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/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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Deu no New York Times: Bolsonaro deixou 28 milhões de brasileiros sem médicos

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A reportagem é de Shasta Darlington e Letícia Casado no New York Times.

Todas as cadeiras de plástico estavam vazias na clínica de saúde pública. Os pacientes que entraram cambaleantes foram mandados embora, para voltar na quinta-feira – agora o único dia da semana em que um médico está lá.

Embu-Guaçu, esta pequena cidade brasileira que abriga 70.000 pessoas, recentemente ficou sem oito de seus 18 médicos do setor público, uma perda devastadora para a rede de clínicas gratuitas da cidade, forçando a escolhas difíceis sobre quem receberá tratamento, quando isso é possível.

“É de partir o coração”, disse Fernanda Kimura, médica que coordena a designação de médicos para as clínicas do departamento de saúde local. “Como escolher qual criança atender?”

Os doentes e os feridos que foram dispensados naquele dia, num bairro operário de Embu-Guaçu, representam apenas uma pequena fração dos estimados 28 milhões de pessoas em todo o Brasil cujo acesso à assistência médica foi drasticamente reduzido, se não interrompido, segundo a Confederação Nacional de Municípios, após um embate entre o novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e Cuba.

Em novembro, Cuba anunciou que estava retirando os 8.517 médicos que havia enviado para regiões pobres e remotas do Brasil.

A saída abrupta de milhares de médicos mostrou a Bolsonaro um dos seus primeiros grandes desafios políticos – e testou sua capacidade de cumprir a promessa de encontrar rapidamente substituições caseiras.

“Estamos formando em torno de 20 mil médicos por ano e a tendência é aumentar esse número”, disse Bolsonaro em novembro. “Podemos resolver esse problema com esses médicos.”

Mas seis meses depois do início do seu mandato, o Brasil luta para substituir os médicos cubanos pelos médicos brasileiros: 3.847 postos médicos do setor público em quase 3.000 municípios continuam sem substitutos.

“Em vários estados, as clínicas de saúde e seus pacientes não têm médicos”, disse Ligia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “É um passo atrás. Impede diagnósticos precoces, monitoramento de crianças, gravidez e a continuação de tratamentos que já estavam em andamento. ”

Durante sua campanha à presidência, Bolsonaro, um populista de direita, se comprometeu a fazer grandes mudanças no programa Mais Médicos, uma iniciativa inaugurada em 2013, quando o governo de esquerda estava no poder. O programa enviou médicos para as pequenas cidades brasileiras, aldeias indígenas e bairros urbanos violentos e de baixa renda.

Cerca de metade dos profissionais do Mais Médicos eram de Cuba, e foram enviados para 34 aldeias indígenas remotas e para os bairros mais pobres de mais de 4.000 vilas e cidades, lugares em que a maioria dos médicos brasileiros estabelecidos prefere não trabalhar.

“A disposição dos médicos cubanos para trabalhar em condições difíceis tornou-se uma pedra angular do sistema de saúde pública”, disse a professora Bahia.

O Brasil pagou em dólares à Cuba pelos médicos, tornando-os uma pauta de exportação vital para os cofres da ilha. Mas a maior parte do dinheiro foi para o governo cubano, um acordo que Bolsonaro advertiu que mudaria.

Os médicos cubanos há muito queixam-se de receber apenas uma pequena parte do dinheiro pago pelo seu trabalho, e Bolsonaro disse que eles teriam que manter todo o seu salário e levar suas famílias para o Brasil. Eles também teriam que passar por exames de equivalência para provar suas qualificações.

“Nossos irmãos cubanos serão libertados”, disse Bolsonaro em uma proposta de campanha oficial apresentada na campanha eleitoral. “As famílias deles poderão migrar para o Brasil. E, se passarem pela revalidação, começarão a receber a quantia inteira que estava sendo roubada pelos ditadores cubanos!

Duas semanas depois de Bolsonaro ter ganho a presidência em outubro, Cuba chamou todos os seus médicos de volta.

O acesso à assistência médica gratuita é um direito da legislação brasileira, e o Mais Médicos foi promulgado em 2013 pela presidente Dilma Rousseff em uma tentativa de fornecer assistência médica às comunidades que não estavam sendo atendidas pelo sistema público de saúde. Por meio de uma rede de clínicas gratuitas, o programa forneceu a 60 milhões de brasileiros acesso a um médico de família em sua comunidade pela primeira vez.

Nos primeiros quatro anos de Mais Médicos, o percentual de brasileiros que recebem cuidados primários aumentou de 59,6% para 70%, de acordo com um relatório da Organização Pan-Americana de Saúde, que coordenou a participação de Cuba no programa.

A retirada dos médicos cubanos pode reverter essa tendência, com as consequências especialmente severas para os menores de 5 anos, potencialmente levando à morte de até 37.000 crianças até 2030, alertou o Dr. Gabriel Vivas, funcionário da Organização Pan-Americana de Saúde.

Em fevereiro, parecia que Bolsonaro cumpriria sua promessa de preencher as vagas dos cubanos: o Ministério da Saúde Nacional anunciou que todas as vagas deixadas pela retirada de Cuba haviam sido preenchidas por médicos brasileiros. Mas, em abril, milhares de novos recrutas haviam desistido ou deixado de comparecer ao trabalho em primeiro lugar.

Mais de 2.000 médicos cubanos optaram por permanecer no Brasil, desafiando o chamado para voltar para casa. Mas com o acordo especial com Cuba terminado, eles agora são proibidos de praticar medicina até passarem num exame – que o governo brasileiro não ofereceu desde 2017 e para o qual o Ministério da Saúde não marcou data.

Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde do Brasil, disse que o novo governo está trabalhando em um projeto de lei para garantir que as metas do Mais Médicos sejam alcançadas e os médicos substituídos.

“Mesmo que o programa tenha vários problemas, tem um lado positivo, que é, precisamente, diminuir a desigualdade na negligência com a saúde”, disse ele.

Mas Mandetta inicialmente disse que o projeto seria enviado ao Congresso entre abril e maio. Agora, o ministério diz que será introduzido até o final de junho.

Karel Sánchez foi um dos quatro médicos cubanos enviados para a remota região de Cachoeira do Arari, na Amazônia brasileira. Ele esperou cinco meses depois que seu governo ordenou a retirada de todos os médicos cubanos, com a expectativa de que o sr. Bolsonaro respeitaria sua promessa de campanha de submetê-lo a um exame para que ele pudesse continuar a trabalhar e receber seu salário integral.

“Fiquei feliz quando Bolsonaro disse que não apoiaria uma ditadura ”, disse Sánchez.

Em abril, o Dr. Sánchez desistiu e mudou-se para São Paulo, onde arruma dinheiro vendendo doces caseiros e trabalhando como encarregado de bagagens num aeroporto.

“Agora ele não fala sobre nós, apenas o silêncio”, disse Sánchez.

Em Embu-Guaçu, Dr. Santa Cobas, o médico cubano que servia os residentes na clínica agora aberta apenas às quintas-feiras, ainda estava por perto e ansioso por trabalhar.

Mas o Dr. Cobas está desempregado e as 4.000 pessoas que ele já cuidou não têm acesso a um médico local seis dias por semana.

“Agora acabamos fazendo a triagem o dia todo – decidindo quem precisa correr para outro hospital, que vai ver o médico visitante na quinta-feira e quem terá que esperar”, disse Erica Toledo, enfermeira-chefe da clínica Jardim Campestre, que foi inaugurada em 2015.

“O doutor estava aqui desde o primeiro dia, e foi a primeira vez que as pessoas se sentiram cuidadas por seu “próprio” médico “, disse Toledo. “Elas realmente o amam.”

A secretária de saúde de Embu-Guaçu, doutora Maria Dalva, disse estar frustrada com 63% dos eleitores da cidades, que votaram em Bolsonaro, apesar de sua antipatia pelo Mais Médicos.

“A taxa de mortalidade infantil caiu de 17% para 7% em cinco anos graças ao Mais Médicos”, disse o Dr. Dalva. “Eu disse às pessoas para pensarem sobre isso antes de votarem.”

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