação de emprego) como para normativas infraconstitucionais – o que, por óbvio, inclui medidas provisórias.
Em período anterior à Constituição de 1988, o artigo 503 da CLT estabelecera que
“é lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25%, respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região”. Ou seja, permitiu a redução de salário por decisão unilateral do empregador, em caso de força maior. Trata-se, todavia, de dispositivo não acolhido pela atual ordem constitucional, o que vem sendo reconhecido, há muitos anos, pelos tribunais pátrios e praticamente a integralidade da doutrina.
E mesmo antes de 1988, a hipótese de redução salarial em casos emergenciais recebeu regulamentação exauriente, a Lei n. 4.923/1965. Trata-se de norma legal, que revogou tacitamente o artigo 503 da CLT. Note-se que mesmo o diploma dos anos 1960 expressamente registrou em seu artigo 2º que a única possibilidade de achatamento salarial ocorre via norma coletiva.
Regras muito parecidas estão na Lei 13.189/2015 (Programa Seguro Emprego). De modo mais recente, a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) previu no art. 611-A, § 3º da CLT que a norma coletiva que reduza salário e jornada também deve estabelecer proteção dos empregados contra dispensa imotivada.
Todas as leis que se seguiram à Constituição apenas permitiram mecanismos de redução de salário sempre a partir de norma coletiva: Lei n. 4.923/1965, Medida
Provisória n. 2.164/2001 e Lei n. 13.189/2015.
Ao que se vê, tanto regras constitucionais como infraconstitucionais são claríssimas, na orientação de que apenas acordos ou convenções coletivas de trabalho podem chancelar redução salarial. Fora disso, há simples ilegalidade e inconstitucionalidade insuperável.
Por fim, não se diga que a atual situação de restrições de locomoção impede a realização de negociações coletivas. Nos últimos dias, diversos acordos e convenções coletivas foram negociados, entre entidades sindicais, e produzidas exatamente para permitir redução de jornada e salário. Os próprios Tribunais Regionais do Trabalho seguem atuando auxiliando nas negociações e permitindo aproximações.
Conclui-se, portanto, que o art. 12 da MP 936/2020 contraria o art. 7º, VI, da Constituição e o art. 4º da Convenção 98 da OIT e, nessa medida, deve ser imediatamente revogado.
Assim sendo, a ANAMATRA manifesta-se contrariamente ao art. 12 da MP 936/2020, por violar dispositivos constitucionais e convencionais.
– Tratamento discriminatório entre trabalhadores para fins de redução de jornada e de salário.
Com previsão no artigo 7º da Medida provisória nº 936 de 2020, a ação de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário pressupõe a manutenção do salário hora do empregado e tem prazo de vigência de 90 (noventa) dias, devendo ser pactuada entre as partes, com antecedência mínima de dois dias, bem como será garantida a estabilidade no emprego. A medida Provisória estabelece ainda percentuais de descontos, na forma, prevista no inciso III do artigo 7º, em 25%, 50% e 70%.
Por meio de acordo individual, poderão negociar os empregados que receberem salário igual ou inferior a R$ 3.135,00, e igual ou superior a duas vezes o limite da
previdência Social, no valor de R$ 12.202,12, desde que possuam diploma de curso superior e sendo a hipótese de redução do percentual de 25%.
Já pela via da negociação coletiva, a Medida provisória confere a possibilidade da redução salarial e de jornada àqueles empregados que recebam salários superiores a R$ 3.135,00 e inferiores a duas vezes o limite máximo dos benefícios do RGPS, sendo a redução de 50% ou 70%.
O escalonamento de salários e percentuais de descontos, estabelecidos na Medida Provisória em exame, é discriminatório, não justificável e, por isso, viola o princípio de isonomia estabelecido na Constituição.
A par do que já foi esclarecido no tópico anterior quanto à necessidade de garantia do direito à negociação coletiva, a medida provisória destaca dois grupos de trabalhadores – os que percebem salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 e os que percebem salário igual ou superior a duas vezes o teto dos benefícios do INSS – para os quais é conferido tratamento diferenciado com base no salário. Ocorre que o valor do salário não é critério juridicamente admissível nem justificável para se conferir tratamento diferenciado entre trabalhadores.
A Constituição determina aos Poderes da República a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV). Por isso, não se pode, absolutamente, diferenciar os trabalhadores e as trabalhadoras, em termos de proteção jurídica, pelo critério do valor do salário, sendo proibida diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7º, XXX).
Diferenciar os trabalhadores e as trabalhadoras, para permitir acordo individual, negando a necessidade de negociação coletiva, é negar a força normativa da Constituição e do Direito do Trabalho. A proteção jurídica social trabalhista, como outras proteções jurídicas, é universal, e não depende do valor do salário dos cidadãos.
Neste aspecto, a Medida Provisória padece de vício de inconstitucionalidade, ante a sua incompatibilidade com preceitos e princípios constitucionais que garantem o tratamento isonômico, em termos de proteção jurídica trabalhista, a trabalhadores e trabalhadoras.
Também por esse motivo o art. 12 da Medida Provisória 936/2020 deve ser revogado, ou, subsidiariamente, deve-se conferir redação que exija, em qualquer caso, a negociação coletiva.
Assim sendo, a ANAMATRA reitera sua contrariedade ao art. 12 da MP 936/2020 e sugere a seguinte redação ao dispositivo: “As medidas de que trata o art. 3º serão implementadas por negociação coletiva”.
– Tratamento discriminatório. Cumulação de benefício emergencial e aposentadoria
O art. 6º, § 2º, II, da MP 936/2020, estabelece que: “o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda não será devido ao empregado que esteja: (…) II -em gozo: a) de benefício de prestação continuada do Regime Geral de Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 124 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991”.
A MP 936/2020, nesses termos, exclui a possibilidade de recebimento do benefício emergencial por parte do trabalhador que, tendo se aposentado pelo INSS ou Regime Próprio de Previdência Social, mantenha vínculo de emprego ativo. Ou seja, caso esse cidadão, com contrato de trabalho em curso, não obstante aposentado junto ao INSS ou por Regime Próprio, venha a sofrer redução salarial ou suspensão de seu contrato de trabalho, estaria excluído do direito ao recebimento do benefício emergencial.
Essa exclusão não se justifica, na medida em que o cidadão em tela sofrerá significativa redução de renda, ou até mesmo sua supressão, sem que seja assistido pelo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.
A exclusão é injustificável inclusive segundo o intuito do próprio Programa Emergencial. É que o § 3º do art. 6º da MP 936/2020 garante o recebimento até mesmo cumulativo do benefício especial caso o trabalhador experimente redução de salário ou suspensão de contrato quando possuir mais de um vínculo formal de emprego. Ou seja, se o trabalhador que mantém dois vínculos de emprego, vindo a sofrer redução salarial ou suspensão de contrato em ambos, pode receber cumulativamente o benefício emergencial, por que o empregado que mantém um vínculo de emprego e percebe aposentadoria (pelo INSS ou por Regime Próprio), vindo a sofrer redução salarial ou suspensão de contrato naquele vínculo, não pode receber o benefício emergencial?
Como se percebe, trata-se de discriminação, violando o princípio constitucional de isonomia (art. 5º, caput, e 7, XXX).
Assim sendo, a ANAMATRA destaca a necessidade urgente de o art. 6º, § 2º, II, “a”, da MP ser no mínimo modificado para incluir, entre os assistidos pelo benefício emergencial, o trabalhador aposentado que mantenha vínculo de emprego ativo.
Uma redação que atenderia esse propósito seria: “o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda não será devido ao empregado que esteja: (…) II -em gozo: a) de benefício de prestação continuada do Regime Geral de Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social, exceto aposentadoria e ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 124 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991”.
– Redução salarial e suspensão dos contratos de trabalho. Base de cálculo do benefício emergencial. Seguro desemprego. Diminuição significativa da renda do trabalhador.
Como visto, a Medida Provisória 936/2020 estabelece medidas para enfrentamento da pandemia de Coronavírus/Covid-19 no âmbito das relações trabalhistas.
Tanto para a hipótese de suspensão contratual como para a de redução de jornada e salário, estabelece-se tentativa de compensação econômica, com o intuito de preservação da renda, com o pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda. Todavia, o mais importante a ser observado é que esse benefício não é calculado a partir da diferença de salário que efetivamente deixa de ser paga pelo empregador, mas é definido a partir do valor do seguro-desemprego que seria devido em caso de dispensa sem justa causa.
Como bem se sabe, o benefício de seguro desemprego é calculado por faixas de salário médio e possui teto financeiro. Assim está atualmente estabelecido:
a) salário médio de até R$ 1.599,61: multiplica-se o salário médio por 0,8;
b) salário médio de R$ 1.599,62 até R$ 2.66,29: multiplica-se por 0,5 e soma-se a R$ 1.279,69;
c) salário médio acima de R$ 2.666,29: valor da parcela limitado a R$ 1.813,03.
Ao que se percebe, inaugura-se com a MP 936 indeclinável ambiente para redução da renda dos empregados, visto que o benefício emergencial não cobrirá a diferença do salário reduzido. Em termos simples, o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda não cumpre nem mesmo o que sua denominação promete. Há nítida hipótese de redução salarial sem norma coletiva autorizadora.
Assim sendo, a ANAMATRA manifesta-se contrariamente à utilização do seguro desemprego como parâmetro para definição do valor do benefício emergencial. Sugerese, em substituição, a utilização do salário efetivo do trabalhador.
Procedimentos de formalização da negociação coletiva.
O objeto da presente análise compreende o disposto no artigo 17, inciso II que dispõe:
Durante o estado de calamidade pública de que trata o art. 1º:
(…)
II – poderão ser utilizados meios eletrônicos para atendimento dos requisitos formais previstos no Título VI da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943, inclusive para convocação, deliberação, decisão, formalização e publicidade de convenção ou de acordo coletivo de trabalho;
Em conformidade com o seu artigo 2º, a MP 936 foi desenhada com vistas a preservar o emprego e a renda, garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais e reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública, não atingindo no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, consoante o artigo 3º, os órgãos da administração pública direta e indireta, as empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive suas subsidiárias, e os organismos internacionais.
Delineado que apenas as empresas privadas e os seus empregados são atingidos pela MP em comento e os objetivos da referida norma, passa-se à análise da temática, envolvendo o artigo proposto.
Sabe-se que a negociação coletiva é um direito constitucionalmente previsto (art. 7º, XXVI), que então deve ser amplamente adotado e privilegiado. Sabe-se também que o momento mundial vivenciado por conta da Pandemia causada pela Covid-19 é sem precedentes. Cônscios de que é importante e fundamental a participação dos sindicatos, visando à celebração das normas coletivas, conforme disposto na MP 936/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, opina-se, como já destacado, pela essencialidade da negociação, como direito constitucional fundamental dos atores sociais.
Opina-se também pela necessidade da desburocratização imposta pela medida, seguindo-se algumas sugestões, dada a urgência e emergência da situação.
A primeira é que o artigo 17 tenha sua redação alterada para constar:
“II – a negociação coletiva a que se referem os dispositivos da presente medida fica autorizada, sendo desnecessária a comprovação de atingimento de quórum para efeitos de convocação, deliberação e decisão previstos no Título VI da CLT, presumindo-se que foram preenchidos.
III – para atingimento da finalidade do inciso II, os sindicatos poderão valerse do uso de meios eletrônicos para dar divulgação interna a seus associados, inclusive para realização de assembleia, sendo que a ausência de comprovação de tais medidas não torna nula a negociação”.
Também se sugere a atuação dos sindicatos em bloco, quando a negociação seria realizada em conjunto com outros sindicatos, independente de as categorias serem ou não afins.
Isso viabilizaria a ampla divulgação do que estaria sendo negociado e também permitiria a maior participação dos interessados, uma vez que, unidos, haveria mais recursos e investimentos para viabilizar a negociação. Sugere-se, então, a seguinte redação:
“IV- Fica permitida a negociação coletiva em bloco, independentemente de haver afinidade entre as categorias, desde que o intuito seja exclusivamente negociar as matérias elencadas no art. 11, devendo ser observados os incisos II e III do presente artigo”.
Por fim, e talvez a medida mais importante seria a permissão de que as federações e confederações assumissem, na condição de mandatários, os poderes de negociação, em qualquer nível territorial. Tais entidades têm importante papel social, sendo muito mais factível que atuem em diversas bases espalhadas em todo território nacional.
Sugere-se a seguinte redação:
“V – o sindicato poderá delegar à Federação ou à Confederação , o papel da negociação coletiva de que trata a presente medida, presumindo-se que há concordância da categoria profissional, bastando para isso que o sindicato comunique a uma das entidades a que pertença, no prazo de 48 horas, após o início da negociação, acerca da intenção de que deve atuar em seu nome e que, a partir dali, representarão a categoria profissional perante a econômica.
VI – Em qualquer das hipóteses previstas nos itens II a V, havendo comprovadamente a demonstração de fraude ou conluio de ambas as partes, o acordo ou convenção coletiva firmados será nulo, ensejando o pagamento integral da remuneração no valor anterior à redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho do empregado, inclusive dos respectivos encargos sociais, sem prejuízo das penalidades administrativas e penais correspondentes”.
No contexto da pandemia, a demanda dos empregados temerosos com seu futuro não pode esperar. Exigir que os sindicatos atuem na proteção dos trabalhadores, flexibilizando apenas o instrumento de comunicação e o prazo (como consta da redução
atual do art. 17, II, da MP 936/2020), é praticamente fazer da letra da norma algo infrutífero e difícil de ser concretizado.
Por isso, a representação do sindicato deverá ser presumida em todas as hipóteses e somente ser geradora de nulidade, caso traga efetivamente um prejuízo, quando comprovadamente se tratar de evidente fraude.
A sugestão de atuação em bloco ou pelas federações ou confederações implicará a delegação da representação e da representatividade, que serão outorgadas presumidamente pela letra da lei e apenas para as situações específicas trazidas pela Medida Provisória ora apreciada.
A representatividade difere da representação.
A representação “pressupõe um critério de legitimação do poder de agir no interesse de outros, e um critério de imputação de responsabilidade àquele que age por outros, critérios juridicamente relevantes e normativamente legítimos. Já a representatividade “apresenta-se como critério de qualificação ou de seleção de um sujeito coletivo, e se coloca fora do âmbito de relevância jurídica. Situa-se na área da sociologia ou fática”.
Como o inciso foi apresentado, haverá grande dificuldade no atingimento de sua finalidade e, nesse caso, ficará inviável a participação dos sindicatos na negociação coletiva, deixando os trabalhadores desprotegidos e violando-se o artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal.
Não é demais mencionar o saudoso Amauri Mascaro Nascimento para quem a negociação coletiva “desempenha, ainda, uma função social, a participação dos trabalhadores no processo de decisão empresarial. Contribui para a normalidade das relações coletivas e da harmonia do ambiente de trabalho, dela se valendo, inclusive, a lei, que para ela transfere a solução de inúmeras questões de interesse social e de pacificação social”.
A representação feita pelos sindicatos é contratual, uma vez que tais entes surgem com conformidade com o acordo de vontades dos que o instituíram, segundo este autor.
Não se está aqui propondo a pluralidade sindical. A proposta é apenas que, por conta da situação calamitosa, se mitigue a representação sindical, pressupondo-se que, por meio da delegação, haverá melhor e mais amplitude na representatividade, no atual e importante momento de agir dos entes sindicais. Além disso, trata-se de mera possibilidade, a ser facultada a cada sindicato.
Pelo modelo proposto, apenas e tão somente nesse momento de crise, é essencial registrar que não há nenhum desrespeito à unicidade sindical, porque os sindicatos que representam a categoria continuarão assim atuando. Haverá, apenas e tão somente, uma delegação da representatividade em sua atuação. Ou seja, a representação do sindicato permanecerá íntegra. Segundo Marcus de Oliveira Kaufmann, “a representatividade sindical expressa, muito mais, a qualidade da representação formal sindical, a verdadeira legitimidade de se ter um porta-voz. Se a representação sindical está, enfim, próxima às bases representadas, mais legitimada estará a estrutura de representação formal, legal, instituída, no caso brasileiro, por lei, para aquele mister de representação. Por consequência, menos insegurança representativa haverá”.
Em tempos de calamidade, com tanto sofrimento para todos os brasileiros, não pode a norma impor mais dificuldades e inoperância.
Diante de todo o exposto, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, manifesta-se PARCIALMENTE FAVORÁVEL ao texto do artigo 17, II da MP 936/2020, mormente em relação à importância da negociação coletiva, mas desde que sejam observadas as proposições apresentadas que devem ser consideradas como emendas substitutivas ao seu texto original e a seguir transcritas:
“ II – a negociação coletiva a que se referem os dispositivos da presente medida fica autorizada, sendo desnecessária a comprovação de atingimento de quórum para efeitos de convocação, deliberação e decisão previstos no Título VI da CLT, presumindo-se que foram preenchidos.
III – para atingimento da finalidade do inciso II, os sindicatos poderão valerse do uso de meios eletrônicos para dar divulgação interna a seus associados, inclusive para realização de assembleia, sendo que a ausência de comprovação de tais medidas não torna nula a negociação.
IV- Fica permitida a negociação coletiva em bloco, independentemente de haver afinidade entre as categorias, desde que o intuito seja exclusivamente negociar as matérias elencadas no art. 11, devendo ser observados os incisos II e III do presente artigo.
V – o sindicato poderá delegar à Federação ou à Confederação , o papel da negociação coletiva de que trata a presente medida, presumindo-se que há concordância da categoria profissional, bastando para isso que o sindicato comunique a uma das entidades a que pertença, no prazo de 48 horas, após o início da negociação, acerca da intenção de que deve atuar em seu nome e que, a partir dali, representarão a categoria profissional perante a econômica.
VI – Em qualquer das hipóteses previstas nos itens II a V, havendo comprovadamente a demonstração de fraude ou conluio de ambas as partes, o acordo ou convenção coletiva firmados será nulo, ensejando o pagamento integral da remuneração no valor anterior à redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho do empregado, inclusive dos respectivos encargos sociais, sem prejuízo das penalidades administrativas e penais correspondentes.
Diante de todo o exposto, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, manifesta-se parcialmente CONTRARIA à Medida Provisória n. 936/2020, em face da sua inconstitucionalidade em relação aos dispositivos, ora apontados.
Brasília (DF), 02 de abril de 2020
Noemia Garcia Porto
Presidente