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/ sexta-feira, novembro 22, 2024
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Em marcha, o desmonte do Bolsa Família, Abono-Salarial e mais 2 programas sociais

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Bolsonaro encomenda estudo de fusão de 4 programas federais. Proposta usa orçamento atual do combate à desigualdade para beneficiar crianças de famílias consideradas “ricas” pelo próprio governo

Jornal GGN – O Ipea lançou, a pedido do governo Bolsonaro, um estudo que “pode ser visto como uma sugestão de reforma da assistência complementar” (a palavra “social” aparentemente foi banida do vocabulário dos liberais à frente da iniciativa). A proposta (veja a íntegra ao final) propõe fundir 4 programas (o Bolsa Família, o Salário-Família, a dedução por dependente para crianças no Imposto de Renda de Pessoa Física e o Abono Salarial) em um único projeto.

A ideia, expressamente comprometida com a “equilíbrio fiscal”, é juntar o orçamento atual dos 4 programas, que totaliza R$ 52 bilhões, e gerar um projeto novo com 3 tipos de benefícios. Um deles chama atenção porque será distribuído não só às famílias pobres, mas também àquelas consideradas “ricas” pelo próprio governo (embora o critério não esteja claro), desde que tenham em casa crianças e jovens de 0 a 18 anos.

Esse “benefício universal” consumiria 56% do orçamento total, ou 29,2 bilhões de reais (o que equivale ao gasto total com Bolsa Família hoje). “Isto ocorre porque todas as crianças, de famílias ricas ou pobres, receberiam este benefício”, frisa o estudo.

Na justificativa, os idealizadores afirmam que um “benefício universal” tem a vantagem de aumentar a quantidade de famílias pobres assistidas e, ao mesmo tempo, acabar com os “estigmas” que existem em torno do Bolsa Família. Além disso, vai promover a “percepção simbólica de que todas as crianças e adolescentes, independentemente de suas características econômicas, sociais ou individuais, são valorizados pelo Estado.”

Como não pretende reduzir e muito menos aumentar a proposta orçamentária para assistência social, na prática, a proposta em estudo pelo governo Bolsonaro vai prejudicar principalmente as famílias que recebem Abono Salarial, Salário-Família e a dedução-criança no imposto de renda.

Ao longo das 45 páginas do estudo, fica claro que a equipe econômica não concorda com o funcionamento do Abono Salarial e com a dedução no Imposto de Renda para quem tem crianças como se dão hoje, classificando as iniciativas como “indefensável” ou “Bolsa Família para rico”. Assim, propõem mudanças em seu pagamento.

A ex-ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, ao comentar a proposta em entrevista ao Poder 360, divulgada nesta segunda (16), avaliou que a intenção do governo é acabar com as políticas assistenciais como o abono salarial. “O principal propósito deles é cortar gastos sociais”, alertou.

À imprensa, representantes do governo Bolsonaro têm negado que a intenção é desmontar programas ou reduzir os benefícios. Mas o próprio estudo do Ipea admite o contrário.

OS “PERDEDORES”

O estudo diz que é “lógico” que haverá “perdedores” com a fusão dos 4 programas. E “os maiores perdedores serão aqueles na metade superior da distribuição de renda que recebem benefícios como o Abono Salarial e a dedução-criança do IRPF.” Mais: os autores dizem que “não nos preocupamos com eles, mas com os beneficiários atuais do Bolsa Família, que estão entre os indivíduos mais pobres e necessitados do Brasil.”

E continuam: “Muitas famílias pobres que hoje recebem o BSP [Benefício da Superação da Extrema Pobreza] verão seus benefícios caírem. São famílias que vivem em contextos de muita escassez e para quem quedas no benefício podem ser dramáticas.” Há aproximadamente 9,4 milhões de famílias na proposta básica e 8,8 milhões na proposta alternativa que perdem, em média, R$ 26,00 e R$ 23,00 per capita, respectivamente, advertem.

Para suavizar o estrago, o estudo sugere que o ajuste, para essas famílias, seja “seja feito somente quando há uma atualização cadastral e, de preferência, apenas quando a economia estiver em crescimento e o mercado de trabalho aquecido.”

No público do Bolsa Família, devido às mudanças sugeridas no critério de renda para conceder os pagamentos, a estimativa é de 26 milhões de indivíduos sairão como “perdedores com a nova proposta.”

“Para evitar o dilema de perdas para os que, pelo menos no cadastro, têm rendas muito baixas, a solução é criar um benefício transitório com duração de, no mínimo, quatro anos. Isso é coerente com uma estratégia de implementação gradual da proposta”, sugeriram os autores.

NOVOS BENEFÍCIOS

Além da modalidade que faz pagamento de R$ 45 para crianças e jovens de 0 a 18 anos, independente da renda familiar, a reforma da assistência complementar prevê mais dois benefícios.

O segundo é de R$ 90 para crianças de 0 a 4 anos, pago a famílias com a nova renda per capita de R$ 250. Contudo, famílias que recebem até R$ 430 per capita também poderiam receber este benefício, mas com um desconto progressivo criado pelo governo Bolsonaro. A chamada “tributação implícita” funcionaria assim: a cada R$ 10,00 de aumento de renda per capita, a família perde R$ 5 no valor pago pelo Estado.

O terceiro benefício seria “focalizado na pobreza extrema”: um valor de R$ 44,00 para qualquer família com renda de R$ 250 per capita, até o limite de R$ 338. Mas aqui também recairia a “tributação implícita”, com desconto progressivo a cada R$ 10 acima do piso da renda per capita.

Abaixo, uma estimativa de como seriam distribuídos os recursos e o impacto sobre um total estimado de 92 milhões de beneficiários.

SOBREPOSIÇÕES

Uma das críticas feitas pelos autores do estudo para justificar a fusão diz respeito “às sobreposições” e “duplicidades” no recebimento de benefícios. “Como são quatro programas”, dizem, “são seis sobreposições teoricamente possíveis”.

“A maior sobreposição é entre o Abono Salarial e o Salário-Família. Não é surpresa, uma vez que todos que recebem Salário-Família deveriam também receber o Abono Salarial. As 15,4 milhões de sobreposições são mais numerosas que os 5 milhões de benefícios do Salário-Família, porque todos os membros da família são contados como beneficiários. Há também uma grande sobreposição entre Abono Salarial e Bolsa Família – isso porque muitas famílias que têm um membro no mercado de trabalho formal estão também no Bolsa Família.”

A ideia da reforma é acabar ou reduzir drasticamente essas sobreposições, com o conceito de que há famílias recebendo “muito”, enquanto outras recebem “pouco”.

Essas famílias recebendo muito são as famílias que ganham até 2 salários mínimos (Abono-Salarial) ou estão na faixa dos R$ 4 mil na dedução-criança do imposto de renda.

O Abono-Salarial e a dedução são os dois programas mais atacados no estudo do Ipea. Os idealizadores da fusão alegam que “em relação ao Abono-Salarial, quase 40% dos trabalhadores que o recebem estão no um terço superior da distribuição de renda. Não há como justificar hoje esta transferência de renda.” E dizem que “Não deve ser surpresa que 99% da dedução-criança do IRPF vão para o terço superior da distribuição de renda.”

Enquanto isso, o Salário-Família, que é “indefensável por outras razões”, pelo menos “é progressivo: 37% dos que o recebem ficam no terço inferior e apenas 10% estão no terço superior da distribuição de renda.”

A principal razão pela qual o Salário-Família é “indefensável” é o alegado “recebimento em duplicidade dentro da lei”, porque tanto o pai quanto a mãe de uma família pobre pode receber o valor mensal de R$ 31,71 para cada criança, pago ou pelo sindicado (em caso de trabalhador avulso vinculado) ou pelo empregador (que desconta das contribuições previdenciárias).

Somente trabalhadores que ganham até R$ 1.319,18, pouco mais de um salário mínimo, têm direito ao Salário-Família, e para crianças de até 14 anos incompletos. O INSS também faz o pagamento para os trabalhadores que recebem auxílio-doença ou
aposentados por invalidez, beneficiários de aposentadoria rural, ou aposentados por idade.

Já a dedução-criança no imposto de renda é taxada pelo estudo de “Bolsa Família dos ricos” criado “quase cinquenta anos antes do Bolsa Família dos pobres.”

A crítica se dá porque a dedução é em cima da renda tributável e não sobre o imposto a pagar. Então, quem tem renda inferior a R$ 1.903,98, não tem direito a esse benefício. Quem está na faixa dos R$ 4.664,68, ganha R$ 52,14 de desconto se tiver criança como dependente.

“Trata-se, evidentemente, de um benefício extremamente regressivo focado quase que exclusivamente nos mais ricos e difícil de justificar”, diz o estudo.

Na questão do Abono-Salarial, há também crítica à “dupla indexação ao salário mínimo”: o benefício é pago a quem ganha entre 1 e 2 salários mínimos, e o valor anual é também de 1 salário mínimo.

O estudo alega que “as coisas mudaram”, que o Abono foi lançado quando o salário mínimo valia menos da metade do que vale hoje. “Torna-se difícil justificar o Abono-Salarial. É ainda mais difícil entender o porquê desta transferência contar com um orçamento que é uns 80% do gasto anual do Bolsa Família.”

PROMESSAS

Na introdução, os autores ainda dizem que o ideal era acabar com a rede de assistência atual e projetar uma nova para atender o mesmo público e ampliar os beneficiários, mas isso seria de difícil execução. Por isso, surgem com a proposta de fusão. Embora ainda não tenham fechado os detalhes, eles alertam que será preciso mudanças na Constituição para concretizar todo o processo.

Além disso, a proposta promete melhorar os índices de desigualdade no País, elevando, nas projeções encomendas ao Ipea, o coeficiência de Gini dos atuais 1,10 para 1,97 a 2,03.

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