O pesquisador do Departamento de Direitos Humanos e Saúde (Dihs/ENSP/Fiocruz), Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos, assina carta sobre a reforma das Normas Regulamentadoras de Segurança e Medicina do Trabalho. Para Fadel, em matéria de saúde do trabalhador estamos migrando do antigo e não resolvido horror para um cenário de terror explícito.
Confira, abaixo, a carta na íntegra.
A reforma das NRs (Normas Regulamentadoras de Segurança e Medicina do Trabalho/CLT)
Ou o Terror se aproxima
É insaciável a fúria e o desejo de vingança contra a classe trabalhadora do atual governo. Na agenda de desconstrução de direitos humanos, dentro da chamada pauta de costumes, o direito voltado para as relações saúde-trabalho não coube. Foi preciso justificar essa medida de terror contra os trabalhadores dentro da pauta econômica.
Os adoecimentos, acidentes e mortes no trabalho há muito constituem o mais grave problema de saúde pública brasileiro. Os dados disponíveis no Observatório do Ministério Público do Trabalho/OIT (https://smartlabbr.org/sst) para os trabalhadores celetistas demonstram a dimensão do horror. Lá se observa, inclusive, o seu custo econômico, o que invalida peremptoriamente a pretensa economia com o afrouxamento das NRs.
A rigor, o que se tem é a continuidade do projeto de destroçamento gradual dos direitos trabalhistas, saúde incluída. A chamada flexibilização trabalhista (redução de direitos) não é nova. Ela vinha avançando lentamente, contida por governos moderadamente liberais e conservadores em matéria de direitos trabalhistas. No governo pós-impeachment foi aberta a porteira de aceleração do projeto destroçador. Iniciou com a Lei da Terceirização (Lei Nº 13.429, de 31/03/2017, por coincidência, ou não, aniversário do golpe de ‘64). Depois com a Lei da “Reforma” Trabalhista (Lei Nº 13.467, de 13/07/2017), vários direitos foram suprimidos. A nova disposição da CLT favoreceu, integralmente, o capital e prejudicou exclusivamente os trabalhadores e os sindicatos.
Todavia, o cenário ainda não era o de um liberalismo hiper-radicalizado de assustar até os “antigos” neoliberais. Pois chegamos a essa nova cena, que ainda não tem nome, além do já surrado e agora insuficiente jargão de extrema direita. Em matéria de saúde do trabalhador estamos migrando do antigo e não resolvido horror para um cenário de terror explícito.
Além da insensibilidade com o sofrimento da classe trabalhadora, demonstrado nos porta-vozes do anúncio, em 30/07/2019, dessa nova “reforma”, fica patente o cinismo cruel das justificativas. Por ora, modificaram-se a NR 1 (Disposições Gerais) e a NR 12 (Máquinas e Equipamentos) e foi suprimida a NR 2 (Inspeção Prévia). As normas modificadas, um dia após o anúncio, não foram disponibilizadas. Ainda não se tem a dimensão do estrago ou quais requintes de crueldade foram perpetrados contra os trabalhadores.
Uma pequena amostra, no tocante à NR 12: de 2012 a 2018 foram 528.473 acidentes, 2.058 mortes e 25.790 amputações causadas por máquinas, com um custo de R$ 732 milhões (aposentadorias e pensões por acidentes com máquinas). Nesse custo não se incluem os gastos do SUS, seguros, ações judiciais, contratações, horas paradas e, principalmente, os custos que não têm contabilização econômica – emocionais, sociais, familiares.
Os porta-vozes da incúria anunciaram para breve mudanças nas NR 17 (Ergonomia), NR 18 (Indústria da Construção) e NR 24 (Condições Sanitárias e de Conforto).
Há uma expressão que diz: “desse aí se pode esperar tudo”. Não serve ao caso.
Melhor seria: desse aí só se pode esperar tudo que tritura a dignidade humana.
Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos
Dihs/ENSP/Fiocruz.
www.ensp.fiocruz.br