Depois da queda de quase 20% de novas ações trabalhistas em 2018, o número voltou a crescer este ano. Segundo juízes do Trabalho, o motivo é que os patrões não estão pagando nem verbas rescisórias
O número de novas ações trabalhistas voltou a crescer em 2019, apesar das restrições de acesso à Justiça impostas pela reforma Trabalhista. A maioria dos trabalhadores e trabalhadoras está processando as empresas porque não recebeu as verbas rescisórias, segundo a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
“Infelizmente o trabalhador tem sido dispensado sem receber nada do que tem direito”, alerta Ronaldo da Silva Callado, diretor de Comunicação da Anamatra e presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 1ª Região (RJ).
A grande maioria das ações é porque muitos empresários descumprem uma obrigação básica que é o pagamento de verbas rescisórias. Isto é triste. Só demonstra que o argumento de quem defendia a reforma Trabalhista, de que ela iria diminuir o número de ações na Justiça e o desemprego, não era correto
De acordo com o juiz, embora os dados nacionais não estejam fechados, já dá para perceber um aumento na entrada de ações em 2019. Somente no Tribunal Regional (TRT1) do Rio de Janeiro, o número de novas ações subiu de 71.139 para 78.991 entre maio de 2018 e maio deste ano – um aumento de 11%.
Já segundo o relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2018, depois que a nova lei trabalhista entrou em vigor, foram registradas 3,5 milhões de novas ações contra 4,3 milhões de 2017, menos 19,9%.
Para o juiz Ronaldo Callado, as taxas de desemprego, que deixam o trabalhador à margem do mercado de trabalho, e o crescimento da informalidade também contribuem para a volta do crescimento das ações.
“Sem dinheiro, nem expectativa de conseguir um novo emprego rapidamente, eles correm para buscar seus direitos”, diz.
De acordo com o juiz, no primeiro momento, pós reforma Trabalhista, os trabalhadores ficaram receosos em ingressar com ações porque teriam ter de arcar com os custos e os honorários advocatícios caso perdessem o processo. Mas, como a Procuradoria Geral da República (PGR) entrou com Ação de Inconstitucionalidade contra a cobrança junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda não deu sua decisão final, e muitos Tribunais Regionais do Trabalho começaram a considerar a cobrança inconstitucional, as pessoas voltaram a ter coragem de entrar com novas ações.
“A reforma não diminuiu os conflitos trabalhistas, só que diante da dificuldade o trabalhador pensa duas vezes quando busca um ressarcimento e só pede aquilo que ele tem certeza que vai ganhar, mesmo com a legislação permitindo que ele encampe numa mesma ação vários pedidos, como danos morais e horas extras”, explica.
Para a juíza do Trabalho no Rio Grande do Sul e presidenta da Associação Juízes para a Democracia (AJD), Valdete Souto Severo, esse grande número de ações por falta de pagamento de verbas rescisórias deveria ser motivo de repúdio da Justiça do Trabalho.
Não cabe aos tribunais homologar qualquer tipo de acordo, aceitando parcelar o pagamento das rescisões e outras “facilidades” para o empregador
“Antes o trabalhador tinha de homologar no sindicato e o empregador tinha 10 dias para pagar, mas o que mais acontece hoje é o trabalhador ser mandado embora sem direito algum. Por isso, como juízes, temos de ter cuidado em identificar esse novo aumento de demandas e a relação que ela pode ter com a recessão e o desemprego”, analisa Valdete, que é doutora em Direito do Trabalho pela USP.
“É preciso analisar os reflexos do desemprego e a perda do poder de consumo do trabalhador que retiram dinheiro do mercado. Para a economia girar é preciso que as pessoas recebam bons salários. Essa lógica reduz o consumo”, diz se referindo a política econômica neoliberal iniciada pelo ilegítimo Michel Temer (MDB-SP) e mantida por Jair Bolsonaro (PSL-RJ) de tirar direitos dos trabalhadores prometendo com isso, aquecer a economia e gerar mais emprego e renda.
E foi essa lógica de redução de salário que afetou negativamente a vida da designer de interiores Mônica Fachinetti, de 38 anos. Ela trabalhou durante um ano e cinco meses sem registro em carteira em uma loja de móveis planejados. Durante suas férias o patrão colocou outra pessoa em seu lugar ganhando menos e a pressionou para pedir demissão. Ela não pediu. Foi demitida e o patrão não pagou nem o salário do mês.
“Eu sai de férias e quando voltei tinha outra pessoa no meu lugar ganhando metade do meu salário e com comissão menor pelas vendas”, conta Mônica, que à época ganhava R$ 2 mil reais fixos e recebia 5% de comissão se o valor da venda ultrapassasse o salário.
A designer conta que o dono da empresa para forçar um pedido de demissão retirou a mesa e o computador para que não conseguisse realizar o seu trabalho, e dizia que ela podia ir embora se não estivesse satisfeita.
“Meu marido é deficiente visual e não trabalha. Tenho dois filhos e o dono da loja sabia da minha situação, que eu sou a provedora da casa. Por isso me tratava daquela forma e eu fui aguentando para não sair sem direitos, até que ele acabou me demitindo e nem quis pagar o salário do mês. A única forma de conseguir meus direitos foi entrando na Justiça do Trabalho e eu ganhei a causa e já recebi”, conta, incentivando os demais trabalhadores a buscarem seus direitos na Justiça.
Processos tramitando na Justiça
As Varas Trabalhistas de primeira instância em todo o Brasil têm um estoque de quase 44 milhões de ações de trabalhadores e trabalhadoras questionando o não recebimento de direitos como seguro desemprego, salários, verbas indenizatórias e diferenças salariais.
As varas de segunda instância têm mais 5,2 milhões.
E o CNJ ainda não somou aos processos antigos às novas ações que deram entrada em 2019.
www.cut.org.br/Rosely Rocha