Planos para a estatal apontam para uma empresa voltada apenas para a exploração e produção, como era na década de 90
Dois movimentos recentes e significativos da atual gestão da Petrobras, comandada por seu presidente, Roberto Castello Branco, reforçaram mais uma vez, nas últimas duas semanas, a expectativa dos rumos que a companhia começou a trilhar desde 2016, com a posse de Michel Temer na presidência da República e de Pedro Parente na chefia da estatal.
Em Davos, durante a realização do Fórum Econômico Mundial, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, afirmou na quarta-feira (22) que a pretendida venda de até 9,86% das ações ordinárias da Petrobras que o banco detém visa melhorar o resultado primário da União em 2020. O executivo explicou ainda que tal operação faz parte da política de “desinvestimento” do BNDES.
“Com a venda dessas ações, o risco de o Estado brasileiro perder o controle da Petrobras é muito grande. São ações ordinárias (que dão direito a voto), e não preferenciais, que estão sendo vendidas. Isso pode ameaçar seriamente a capacidade do Brasil de conduzir a Petrobras, que pode deixar de ser uma empresa pública e virar uma empresa privada, como aconteceu com a BR Distribuidora”, diz José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras.
O outro movimento da gestão da estatal foi a conclusão, no dia 14 de janeiro, da venda (para a canadense Africa Oil Corp) da participação societária da estatal brasileira na Petrobras Oil & Gas B.V. (PO&GBV), que produzia petróleo na Nigéria. Com isso, a Petrobras encerrou suas atividades na África.
“Infelizmente isso vai ao encontro do que eles já tinham estabelecido no plano de negócios da gestão anterior (de Pedro Parente). A gestão da empresa vai focar apenas o pré-sal. Dos outros ativos, a gestão vai se desfazer, não só na África como na América Latina, inclusive aqui no Brasil”, afirma Deyvid Bacelar, ex-conselheiro da Petrobras e diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP).
A Petrobras na contramão
Para Gabrielli, há duas questões a ser avaliadas quando se fala sobre o que era a Petrobras até 2002, o que vinha sendo no período dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e as expectativas de seu papel na economia e na sociedade brasileira a partir de 2016.
A primeira questão, diz, é que todas as grandes empresas de petróleo do mundo, privadas ou públicas, buscam integração entre suas atividades, como se formassem uma teia. “Elas querem explorar, produzir e refinar petróleo, transformá-lo em derivados, vender esses derivados e produzir energia. Todas as grandes empresas de petróleo do mundo caminham nessa direção. Mas a Petrobras caminha na direção oposta, saindo da integração, tornando-se uma empresa exclusivamente focada na produção do petróleo do pré-sal.”
A segunda questão, na avaliação do ex-presidente da Petrobras, é que, diferentemente das empresas privadas, as estatais tendem a adotar a estratégia de manter dentro do país a maior parcela possível da renda gerada pelo petróleo. Um dos elementos dessa renda é criar uma cadeia de fornecedores internamente. “No caso da Petrobras, que trabalha em produção marítima em águas profundas, a ideia deveria ser criar uma indústria naval no Brasil.”
Esse projeto foi desenvolvido. Em 2003, a indústria naval brasileira empregava cerca de 7,5 mil trabalhadores. Dez anos depois, o setor tinha 82 mil postos de trabalho, fora os milhares de empregos indiretos. “A Petrobras e o governo estão mais uma vez na direção inversa, na contramão ao que está acontecendo no mundo. Tentam fazer com que mais empresas internacionais venham para cá”, aponta Gabrielli.
Antes com atividades integradas, a estatal atuava em uma imensa cadeia em que explorava, produzia e refinava petróleo, transformando-o em derivados, para vender e produzir energia – e divisas para o país. “Mas a empresa vem se desintegrando, com os seus ativos das áreas de biocombustíveis, termoelétrica, fertilizantes nitrogenados, química e petroquímica sendo vendidos. Ela vai se reduzindo a uma empresa de exploração e produção, como era na década de 90”, observa Bacelar.
Assim, o Brasil passa a ser um exportador de óleo bruto e importador de produtos refinados, refém dos preços do mercado internacional. A população não entende por que paga tão caro pela gasolina. “Com a política de preços implantada por Temer em outubro de 2016, a gente vê uma total falta de compreensão da população do porquê dos preços estarem tão altos.” Hoje, o litro da gasolina não é inferior a R$ 4,40, em postos confiáveis.
Desintegração
O caso paradigmático da desintegração foi o fato de que a enorme BR Distribuidora, em julho de 2019, passou a ser uma empresa privada, com a venda, pela Petrobras, de 30% de suas ações, por US$ 2,5 bilhões, para 160 investidores de vários países. Até 2017, a Petrobras era detentora de 100% das ações da BR. Naquele ano, sob o governo Michel Temer, a companhia vendeu o primeiro lote das ações. Com o negócio de 2019, já sob Bolsonaro, a Petrobras ficou com apenas 41,25% da BR Distribuidora e não é mais sua controladora.
Bacelar aponta a venda de oito importantes refinarias da estatal – o próximo e principal objetivo de “desinvestimento” da gestão – como uma “atrocidade”, junto com a venda da BR. “Com isso, a Petrobras vai abrir mão do sexto maior mercado consumidor de derivados de petróleo do mundo. O que estão fazendo é uma atrocidade”, diz.
“É o Estado brasileiro entregando para outros países. Isso tudo vai ameaçar o abastecimento nacional e fazer com que os preços de derivados (gasolina, diesel etc) se elevem ainda mais, já que essas empresas privadas ou estatais de outros países não terão compromisso algum com a população brasileira ou com a economia do nosso país”, acrescenta o dirigente.
O governo quer vender as refinarias Alberto Pasqualini (RS), Presidente Getúlio Vargas (PR), Gabriel Passos (MG), Landulpho Alves (BA), Abreu e Lima (PE), Isaac Sabá (AM), a fábrica de lubrificantes e derivados Lubnor (CE) e a Unidade de Industrialização de Xisto (PR). O foco da estatal brasileira, como já declarou Castello Branco, é agora apenas o Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo.
Se, de 2003 até 2014, a Petrobras se tornou mais próxima do povo brasileiro – continua Bacelar –, com projetos sociais, esportivos, culturais, educacionais e ambientais, hoje ela caminha no sentido oposto. “A maioria desses programas foi extinto.”
Segundo relatório da própria estatal de 2015, os projetos de pesquisa desenvolvidos pelo Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes) receberam, em 2014, US$ 1,1 bilhão, o que fazia da Petrobras uma das maiores empresas investidoras em pesquisa na área de energia no planeta.
Entre 2012 e 2014, o total investido na área de pesquisa e tecnologia chegou a US$ 3,4 bilhões. Em 2014, o Cenpes atuou em parceria com cerca de 100 universidades e centros de pesquisa brasileiros, e 35 no exterior.
Mas a preocupação que a empresa tinha em ajudar no processo de desenvolvimento industrial, econômico e social do país hoje é passado. “Os projetos de pesquisa, mestrado, doutorado e outros, financiados pela empresa, se reduziram a quase zero. O foco da gestão é dar alta rentabilidade aos seus acionistas, sem nenhuma preocupação com a indústria nacional e o povo brasileiro”, lamenta Deyvid Bacelar.
www.cut.org.br /EDUARDO MARETTI