Lewandowski decide que acordos de redução de salário só terão validade após manifestação de sindicatos
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta segunda-feira (6) que os acordos de redução de salário e jornada de funcionários de empresas privadas apenas terão validade após a manifestação de sindicatos.
A medida faz parte do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda para evitar com que as empresas demitam durante o período da crise provocada pelo novo coronavírus. Se os sindicatos não se manifestarem, o acordo fica valendo.
“Tudo indica que a celebração de acordos individuais ‘de redução da jornada de trabalho e redução de salário ou de suspensão temporária de trabalho’, cogitados na medida provisória, sem a participação dos sindicatos de trabalhadores na negociação, parece ir de encontro ao disposto na Constituição”, escreveu o ministro, que submeteu a decisão para referendo do plenário do STF.
Para Lewandowski, para se dar um mínimo de efetividade ao acordo, é preciso que os sindicatos sejam comunicados. “E a melhor forma de fazê-lo, a meu sentir, consiste em interpretar o texto da medida provisória, aqui contestada, no sentido de que os ‘acordos individuais’ somente se convalidarão, ou seja, apenas surtirão efeitos jurídicos plenos, após a manifestação dos sindicatos dos empregados”, concluiu Lewandowski.
O ministro frisou no despacho que a eventual inércia de sindicatos representará, na prática, uma “anuência” com o acordado pelas partes. Segundo o Estado apurou, dentro do governo, a avaliação era a de que a decisão de Lewandowksi “poderia ser pior”, como suspender dispositivos da medida provisória.
O programa do governo federal prevê a preservação do valor do salário-hora dos trabalhadores e estabelece que as reduções de jornada poderão ser de 25%, 50% ou de 70%. Porcentagens diferentes dessas terão que ser acordadas em negociação coletiva.
Pelo programa, os trabalhadores que tiverem jornada reduzida ou contrato suspenso receberão da União um benefício emergencial. O programa ficará em vigor por até três meses, no caso da redução de jornada, e até dois meses, nas situações de suspensão de contrato. Todas as empresas podem participar, assim como empregadores domésticos.
A decisão de Lewandowski foi tomada no âmbito de uma ação movida pela Rede Sustentabilidade, que acionou o Supremo para suspender regras que autorizam a redução salarial e a suspensão de contratos de trabalho mediante acordo individual.
De acordo com o partido, caso as novas regras permaneçam em vigor, trabalhadores “aceitarão flexibilizar seus direitos em troca da manutenção de suas ocupações, razão pela qual os acordos coletivos não podem ser dispensados”.
Fonte: jornal O Estado de S. Paulo
O QUE PROVOCOU ESTA DECISÃO FOI ESTE QUESTIONAMENTO
MP que autoriza redução salarial e suspensão de contratos é questionada no STF
Em ADI, Rede questiona negociação individual para redução de salário prevista na MP 936/2020
Na noite da última quarta-feira (1/4), foi publicada em edição extra do Diário Oficial a Medida Provisória 936/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. A norma permite a suspensão temporária dos contratos de trabalho e a redução de salário e jornada proporcional em até 70%, e já é alvo de questionamentos quanto à sua constitucionalidade. Além disso, advogados trabalhistas divergem sobre alguns pontos da MP.
Parte da MP 936 está relacionada ao que foi previsto, inicialmente, no artigo 18 da MP 927/2020. O dispositivo foi revogado menos de 24 horas após sua publicação, e previa a suspensão temporária de contrato de trabalho sem nenhum amparo para o trabalhador. Na nova MP de Jair Bolsonaro, a possibilidade de suspensão temporária de contrato vem com uma contrapartida: o trabalhador terá acesso a um benefício emergencial, nos moldes do seguro-desemprego.
A mudança não impediu, entretanto, que a medida fosse alvo de críticas. Na manhã desta quinta-feira (02/04), a Rede Sustentabilidade protocolou ação no Supremo Tribunal Federal (STF) na qual pede a declaração de inconstitucionalidade e a suspensão da eficácia de dispositivos da MP 936 que possibilitam mudanças no salário e jornada por meio de acordo individual. Isso porque a Constituição prevê que tais alterações devem ser feitas por acordos e convenções coletivas, isto é, com participação do sindicato.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) publicaram nota pública também criticando o mesmo ponto: a possibilidade de efetuar redução de salário e jornada e suspensão de contrato por meio de acordo individual.
A MP prevê que, durante o estado de calamidade pública em razão da pandemia da covid-19, o empregador poderá acordar com o empregado a redução proporcional da jornada de trabalho e salário, por até 90 dias, sendo preservado o valor do salário-hora de trabalho. Poderão ser feitas reduções de 25%, 50% ou 70%.
O empregado que tiver sua jornada e salário reduzidos terá direito ao Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, custeado com os recursos do seguro-desemprego. O valor a ser recebido pelo governo vai depender do salário do trabalhador e da porcentagem da redução. Por exemplo, se o salário bruto do trabalhador é R$ 1500 por mês, e houver redução de 50% no salário e jornada, o salário passa a ser de R$ 750 mensais. É sobre esta base de cálculo que o valor do benefício emergencial será calculado.
Outra possibilidade trazida pela medida provisória é a suspensão temporária do contrato de trabalho, que poderá durar até 60 dias – podendo ser fracionada em dois períodos de 30 dias. Nesta hipótese, a empresa deverá manter os benefícios que o empregado já recebe, e companhias que tiveram receita bruta anual de R$ 4,8 milhões ou mais no ano passado deverão pagar 30% do “salário”, que na verdade será um auxílio sem caráter salarial, sobre o qual não incidem contribuições. Neste caso, a União paga 70%. No caso de empresa com receita inferior, a União pagará 100%.
Tanto a redução salarial e de jornada quanto a suspensão do contrato poderão ser feitas mediante acordo individual formal para quem ganha até R$ 3.135,00 ou para quem ganha mais de R$ 12.102,00. Para os trabalhadores cujos salários estiverem entre esses valores, o acordo coletivo é obrigatório.
Para o advogado trabalhista Mauro Menezes, sócio do Mauro Menezes & Advogados, a MP afronta a Constituição. “A Constituição, no artigo 7º, não admite alteração que reduza salário ou jornada sem que haja uma negociação coletiva sindical, ou seja, o sindicato tem que participar. Toda experiência das relações de trabalho demonstra que não havendo possibilidade de intervenção da entidade sindical, a renúncia a direitos é algo que não deve ser feita individualmente. A Constituição não permite, nem mesmo nas situações de crise, que haja reduções de salários sem que isso seja produto de uma negociação coletiva”, opina.
Já para o advogado Leando Lamussi, do Balera, Berbel & Mitne Advogados, a ideia de prevalência do negociado sobre legislado, que foi adotada pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), também pode ser aplicada a acordos individuais. “A existência de acordo individual nas hipóteses de redução de salário acredito que seja algo aderente à Constituição e à CLT, até para não inviabilizar ou impossibilitar a adoção dessa medida”, diz.
Na visão de Lamussi, porém, a MP 936 foi tardia, porque muitas empresas já estavam efetivando a redução salarial nos termos impostos pela Constituição. Assim, o advogado acredita que “essas empresas enfrentarão problemas com relação à segurança jurídica, porque agora elas teriam que adotar o procedimento definido pela 936”.
No STF
Até o momento há apenas uma ação contestando a Medida Provisória 936 no STF. Ajuizada pela Rede, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6363 tem como relator o ministro Ricardo Lewandowski e pede, liminarmente, a suspensão de todos os dispositivos da MP que permitem reduzir salário e jornada ou suspender contrato de trabalho por meio de acordo individual.
Na petição inicial, o partido alega que o acordo individual “sem dúvidas, será utilizado em detrimento da negociação coletiva, afinal, na lógica do ‘menos direito ou rua!’, o trabalhador se submeterá a qualquer vontade do empregador, situação fática incompatível com o sistema de proteção instituído pela Constituição em favor do trabalhador”.
“A possibilidade de acordo individual escrito, ainda que em estado de calamidade pública, vai de encontro às normas constitucionais e convencionais citadas, pois dá prevalência da negociação individual sobre a coletiva. Ademais, em momentos de crise como o presente, justifica-se, ainda com mais força, a necessidade de fortalecimento da negociação coletiva, e não seu enfraquecimento, em vista da necessária proteção dos direitos dos hipossuficientes na relação trabalhista”, diz o partido.
O tema não tem jurisprudência no STF. A redução de jornada e de salários só foi debatida pelo plenário do Supremo no que tange a servidores públicos – que não são abarcados pela MP 936. Em agosto de 2019, o plenário formou maioria para barrar a redução de jornada e salários para trabalhadores estatutários.
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