Por Samanta Do Carmo no Congresso em Foco
Instituição considera que capitalização fere o princípio da solidariedade presente na Constituição brasileira
O Ministério Público Federal enviou aos parlamentares na quarta-feira (05) nota técnica sobre a reforma da Previdência avaliando que o regime de capitalização, que está previsto no texto apresentado pelo Poder Executivo ao Congresso, é inconstitucional. Na avaliação dos procuradores, a proposta altera o “princípio da solidariedade estabelecido como núcleo central da Constituição Federal de 1988”. O relatório foi produzido pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão que integra o MPF.
Na nota técnica, o MPF explica que a Constituição de 1988 traz normas de forma descentralizada, ou seja, espalhadas por diversos artigos diferentes, que traduzem a sua intenção de basear políticas públicas voltadas para superar a desigualdade histórica que marca a sociedade brasileira. E aponta que é no artigo 195 que isso fica mais evidente. Ele determina que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, bem como de contribuições sociais.
A proposta do governo prevê a substituição do regime de repartição (no qual as receitas do sistema integram uma conta comum e os trabalhadores da ativa financiam os gastos com aposentados) pelo regime de capitalização (em que cada um contribui para sua própria aposentadoria por meio de contas individualizadas).
Máximo egoísmo
“A ideia força da capitalização proposta pela reforma da Previdência – comumente chamada de ‘poupança individual’ – é a do máximo egoísmo, em que cada qual orienta o seu destino a partir de si, exclusivamente. Nada mais incompatível, portanto, com o princípio regulativo da sociedade brasileira, inscrito no art. 3º da Constituição Federal, que é o da solidariedade”, destaca o documento.
O parecer do MPF contra o regime de capitalização também menciona estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), analisando os efeitos deste modelo previdenciário em países da América Latina e do Leste Europeu. Segundo o MPF, as pesquisas internacionais reúnem dados de cerca de 30 país que, entre 1981 a 2014, privatizaram total ou parcialmente seus sistemas previdenciários. Depois da crise financeira global de 2008, quando os impactos negativos ficaram mais evidentes, a grande maioria dessas nações se afastou da privatização.
A estagnação e diminuição da cobertura previdenciária, o aumento da desigualdade, inclusive a de gênero, e os altos custos da transição entre os sistemas público e privado foram alguns dos impactos mensurados. Além disso, a expectativa de concorrência no setor privado na operação das previdências não ocorreu, gerando frequentemente situações de oligopólio entre duas ou três empresas.
Benefícios assistenciais
O Ministério Público também analisa e critica as mudanças propostas na reforma da previdência para os benefícios assistenciais atualmente em funcionamento no país, como o Benefício Assistencial de Prestação Continuada (BPC), destinado aos idosos e a pessoas com deficiência que não tenham como prover a sua subsistência. O parecer do Ministério Público aponta que, segundo dados da própria Previdência Social, em janeiro de 2019, os gastos com o benefício assistencial correspondiam a apenas 3,4% (R$ 16.663.256,00) do valor total pago pelo INSS (R$ 490.433.881,00), e avalia que o argumento econômico não se sustenta.
Além do desalinhamento com os princípios constitucionais, a reforma da Previdência proposta ainda contraria os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro, de acordo com o MPF. “O Brasil está vinculado a essa ordem internacional de proteção aos direitos humanos por força de decisão de sua própria Constituição, que determina que o Estado se regerá em suas relações internacionais com base no princípio da prevalência desses direitos”, menciona a nota técnica.