Sindicato dos Trabalhadores em Postos de Combustíveis da Bahia
/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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Em vez de colocar dinheiro novo na economia, governo usa recursos do próprio trabalhador

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Em Nota Técnica 235,”A extinção do PIS/Pasep e a liberação de saques do FGTS”  o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE, analisa a MP 946, mostrando que a medida pode até ajudar a atenuar a crise atual, mas tem impacto sobre o patrimônio do Fundo, responsável pelo investimento em habitação e saneamento, e a poupança do trabalhador, recursos que serão muito necessários após a superação da pandemia. Em vez de colocar dinheiro novo na economia, governo insiste em usar recursos do próprio trabalhador.

CONHEÇA A NOTA TÉCNICA NA ÍNTEGRA

A extinção do Fundo do PIS-PASEP e a liberação de saques do FGTS

O governo federal, sob o pretexto do estado de calamidade pública, em virtude da propagação da epidemia de Coronavírus, vem utilizando, intensamente, de medidas provisórias. A Medida Provisória nº 946, de 7 de abril de 2020, extingue o fundo do Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, o PIS/PASEP; transfere seus recursos para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; e, autoriza mais um saque extraordinário das contas vinculadas ao FGTS. Esta nota esclarece o conteúdo da MP 946, e, em especial se ela afeta o patrimônio do trabalhador, as políticas públicas de proteção ao trabalho e o potencial para atenuar a crise econômica com a liberação de recursos para consumo. Primeiro é importante esclarecer o que é o fundo PIS/PASEP e sua relação com as políticas sociais.

O que é o fundo PIS-PASEP
O Fundo PIS/PASEP foi criado pela Lei Complementar nº 26, de 11 de setembro de 1975. A partir de então, as contas individuais dos trabalhadores que receberam as contribuições patronais do PIS e do PASEP, desde 1970, quando foram criadas, passaram a ser geridas por este fundo até outubro de 1988. Com a Constituição de 88, porém, a arrecadação das contribuições para o PIS/PASEP deixou de ser destinada às contas individuais e passou a financiar o Programa Seguro-Desemprego e o pagamento do abono salarial. Mas, as contas existentes no Fundo permaneceram com a titularidade dos trabalhadores e vêm sendo remuneradas pela TJLP – taxa de juros de longo prazo, mais 3% ao ano.

Os recursos que foram captados pelo Fundo até 1988, quando não sacados, são em sua maior parte aplicados pelo BNDES em linhas de crédito como o Finame e em infraestrutura. O saldo das operações no BNDES, em junho de 2019, segundo o último relatório de prestação de contas do Fundo, era de R$ 18,25 bilhões. A Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil também detêm recursos do Fundo, em sua maior parte depositados entre 1970 e 1976, que estão aplicados em linhas de financiamento de capital de giro, com pouco mais de R$ 1 bilhão.

Inicialmente as hipóteses de saque dos recursos depositados nas contas individuais eram a aposentadoria, o casamento, a reforma ou a invalidez. Em 2017, a Medida Provisória nº 797 abriu uma nova modalidade de saque, por atingimento da idade de 62 anos para mulheres e de 65 para homens, com o objetivo de devolver os recursos remanescentes aos titulares das contas. O governo fez uma grande campanha para que esses trabalhadores fossem resgatar os recursos e reduziu em cerca de 50% o número de contas e os saldos do fundo. Em julho de 2019, a MP 889 permitiu o saque integral dos saldos existentes nas contas do Fundo PIS/PASEP, o que incluía dependentes e sucessores de titulares já falecidos.

Mesmo assim, atualmente, cerca de 12 milhões de trabalhadores dispõem de saldos nas contas do Fundo PIS/PASEP que, embora não recebam depósitos adicionais, são corrigidos desde outubro de 1988 pela taxa de 3% ao ano, mais a redistribuição dos lucros do fundo. A maior parte dessas contas é de trabalhadores que têm número de PIS, ou seja, que eram do setor privado, o que representa, aproximadamente, 10,4 milhões de contas. Ao todo, esses trabalhadores têm cerca de R$ 23,2 bilhões em saldos a resgatar, com valor médio de R$ 1.943,00 por conta.

A extinção do fundo PIS/PASEP
A Medida Provisória 946, como dito anteriormente, extingue o Fundo PIS/PASEP e transfere o ativo e o passivo para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o FGTS. No lado do ativo, são transferidas as aplicações dos recursos em empréstimos e financiamentos concedidos. No passivo, estão os saldos das contas individuais, que passarão às contas individuais dos mesmos titulares no FGTS, usando-se para isso o identificador do PIS ou do PASEP. A extinção do Fundo está prevista para o dia 31 de maio de 2020.

A transferência das contas para o FGTS não afeta a possibilidade irrestrita de saque dos saldos que estavam no Fundo PIS/PASEP e o correntista poderá repassá-los para outras contas em instituições financeiras sem cobrança de taxas. E, se o trabalhador fizer saque de recursos em sua conta no FGTS, esse saque poderá incluir os recursos originados no fundo do PIS/PASEP.

Aparentemente, as contas remanescentes no Fundo PIS/PASEP são de difícil identificação e várias campanhas já foram feitas para alertar o trabalhador e/ou seus dependentes para o resgate do dinheiro nelas acumulado. No último esforço, o governo logrou reduzir à metade o número de contas, mas ainda permanecem numerosas e com expressivo montante em depósitos. É possível que o FGTS seja um meio mais efetivo de fazer chegar o recurso ao trabalhador e isso permite dizer que a medida irá amenizar a situação crítica enfrentada pelo trabalhador e pela economia como um todo.

A MP, porém, prevê que os recursos não sacados num prazo de cinco anos, de junho de 2020 até junho de 2025 portanto, serão declarados abandonados e passarão a ser de propriedade da União. O trabalhador deve ficar atento a esse prazo, definido no artigo 5º da MP 946, para saque dos recursos eventualmente disponíveis em sua conta e assim não perder esse direito.

A MP afeta o FAT, o Seguro-Desemprego e o Abono Salarial?
O Fundo PIS/PASEP não tem nada a ver com o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que, em 1989, passou a receber as contribuições dos empregadores para o PIS/PASEP.

O artigo 239 da Constituição Federal determinou que:
• a contribuição do PIS/PASEP financie o seguro-desemprego e o pagamento do abono salarial;
• 40% dos recursos dessas contribuições seja destinado ao funding do BNDES, o que foi reduzido para 28% pela Emenda Constitucional 103 da Reforma da Previdência; e,
• o patrimônio acumulado no Fundo PIS/PASEP seja preservado.

A Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, criou o Fundo de Amparo ao Trabalhador, que passou a gerir os recursos do PIS e do PASEP. A gestão do FAT tem uma estrutura tripartite: o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador -CODEFAT. O fundo e o conselho são os responsáveis pela gestão dos recursos do PIS/PASEP e dos benefícios e políticas a eles atreladas, em especial o Seguro-Desemprego, o Abono Salarial e a Qualificação da Mão de Obra.

A extinção do Fundo PIS/PASEP não modifica a nova estrutura e destinação dessas contribuições, criada após a Constituição; ou seja, não afeta o financiamento e a concessão dos benefícios. Por outro lado, chama atenção o fato de que os recursos que eventualmente não venham a ser reclamados no prazo fixado de cinco anos não tenham sido destinados ao FAT, e sim à União.

O saque extraordinário das contas do FGTS
Na parte que realmente guarda alguma relação com os efeitos da epidemia da COVID-19 na economia, a Medida Provisória 946 autoriza um saque emergencial de R$ 1.045,00 (um salário mínimo) por trabalhador, das contas do Fundo de Garantia.

O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda diante dos impactos da Covid-19
saque poderá ser feito a partir de 15 de junho até 31 de dezembro de 2020. A MP trata o estado de calamidade pública, decretado em 20 de março desse ano, como motivo “de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural”, o que está previsto na lei do FGTS para o saque das contas vinculadas.

O saque desse valor será feito primeiro contra eventuais contas inativas em nome do trabalhador e, se estas forem insuficientes, das contas ativas a partir da que tiver o menor saldo. Ficam de fora os valores das contas que tiverem sido bloqueados em virtude de sua alienação fiduciária para instituição do sistema financeiro, conforme foi autorizado pela lei que criou a modalidade de saque aniversário em 2019.

Operacionalmente, o saque emergencial será feito por crédito automático na conta de poupança em nome do trabalhador na Caixa Econômica, ou por transferência, sem custo, para conta em outra instituição bancária. Se o trabalhador não desejar que esse saque seja feito, ou seja revertido, deverá se manifestar até o dia 30 de agosto de 2020.

A tabela abaixo mostra a quantidade de contas vinculadas ao FGTS por faixa de valor do saldo em número de salários mínimos. Como, desde 2017, o governo tem autorizado saques extraordinários nas contas do FGTS, o resultado é que atualmente 95% das contas inativas detêm saldos de até um salário mínimo, com valor médio de apenas R$ 124 e acumulam R$ 6,6 bilhões. As outras 2,5 milhões de contas inativas têm potencial para mais R$ 2,7 bilhões de saque (R$ 1.045 de cada conta). No lado das contas ativas, 47% delas têm saldo de até um salário mínimo, com valor médio de R$ 313, e potencial total de saque de R$ 9,5 bilhões. Das 33,8 milhões de contas ativas com saldos acima de um salário mínimo, em tese poderiam ser efetuados saques de cerca de R$ 35 bilhões.

O potencial de saque indicado acima é quase R$ 20 bilhões maior do que os R$ 35 bilhões estimados pelo governo. Essa diferença pode estar relacionada ao fato de que o limite de saque de um salário mínimo se aplica a cada trabalhador e não a cada conta, e que muitos trabalhadores são titulares de mais de uma conta ativa/inativa. De toda forma, o valor de R$ 35 bilhões estimado pelo governo, se efetivamente for retirado das contas, ultrapassará os R$ 23 bilhões que serão incorporados ao FGTS com a extinção do Fundo PIS/PASEP.

Considerações finais
Ao transferir os saldos do Fundo do PIS/PASEP para as contas vinculadas do FGTS, o governo tenta dar maior sustentação à medida mais relevante desta MP, que é o saque extraordinário de um salário mínimo pelos cotistas do Fundo.

O cenário que se desenha no mercado de trabalho é de perda de empregos e de renda, em que haverá demissões em grande volume por iniciativa do empregador. Nestes casos, as regras do FGTS já preveem a possibilidade de saque dos recursos por parte do trabalhador demitido. Assim, o saque extraordinário proposto na MP 946 não se destina a esses casos, mas sim, ao acesso a recursos por parte de trabalhadores que continuam no emprego e com rendimentos preservados no todo ou em parte.

Porém, dada a intensa rotatividade no emprego que caracteriza a estrutura ocupacional brasileira e que ocorre, sobretudo, pela demissão sem justa causa por iniciativa do empregador, esses recursos mais cedo ou mais tarde seriam liberados no saque por demissão. Vale dizer que, em média, quase 75% dos saques de contas do FGTS são motivados pela dispensa sem justa causa. Ou seja, a medida extraordinária, quando muito, antecipa o desembolso de quantias que poderão fazer falta ao trabalhador, que ficará descapitalizado na eventualidade de uma futura demissão, doença ou compra da casa própria.

Além disso, o saque extraordinário poderá ser fonte de desequilíbrio ao FGTS e comprometer o investimento em saneamento e habitação de interesse social. O FGTS já está com seu fluxo de caixa em risco devido à alta adesão ao saque aniversário criado recentemente. Assim, pode-se estar comprometendo o investimento futuro e a capacidade de sair da crise, após o fim da pandemia.

 

Fonte: Nota Técnica – Número 235/ 14 de abril de 2020 / O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda diante dos impactos da Covid-19

 

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