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/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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A “uberização” do trabalho: motorista de aplicativo não é empreendedor

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Considerar a “uberização” do trabalho como um processo empreendedor é uma deturpação do conceito de empreendedorismo. Motoristas de aplicativos sequer podem ser considerados uma “nova classe” de profissionais

Um motorista de aplicativo é um empreendedor ou um trabalhador em uma situação precarizada? O debate, estimulado por uma matéria do programa Fantástico, da TV Globo, tomou a internet desde a noite de domingo (12). De um lado, os que dizem que os motoristas são explorados pelas empresas. De outro, os que consideram que são donos do próprio negócio.

Considerar a “uberização” do trabalho como um processo empreendedor é uma deturpação do conceito de empreendedorismo. Na realidade, motoristas de aplicativos sequer podem ser considerados uma “nova classe” de profissionais. Segundo Clemente Ganz, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), eles não são empreendedores, tampouco se enquadram nas formas mais “clássicas” de trabalho.

“É uma situação anômala a tudo aquilo que relacionamos com trabalho. O motorista não é exatamente um autônomo, pois não há vínculo. Também não entra na relação assalariada clássica. Diria que é a expressão das novas ocupações, que precisam ser interpretadas no contexto atual, com cenário de forte desocupação”, afirma Clemente.

Segundo ele, a associação do termo ao empreendedorismo tem cunho político, pois transfere a responsabilidade da empregabilidade para o trabalhador. “É a pessoa dizendo para o desocupado: ‘Vire-se para gerar um posto de trabalho’. Então, fala em empreender – quando, na verdade, ele não tem controle algum. Não controla preço, não controla que passageiros vai pegar. Quem define é o aplicativo. Que autonomia ele tem? Empreendedor tem de ter autonomia.”

Para Marcus Quintella, coordenador do MBA de Empreendedorismo da FGV (Fundação Getulio Vargas), a classificação do motorista de aplicativo como empreendedor não se sustenta. A razão: empreendedor é alguém que cria um negócio e pretende perpetuá-lo.

“O aplicativo já é um negócio estabelecido. Ele [o motorista] não criou nada, não está empreendendo, arriscando”, diz Quintella. “Na grande maioria dos casos, aliás, esta opção vem como algo temporário. Ele está ali por certa razão, mas não pretende perpetuar [a situação], não quer estruturar um negócio. Logo, não é empreendedor.”

Usar o termo empreendedorismo, para ele, é fruto de uma confusão de conceitos. “Empreendedor é alguém que monta um projeto, cria a empresa, assume o risco, investe e perpetua o seu negócio. Assim que ele der certo, vira empresário. Empreendedor é esta fase”, disse. O empreendedorismo, segundo ele, compreende um tempo em que só há investimento, sem lucro.

Quintella explica: “Qual é o empreendedor que instantaneamente começa a faturar dinheiro de um dia para o outro? Eu não conheço. Você tem de recuperar capital. No aplicativo, se começar hoje, amanhã o dinheiro está na conta. É mais uma maneira de sobrevivência, de renda instantânea, não de empreendedorismo”.

Para Wilson Amorim, professor de Administração da FEA-USP, o risco assumido pelos motoristas não se equipara ao de ter um negócio. “Eles não correm o risco de um empreendedor. Correm os riscos de quem está no mercado de trabalho. É um risco de ocupação, não de negócio”, compara. É o que ele chama de “fluxo de trabalho”: alguém tem um emprego estável e, em meio à crise, perde e não consegue retomá-lo. Esta pessoa procura, então, uma modalidade que lhe sustente.

“O aplicativo oferece trabalho a quem quiser contratar este trabalho. Em um momento de crise profunda no mercado, com mudanças na legislação trabalhista, ele adere [ao serviço]. Mas não tenho dúvida que é uma pequena minoria [de motoristas] que faz porque gosta ou porque trabalha a hora que quiser. Eles fazem porque precisam, diferentemente do empreendedor”, diz Amorim.

O debate sobre é a relação da Uber com os motoristas é pauta nos tribunais trabalhistas do mundo todo. Na Califórnia (EUA), a Justiça obrigou o aplicativo a considerar os motoristas como funcionários. No Brasil, houve decisões nesse sentido, mas o STJ (Superior Tribunal de Justiça) sustenta que o motorista não tem vínculo com a empresa – o que pode forçar a interpretação de empreendedorismo.

“Pelo mundo, a questão ainda está sendo debatida”, afirmou Ivandick Rodrigues, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Acho difícil falar como empreendedor porque quem não tem os meios de produção – como teria o dono de um negócio – é empregado. E o motorista não tem essas liberdades: é o aplicativo que define sua forma de prestar serviço e o preço a ser cobrado por ele.”

Além disso, o cliente tem o serviço prestado pelo motorista, mas lida apenas com a empresa. “Se você vai reclamar, reclama para quem? Quando você paga, paga para quem? Para o aplicativo”, diz Ivandick. “Logo, lembra mais relações de emprego entre motorista e empresa do que empreendedorismo.”

www.vermelho.org.br / Com informações do UOL

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