Proposta polêmica foi retirada da reforma da Previdência, mas governo anuncia que vai mandar outra PEC propondo a capitalização
O governo de Jair Bolsonaro (PSL) só aceitou retirar do texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 06/2019 a criação do sistema de capitalização da Previdência, criticada duramente por grande parte dos estudiosos do tema e parlamentares, para aprovar rapidamente as alterações nas regras de concessão de benefício.
Mal a PEC foi aprovada na Câmara dos Deputados, antes de ser apreciada pelo Senado, a equipe econômica já avisou: vai mandar outra PEC criando o sistema de capitalização, mesmo sabendo que o modelo não deu certo em vários países onde foi adotado, como Chile, Argentina, Peru e México. No Chile, por exemplo, os aposentados estão recebendo benefícios de menos de um salário mínimo por mês e há registros até de suicídios de idosos desesperados.
No atual modelo de Previdência brasileiro quem está no mercado de trabalho contribui e garante os benefícios de quem já se aposentou. Todos contribuem: trabalhador, patrão e governo.
Já no modelo de capitalização não tem a contribuição do empregador nem do Estado, é uma espécie de poupança individual do trabalhador, onde ele terá de depositar todos os meses um percentual para a aposentadoria. E quem administra essa poupança são os bancos, que cobram taxas e podem usar parte do dinheiro para especular no mercado financeiro.
É isso que o ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, quer implantar no Brasil. E pelo que disse o ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni, o modelo também valeria para estados e municípios que ficaram de fora da reforma da Previdência.
Transição bilionária e incerta
O economista Marcio Pochmann alerta para a estratégia enganosa do governo para aprovar as mudanças nas regras de concessão de benefícios previdenciários. Além de dizer que a reforma combate os privilégios, eles dizem que o país economizará quase R$ 1 trilhão em dez anos e o que sobrar será utilizado na transição para o sistema de capitalização. O problema é que o governo não apresentou um estudo confiável, com dados que comprovem a tese.
“Na verdade, nem o governo sabe quanto vai economizar com a reforma da Previdência porque não houve a apresentação de um estudo, muito menos quanto custa implantar a capitalização. Os dados apresentados ninguém consegue confirmar”, afirma.
Em maio deste ano, em uma audiência na Câmara dos Deputados, o secretário de Previdência, Leonardo Rolim, anunciou que o governo estimava um custo de transição do atual sistema de aposentadoria para o regime de capitalização de R$ 115 bilhões em dez anos e R$ 985 bilhões em 20 anos. Levou uma bronca dos chefes por ter aberto esses dados e não apareceu mais nos jornais.
Pochmann lembra que, no Chile, a transição de uma Previdência pública para a privada custou um Produto Interno Bruto (PIB) inteiro do país e o resultado para os trabalhadores e trabalhadoras vem sendo trágico.
Chilenos recebem menos que o piso nacional de aposentadoria
Apesar da situação dramática dos idosos do Chile, o país vizinho tem sido referência para Paulo Guedes, que defende a implantação da capitalização no Brasil no mesmo molde feito pelo ditador chileno de extrema direita, Augusto Pinochet, em 1981.
Mas, 38 anos depois, a média das aposentadorias por idade naquele país é de 210 mil pesos (R$ 1.162,00), enquanto o piso nacional é de 301 mil pesos (R$ 1.662,00) – menos R$ 500,00. Os dados são de abril deste ano, da Superintendência de Aposentadorias, órgão regulador das Administradoras de Fundos de Pensão (AFP), do Chile.
Ainda segundo o órgão, 95% das mulheres aposentadas por idade, recebem apenas 55% do valor do salário mínimo. Enquanto 86% dos homens recebem aposentadorias abaixo do piso nacional.
Para Pochmann, ao adotar o modelo chileno, o mercado financeiro do Brasil mira a classe média alta e os assalariados de renda intermediária, porque os mais pobres não terão condições financeiras de contribuir sozinhos para suas próprias aposentadorias.
“A capitalização vai abranger um ‘naco’ dos assalariados de alta renda e até os intermediários, que não têm esperança de se aposentar por uma Previdência Pública, após a reforma”, diz.
Governo não tem plano para aquecer a economia, mas mercado financeiro cresce sete vezes mais
Para Pochmann, a reforma da Previdência associada à falta de investimentos do setor público na economia abre brechas para que o setor privado ocupe um espaço que deveria ser do governo.
“Embora, no ano passado, a economia tenha apresentado um saldo positivo de 1%, segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística],os ganhos financeiros foram sete vezes superiores. E a capitalização abre um espaço ainda maior para os ganhos do mercado financeiro”, afirma Pochmann, que também é presidente da Fundação Perseu Abramo.
O economista diz que ninguém fala que o mercado financeiro ganhou sete vezes mais, que este governo não se preocupa com o crescimento econômico e que quando Bolsonaro fala sobre desemprego diz que os índices estão errados.
“Estamos diante de um quadro em que a possibilidade de crescimento sustentável da economia é cada vez menor”.
Este governo não tem projeto nacional, não tem plano a médio prazo. O Brasil está liquidando o seu futuro
Para ele, este imediatismo do governo em economizar cortando gastos é o pensamente da elite dominante do país, formada pela burguesia comercial, diferente da burguesia industrial que tem compromissos a médio e longo prazos.
“O comerciante quer comprar barato e vender caro, num curto prazo. É este o pensando do governo que está privatizando tudo sob a ótica do rentismo, dos mercados financeiros especulativos”.
www.cut.org.br / Rosely Rocha