No Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, conheça histórias marcadas pela luta contra a discriminação
Quando Sebastiana Neves Satil nasceu, a abolição da escravidão no Brasil ainda não havia completado nem três décadas — só havia 28 anos desde a assinatura da Lei Áurea que encerrou, em tese, um ciclo de segregação racial no país. Mulher negra de pele retinta, ela atravessaria um século de mudanças.
Prestes a completar 103 anos, dona Sebastiana não se exime de viver novas experiências como, por exemplo, andar pela primeira vez de avião. Na viagem para Goiânia (GO) em 2016, ela fez questão de conhecer a cabine e toda a tripulação.
A vontade de estar em novos lugares pode ser explicada, em parte, por uma impossibilidade que se fez presente por muitos anos. Nascida em Ituiutaba, uma pequena cidade no pontal do triângulo mineiro, as memórias da juventude de Sebastiana que mais ecoam, até hoje, são de segregação.
“Antigamente, preto aqui era muito escorraçado”, ela inicia seu relato ao Brasil de Fato, pelo telefone. “Se a gente ia na igreja não podia ficar do lado dos ricos. Tinha lado a igreja. A gente ficava todos [negros] de um lado e os ricos do outro. Era assim”, lembra.
Ela conta que muitos trabalhavam sem ganhar dinheiro, só para comer. “Escravidão acabou, mas a gente vê que ainda tem muita gente por escravo. Muito preconceito. Muita diferença.”
CLUBE DE RESISTÊNCIA
A fundadora conta que, no decorrer dos anos, o local foi alvo de denúncias. “Eu me sacrifiquei para ter esse lugar para a gente se divertir, depois que a gente melhorou, disseram que a gente fazia barulho, que ficava cantando, tocando instrumento e povo não dormia”, lembra.
Depois das denúncias, a Prefeitura cedeu um terreno para a inauguração oficial do clube, em 1945. Atualmente, o espaço físico da entidade está interditado por conta de uma ação judicial movida pelo Ministério Público do estado, com a acusação de “poluição sonora”. Integrantes da diretoria do clube tentam retomar as atividades do local com o apoio da Fundação Municipal Zumbi dos Palmares.
VIDA CARIOCA
“Veio muito escravo da África, que eles mandavam buscar para trabalhar aqui. O trabalho dos escravos… calçamento, carregamento de pedra. No dia que você vier aqui, eu não tô podendo porque já tô velha, mas vou mandar a Célia te mostrar muita coisa que os escravos faziam.”
ANOS 2000
Isabella tem vocabulário que impressiona para a idade. E a escolha do filme preferido — um longa estadunidense lançado em 2018 — também diz muito sobre sua própria história: há um ano, menina está à frente da coordenação do grupo Naturalmente Cacheadas, na Escola Estadual Prof. Leila Mara Avelino, em Sumaré (SP).
O coletivo foi criado em 2017 e teve início porque meninas entre 10 e 13 anos estavam começando, muito cedo, a alisar seus cabelos cacheados ou crespos.
“Comigo não foram várias vezes, mas já aconteceu de alguém falar do meu cabelo, da minha pele. Foram algumas vezes, mas eu abaixei a cabeça pra isso e chorei. Então, eu me arrependo, porque eu poderia ter erguido minha cabeça e não ter chorado, porque eu sentiria que teria sido melhor pra mim, sabe?”, diz.
Na escola, suas matérias preferidas são português, artes e uma disciplina chamada Projeto de Vida, voltada a projetos educativos interdisciplinares e que pensem no futuro. Isabella, por exemplo, quer ser pediatra. “Se eu sonhar, um dia chega”, sorri.
REPRESENTATIVIDADE QUE IMPORTA
O que aconteceu com a boneca? Isabella conta que foi doada. E não lembra para quem. Mas espera que tenha sido doada para outra menina negra, que possa se enxergar em espaços assim como ela se encontrou.