Desemprego – Multinacional encerrou nesta quarta (30) suas atividades no município; pela unidade, passaram 100 mil trabalhadores
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Na despedida, que reuniu trabalhadores na ativa, aposentados e outros que deixaram a empresa nos últimos meses, muito choro, abraços e uma dose de incerteza. Existe a expectativa de que a Caoa compre a área e mantenha a fábrica funcionando. Segundo o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, o Wagnão, as bases do acordo estão traçadas, inclusive do ponto de vista salarial. Estaria faltando apenas a aprovação de uma linha de financiamento por parte do BNDES. “Não há outra explicação a não ser a falta de decisão política de quem manda no BNDES”, afirmou, logo depois da assembleia. “Não duvido que haja pressões do governo federal para não liberar o financiamento”, disse ainda no carro de som, para aproximadamente mil trabalhadores. Para ele, pode haver, inclusive, resistência das próprias montadoras multinacionais contra uma empresa de veículos nacional.
A Ford anunciou o fechamento da fábrica em fevereiro. Representantes dos trabalhadores foram aos Estados Unidos conversar com a direção mundial da empresa, sem sucesso. Em setembro, em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes, a Caoa oficializou sua intenção de comprar a fábrica instalada no bairro do Taboão. Desde então, as negociações avançaram, mas esbarraram no “1%”, como diz Wagnão. A assessoria da Caoa diz que não há novidades por enquanto. Procurado por meio da assessoria, o BNDES não se manifestou até a conclusão deste texto.
O líder metalúrgico informou que há um acordo coletivo praticamente pronto. “As bases salariais estão estabelecidas”, adiantou. Os possíveis futuros contratados receberiam o equivalente a 70% dos atuais. Inicialmente, a produção seria apenas de caminhões – o que exigiria, no primeiro momento, de 800 a 850 trabalhadores, mas segundo Wagnão a Caoa manifestou a intenção de fabricar automóveis também.
Nos livros
“Daqui a cinco, 10 anos, isto aqui vai estar nos livros”, afirmou Adalto de Oliveira, o Sapinho, do Comitê Sindical de Empresa (CSE) da Ford, na fábrica desde 1993, anos em que os metalúrgicos se organizaram para a campanha de combate à fome então comandada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Ele lembrou que ali foi conquistada a primeira comissão de fábrica da categoria, ainda em 1981, e ali se aprendeu “o significado da palavra solidariedade”. Sapinho afirmou que a Caoa pode comprar a unidade: “Aqui tem trabalhadores e trabalhadoras qualificados”. Quando foi pedir desculpas “por alguma falha que nós tivemos”, não conseguiu terminar a frase.
O deputado Teonílio Monteiro da Costa, o Barba (PT), ex-funcionário da Ford (de 1990 a 2015, depois de cinco anos de Volkswagen), também teve dificuldade para concluir o discurso. “São momentos importantes da nossa vida. Ela não vai parar aqui. Nós vamos nos encontrar em outros lugares. O sindicato lutou demais para manter essa fábrica no ABC”, afirmou, lembrando que a empresa já queria encerrar atividades em 1998, quando demitiu 2.800 funcionários na véspera do Natal – parte dos cortes foi revertida. “A luta não se encerra aqui.”
Ele criticou veto do governador João Doria (PSDB) à parte do projeto que resultou na Lei 17.185, sancionada neste mês e publicada na edição do dia 22 no Diário Oficial do Estado, sobre o programa IncentivAuto, de estímulo a montadoras. “Como o governador não entende de política industrial, ele vetou a parte mais importante para nós”, afirmou o deputado, referindo-se a artigo que trata de investimentos e outros itens. Ele tenta negociar a derrubada do veto.
Quem também se emocionou foi o vereador paulistano Alfredo Alves Cavalcante, o Alfredinho (PT), outro ex-funcionário da Ford. “Toda despedida é triste. Eu devo muito a essa militância, a esses trabalhadores que estão aqui.”
Garoto de recados
Atual presidente do Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento (TID), Rafael Marques observou que pelo menos a produção de caminhões era lucrativa, o que torna menos compreensível a decisão da Ford. “É uma coisa que tem de ser explicada”, comentou, ao mesmo tempo em que criticava o atual presidente da companhia para a América do Sul, Lyle Waters, que teria vindo para o Brasil “por maldade”, preocupando-se mais com o retorno para acionistas do que com o futuro da fábrica. Um futuro que deve ser objeto de atenção de toda a região: “Uma gigante do ABC está indo embora. A região tem de se preparar para outra gigante não ir”.
Waters foi chamado de “garoto de recados” pelo atual presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, que apontou a predominância do mercado financeiro nas decisões. “O (verdadeiro) dono (da Ford) é um acionista para quem pouco importa se você faz carro ou se faz pipoca. Ele é dono de um papel. E, por alguns centavos de dólar, é ele quem determina o que vai acontecer com a sua vida”, disse Wagnão. “Esse modelo é defendido pelo atual governo, porque a prioridade deles é atender ao dono do papel e não o trabalho.”
Agora, está nas mãos do governo, acrescenta Wagnão. “Fizemos o nosso papel. Nós ainda não desistimos dessa história, nós acreditamos. Onde a gente podia intervir, ou meter o pé na porta, nós intervimos. O futuro dos trabalhadores e das trabalhadoras depende única e exclusivamente de uma decisão política do BNDES, portanto do governo federal. O que eu desejo, o que vocês desejam, é que algum iluminado desse governo tenha coragem de tomar uma decisão em favor do emprego”, afirmou o sindicalista, encerrando a assembleia às 9h16.
Despedida
Parte dos trabalhadores entrou para seu penúltimo dia de expediente. A partir de novembro, baterão ponto apenas funcionários administrativos e de setores como manutenção. Rodinhas se formaram no pátio do estacionamento. Colegas se abraçavam e lembravam de histórias na fábrica, que em seu melhor momento chegou a ter aproximadamente 10 mil funcionários – neste ano, eram pouco mais de 4 mil. “Fiz muita amizade aqui. Muita assembleia, muita passeata… É triste”, dizia Mauro César Cândido, 53 anos, que se aposentou em junho, depois de exatos 30 anos de Ford. Vindo de Dourados (MS), ele trocou o trabalho na roça por uma vaga no Prédio 90 (Montagem). “Chegamos a fazer 75 carros por hora e 5 carros por hora”, lembrou, sobre os momentos de alta e de crise.
A partir de 2016, depois de um processo interno de reestruturação, Mauro se alternava entre a produção de automóveis e de caminhões. Durante 10 dos 30 anos, trabalhou à noite. Apenas o adicional noturno, conta, já dava para as despesas do mercado. Os tempos são outros agora, e ele teme, principalmente, pelos mais jovens. “Não tem para onde correr, não. Estou vendo o pessoal aí cabisbaixo. Amanhã é o último dia deles. A gente tem esperança de que as coisas melhorem, mas você não vê uma luz no horizonte.”
Casado e com uma filha de 19 anos, que busca trabalho como comissária de bordo, Mauro sofreu uma queda brusca na renda com a aposentadoria e ainda está se adaptando. Gosta de sair com a família e andar de bicicleta. Morador de Mauá, também na região do ABC, ele pensa em se mudar para o interior. “Como diz meu sogro, São Paulo é bananeira que deu cacho”, diz o ex-operário, saindo lentamente do pátio e ainda cumprimentando alguns colegas. Às 10h, contavam-se 21 pessoas conversando por ali.