Por Luiza Bezerra*
O Governo Bolsonaro colocou em pauta a Reforma da Previdência, como havia prometido em sua campanha eleitoral. Embora a Reforma atinja um amplo setor da população brasileira, boa parte da juventude não está atenta ou não se interessa pelo assunto. Muitos se questionam o que têm a ver com a Previdência já que a aposentadoria está tão distante. Pode não parecer, mas a juventude tem tudo a ver com a Reforma da Previdência. É preciso lembrar que o jovem de hoje é o idoso de amanhã.
O alvo principal dessa reforma somos justamente nós, que compomos a juventude brasileira, em especial a que ainda está por ingressar no mercado de trabalho. Com um discurso ameçador de que o jovem terá que escolher entre ter direitos ou trabalhar, o governo tenta impor a ideia de que só é possível gerar empregos ao reduzir as garantias trabalhistas, o que é facilmente contestado com dados.
No período Lula e Dilma, alcançamos o pleno emprego sem ser preciso retirar direitos. A diferença para aquele período era o fato de que nossa economia crescia, gerando emprego e renda. Ou seja, não precisamos reduzir direitos e sim retomar o desenvolvimento do país. Os governos de Temer e Bolsonaro defendem medidas que agravam ainda mais as consequências da crise econômica, aumentando o desemprego, a miséria e o número de trabalhadores informais (em 2017, pela primeira vez o número de trabalhadores informais superou os de carteira assinada). Ao invés de aumentar o investimento público em áreas estratégicas que dariam retorno financeiro, o governo Temer (apoiado pelo então deputado Bolsonaro) congelou os recursos públicos por 20 anos.
Eles querem que a gente pague a conta!
A questão da Previdência vem sendo debatida há anos e em diversos países, já que a realidade demográfica tem mudado com o aumento da expectativa de vida. Em um cenário com uma populaçao numerosa de idosos e com maior expectativa de vida, é aceitável que se revejam algumas regras. A questão é: por que na maioria dos países, assim como no Brasil, as reformas atingem apenas a classe trabalhadora? Por que não se inclui nas mudanças os altos salários que afetam consideravelmente as contas da Previdência? E, mais importante, por que não se cobra e fiscaliza os grandes empresários que devem hoje para a Previdência mais do dobro do suposto rombo que justificaria a reforma (enquanto o saldo devedor de tais empresas é de R$374,9 bilhões, o rombo alegado pelo governo é de R$149 bilhões). A resposta é simples: querem que apenas nós paguemos a conta, enquanto meia dúzia segue com seus privilégios.
A Previdência é mais do que a aposentadoria
Talvez o jovem não se enxergue neste debate da Previdência porque a aposentadoria é ainda algo muito distante. Embora tenhamos que esclarecer do por que é preciso pensar desde já na sua aposentadoria, é preciso dizer também que a Previdência é mais do que isso. Além disso, é importante explicar para aqueles que estão ingressando no mercado de trabalho que a sua cobertura é para todos, formais e informais, bastando apenas contribuir para a mesma. Ao contribuir para a Previdência você acessa uma série de direitos, como a auxílio-doença, o salário-maternidade, o seguro-desemprego e o auxílio-acidente. São direitos conquistados para podermos trabalhar mais tranquilos, com a garantia de renda em casos de doença, acidente, gravidez, prisão, morte, demissão e velhice. Porém, para mantermos estes direitos é preciso que defendamos a Previdência pública e para todos!
Carteira de trabalho verde-amarela e previdência por capitalização
Para a juventude que está por ingressar no mercado de trabalho o atual governo defende a intensificação da precarização do trabalho, tudo de forma legalizada. Não bastou a Reforma Trabalhista, que legalizou os “bicos” através das novas formas de contratos (precários) como a terceirização irrestrita, a pejotização e o trabalho intermitente. Neste último, o empregador define quantas horas vai precisar de você no mês, o que pode (e tem) acarretado em salários inferiores ao salário mínimo.
O governo Bolsonaro quer ir além e instituir duas categorias de trabalhadores: os assistidos pelos direitos trabalhistas, com proteção dos sindicatos, salários melhores, férias, FGTS, 13º; e uma outra categoria sem direito a nada disso, com uma carteira de trabalho verde-amarela. A “escolha” a qual das duas carteiras se vincular seria do indivíduo. O argumento é de que só assim seria possível gerar empregos o que, como já vimos, é história pra boi dormir. Junto a essa proposta, o governo estuda a possibilidade de implementar a Previdência por capitalização para os jovens que ainda vão ingressar no mercado de trabalho. O modelo de capitalização, adotado pelo Chile na década de 80 e com consequências desastrosas (a maioria dos idosos recebem metade de um salário mínimo), é o defendido por Paulo Guedes, atual ministro da Economia. Como sairia muito caro modificar nosso sistema por completo, a proposta estudada é a de aplicá-lo apenas para uma parcela da população.
O modelo de capitalização funciona como uma poupança individual, administrada por bancos e fundos de pensão, ambos privados. Atualmente no Brasil nós repartimos as despesas da previdência entre trabalhador, empregador e Estado. Na proposta da capitalização apenas contribuiria para a previdência o próprio beneficiário, patrões e governos deixarão de contribuir. Além disso, o risco de receber um valor muito menor ao salário da ativa é grande, já que, além da fonte ser única e estar sujeito às flutuações do mercado de trabalho, também não há garantias com relação aos rendimentos das aplicações feitas no mercado. Assim, fica claro a quem interessa esse modelo: às grandes empresas e aos bancos privados. Caso seja aprovada alguma proposta nesse sentido a juventude será uma das parcelas que mais vai sentir na pele seus efeitos nefastos.
Previdência para poucos: é isso que queremos?
A carteira verde-amarela e o modelo de capitalização ainda estão sob estudo e precisamos ficar atentos para combater sua implementação. Porém, já está em pauta a proposta da Previdência que retira direitos e, na prática, impediria que boa parte do povo brasileiro se aposentasse. A nova proposta aumenta o tempo mínimo de contribuição para 20 anos (hoje é de 15 anos), sendo que para adquirir 100% do benefício a que temos direito precisaríamos contribuir por 40 anos.
Atualmente, a realidade da juventude no mercado de trabalho brasileiro é de altas taxas de desemprego (em torno de 30%) e alto índice de informalidade (os jovens trabalhadores sem carteira assinada são cerca de 70%). Ou seja, neste cenário é extremamente difícil que este jovem consiga contribuir por 40 anos para ganhar, na maioria dos casos, um salário mínimo. Entre as jovens meninas é ainda mais difícil, pois é comum elas terem que sair do mercado de trabalho por meses ou anos por conta dos cuidados domésticos (gravidez, idosos que exigem atenção, adoecimento na família, etc).
Além do tempo de contribuição há a proposta de instauração da idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres. A imposição da idade mínima prejudica os mais pobres, que além de começarem a trabalhar desde muito jovens, também possuem a expectativa de vida mais baixa, sendo que em muitos bairros periféricos esta expectiva média não chega aos 60 anos. Isso significa que uma parcela importante dos trabalhadores irão trabalhar até morrer, sem conseguir usufruir de sua aposentadoria, um direito conquistado. É também o caso da maioria dos trabalhadores e trabalhadoras rurais.
A juventude rural também será atingida por essa reforma caso venha a ser aprovada, já que o tempo de contribuição e a idade mínima foram alterados. Além disso, o governo baixou uma Medida Provisória (MP 871) que dificulta a comprovação dos anos trabalhados no campo, bem como tenta repassar para os bancos uma intermediação que era antes feita pelos sindicatos e os representantes eleitos destes trabalhadores. Um dos principais debates feitos pela juventude rural é o da sucessão e de como tornar o ambiente rural mais atrativo para a juventude. Tais medidas vão na direção contrária, dificultando a perspectiva de uma aposentadoria digna para os trabalhadores rurais e podendo causar pobreza e um deslocamento ainda maior para as áreas urbanas em busca de oportunidades.
A proposta do Governo Bolsonaro é de uma aposentadoria digna para poucos, enquanto a maioria da população ou não atingiria os requisitos e ficaria sem nenhum benefício ou os que atingissem os requisitos básicos receberiam menos de um salário mínimo, em sua maioria. Essa não é a Previdência que o Brasil precisa e não é a que queremos.
Todos à luta em defesa da Previdência pública e inclusiva!
Deu para ver que tais mudanças tornariam ainda mais difícil o acesso a uma aposentadoria digna, em especial para a juventude que ingressa num mercado de trabalho com poucas oportunidades. Por isso, a defesa da Previdência pública é uma das principais batalhas que iremos travar no próximo período. Nossos adversários são poderosos e irão investir pesado em propagandas enganosas. É preciso que conversemos com os trabalhadores e trabalhadoras, em especial os mais jovens, trazendo eles para o nosso lado da luta. Garantir a Previdência pública e inclusiva é combater a miséria, a desigualdade social, é garantir o mínimo de segurança para o trabalhador. Neste sentido, convidamos a todos e todas a comparecerem na Praça da Sé, em São Paulo, no dia 20 de fevereiro, às 10h, para juntos construirmos uma grande Plenária Nacional da Classe Trabalhadora em Defesa da Previdência. Nos vemos nas ruas!
*Bancária, Socióloga e Secretária Nacional de Juventude da CTB